Celebramos este ano o centenário do falecimento de Manuel Murguia (1833-1923), marido de Rosalia, primeiro presidente da Real Academia Galega e figura decisiva no ressurgimento cultural galego do século XIX e na formação da nossa consciência colectiva atual.
Com este ensejo, convém lembrarmos que Murguia manifestou repetidamente e do modo mais natural a pertença da Galiza à área lusófona.
Três discursos reintegracionistas
Assim, no discurso pronunciado nos Jogos florais celebrados em Tui no ano 1891 aproveitava a imediatez do rio Minho, linha fronteiriça entre a Galiza e Portugal nesse ponto, para afirmar:
“O primeiro, o nosso idioma […]; o formoso, o nobre idioma que do outro lado desse rio [o Minho] é língua oficial que serve a mais de vinte milhões de homens e tem uma literatura representada polos nomes gloriosos de Camões e Vieira, de Garrett e de Herculano; o galego, em fim, que é o que nos dá direito à inteira possessão da terra em que fomos nados […]. Podemos dizer com verdade que nunca, nunca, nunca pagaremos aos nossos irmãos de Portugal […] sobretudo que hajam feito do nosso galego um idioma nacional. Mais afortunado que o provençal –encerrado na sua comarca própria– não morrerá.”
Manuel Murguia, Discurso nos Jogos florais de Tui, ano 1891.
“O nosso idioma […]; o formoso, o nobre idioma que do outro lado desse rio [o Minho] é língua oficial que serve a mais de vinte milhões de homens e tem uma literatura representada polos nomes gloriosos de Camões e Vieira, de Garrett e de Herculano.“
Anos mais tarde formularia as mesmas ideias para uma ocasião não menos solene: no acto de apresentação pública da Academia Galega, em 30 de setembro de 1906 na Corunha. Foi ali lido um discurso de Murguia, que, como fica dito, ia ser o primeiro presidente da nascente instituição. Esboçando como um programa para o labor da Academia dizia:
“Comecemos polo estudo do idioma que falamos há mais de dez séculos. […] Povo que esquece a sua língua é um povo morto […]. O primeiro a nossa língua […], a língua que falou este povo durante mais de dez séculos, que é a que falam e entendem cerca de três milhões de galegos, dezaoito milhões de habitantes de Portugal e dos seus domínios, doze do Brasil. Não pode perecer um idioma que tem uma literatura gloriosa, e nomes que são orgulho da inteligência humana. Por isso, e para recolher na Galiza o seu verdadeiro léxico, dar a conhecer a sua gramática e afirmar a sua existência, fundou-se esta Academia.”
“O primeiro a nossa língua […], a língua que falou este povo durante mais de dez séculos, que é a que falam e entendem cerca de três milhões de galegos, dezaoito milhões de habitantes de Portugal e dos seus domínios, doze do Brasil.”
Pouco tempo depois, noutro discurso na Academia voltava ainda Murguia sobre o assunto:
“O galego encontra-se hoje, para dita sua, nas condições de um idioma em formação (eu creio que, umas mais que outras, todas as línguas se encontram no mesmo caso), pois, em definitiva, são-no por essência aquelas que não foram ainda fixadas pola cultura literária. Por fortuna, o português chegou já a este ponto e pode servir-nos para contrastar as formas usadas novamente polos que já as usaram num princípio. Uma e outra língua são totalmente o mesmo nas suas origens, no seu desenvolvimento, nas suas condições.”
Da teoria à prática
Murguia não se limitou só a defender teoricamente a unidade linguística galego-portuguesa: também deu o passo de realizá-la na prática mediante a adoção da ortografia portuguesa. Isto foi o que quis fazer na edição do seu cancioneiro popular galego, que tinha anunciado com o título de Rimas populares de Galicia. Infelizmente, este livro não chegou a editar-se. Para além disso, o manuscrito parece estar perdido, e não sabemos até que ponto chegou a realizar-se a adaptação ortográfica.
Porém, conserva-se manuscrito o prólogo que Murguia redigiu, onde explica claramente a sua opção pola ortografia portuguesa:
“Había llegado a ser para mí cosa de verdadero empeño la publicación del presente libro. Aparte de su importancia manifiesta y el influjo que espero que ejerza bajo varios conceptos, como lo había anunciado tanto tiempo ha, no pasaba día sin que me recordase el compromiso contraído. A pesar de ello, graves inconvenientes me impedían arriesgarme, siendo el primero y principal el deseo que tengo de que, como cosa de la musa popular, y por esto mismo obra nacional, su ortografía, ajena a los caprichos de la que cada autor que escribe en gallego tiene para su uso, fuese lo que se dice nacional también, y si tanto pudiese alcanzarse, definitiva. Esperaba por ello que la Academia Gallega, en la cual pusimos todos tantas esperanzas, se decidiese y publicase la verdadera ortografía de nuestro romance, o cuando menos la más aceptable. El fracaso experimentado de la Academia en su creación, nos dice bien claro que ya no la tendremos jamás, y por lo mismo, que en la cuestión de la ortografía seguiremos por largo tiempo en la amable anarquía a que nos tiene condenados la voluntariedad y a veces la ignorancia de los que escriben en el idioma gallego.
Dispuesto a salvar tan grave escollo, hube de decidirme por lo más racional. El gallego y el portugués, me dije, son uno mismo en el origen, gramática y vocabulario. ¿Por qué no aceptar la ortografía portuguesa? Si nos fue común en otros tiempos, ¿por qué no ha de serlo de nuevo?
“El gallego y el portugués, me dije, son uno mismo en el origen, gramática y vocabulario. ¿Por qué no aceptar la ortografía portuguesa? Si nos fue común en otros tiempos, ¿por qué no ha de serlo de nuevo?”
Sólo un total olvido, entre nosotros, de la lengua hermana, pudo hacer que se alcanzara y prevaleciese la especial confusión con que escribieron y escriben el gallego; atendiendo los unos, como es justo, al origen de las voces, atendiendo los otros a lo que da de sí la fonética, y en fin mermando los más sin tino inconsciente ambos sistemas.
Para evitar tan grave inconveniente, y sobre todo para echar de una vez las bases de una ortografía con la cual podamos y debamos conformarnos, me decidí por de pronto a seguir la portuguesa, modificada en aquella parte que puede sin peligro asimilarse a la que usamos. Un docto amigo mío, el Sr. Don Florº Vaamonde [= Florêncio Vaamonde Lores], se encargó de esta tarea, y él fue quien copió como conviene las composiciones que forman el presente volumen. A él, pues, los aplausos”.