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Daniel Barral: “O projeto reintegracionista não consistiu nunca apenas em comunicar-se com a lusofonia, mas em adotarmos um padrão linguístico coerente”

Neste ano 2021 há 40 anos desde que o galego passou a ser considerada língua co-oficial na Galiza, passando a ter um estatus legal que permitiria sair dos espaços informais e íntimos aos que fora relegada pola ditadura franquista. Para analisar este período, estamos a realizar ao longo de todo o ano, umha série de entrevistas a diferentes agentes sociais para darem-nos a sua avaliaçom a respeito do processo, e também abrir possíveis novas vias de intervençom de cara o futuro.
Desta volta entrevistamos o escritor Daniel Barral, recentemente premiado na USC por um poemário escrito em reintegrado.

Qual foi a melhor iniciativa nestes quarenta anos para melhorar o status do galego?
dsc_0096-2Além das pedras miliárias particulares—a criação da RTVG, o Xabarin Club, a introdução do galego no sistema educativo, a institucionalização do uso da língua etc.—, acho que o principal fator que deveríamos ter em conta para qualquer análise deste período é um que amiúde esquecemos, isto é, o facto de contarmos até o dia de hoje com um nacionalismo galego organizado. Não me refiro àquele nacionalismo cultural que, numa medida ou noutra, triunfou nos seus propósitos de se constituir como pequena elite subsidiária. Refiro-me ao nacionalismo netamente político, sem cuja luita pela movimentação popular, e sem cuja presença incómoda nas instituições, as verdadeiras elites —as do Estado Espanhol— jamais teriam feito concessões como as mencionadas.
De facto, acho errado formular a análise do processo de normalização do galego desde o final da ditadura franquista em termos de iniciativas ou eventos concretos, por muito valor simbólico que puderem ter. Considero que seria melhor colocar o foco no que realmente determinou e determina o status do galego: as luitas entre elites, a capacidade organizativa do povo galego contra Espanha; em definitiva, a evolução nas relações de poder entre colónia e metrópole no processo de transformação e reassentamento das instituições do Estado franquista num novo contexto político.

Se pudesses recuar no tempo, que mudarias para que a situação na atualidade fosse melhor?
Tantas cousas que é impossível nomeá-las. Resulta entretido perguntar-se “o que teria acontecido se…?” e sonhar com outros presentes possíveis. Mas a fim de contas, é este presente que ainda podemos transformar e onde a nossa imaginação deve botar raiz.

Que haveria que mudar a partir de agora para tentar minimizar e reverter a perda de falantes?
O que sempre tivemos de mudar: a nossa situação de dependência nacional. No mesmo sentido da resposta à primeira pergunta, iniciativas concretas (a introdução do estudo do português como língua estrangeira no ensino obrigatório, o fomento à produção de cultura audiovisual em galego, a melhora nos intercâmbios e conexões culturais com o resto de países da lusofonia etc.) são pequenos passos, mas passos afinal, os quais precisam dum caminho. E o caminho para a plena normalização do galego na Galiza não pode ser outro que o da soberania nacional, ou seja, o da independência sob a forma dum Estado próprio.
Qualquer iniciativa a favor da normalização do galego que não passe pela conquista do poder político não poderá nunca ser outra cousa que resistencialismo —nestes estádios de progressão da substituição linguística duvido que possa ser mais nada que cuidados paliativos. Não quero dizer com isto que devamos perder a esperança; antes ao contrário, devemos colocar a nossa esperança no lugar ajeitado: na libertação nacional do nosso país. Pois não sonhamos acaso com um sistema educativo veiculado em galego em todos os seus níveis? Com umas instituições públicas em que o normal seja atender e ser atendida em galego? Com apoio público à produção e difusão cultural e artística em galego? Com não termos de estar, em definitiva, exigindo todos os dias podermos viver com dignidade na nossa própria língua? Isto tudo precisa da força duma lei própria, duma justiça própria e duma fazenda própria, e de todas aquelas cousas que fundamentam a soberania e a liberdade das nações.

Qualquer iniciativa a favor da normalização do galego que não passe pela conquista do poder político não poderá nunca ser outra cousa que resistencialismo —nestes estádios de progressão da substituição linguística duvido que possa ser mais nada que cuidados paliativos. Não quero dizer com isto que devamos perder a esperança; antes ao contrário, devemos colocar a nossa esperança no lugar ajeitado: na libertação nacional do nosso país.

Recentemente ganhaste um concurso literário da universidade de Compostela com um texto em reintegrado, achas que tenhem mudado as cousas nesta instituiçom a respeito de décadas anteriores?
Não saberia dizer. Porém, não tomaria o facto de um texto em reintegrado vencer um prémio como sintoma nenhum de qualquer melhora no conflito normativo vigente. Bem pudesse ser que o júri que decidiu os prémios estivesse composto apenas por pessoas conformes com as teses reintegracionistas. A instituição é outra cousa, e dá-me a impressão de que as omissões, os estorvos e as perseguições mais ou menos veladas, bem como os agentes e os seus interesses, continuam a ser os mesmos.

Mesmo que, falando com franqueza, os principais organismos intelectuais da hegemonia cultural do isolacionismo (a USC, o ILG e a RAG) evoluíssem para um certo grau de tolerância com o reintegracionismo, isso não me parece ocasião para a celebração nem para a alegria. Por uma parte, porque acho que essa tolerância apenas pode ser lida como uma míngua no medo a o reintegracionismo disputar realmente essas instituições e o consenso normativo oficial.

Mesmo que, falando com franqueza, os principais organismos intelectuais da hegemonia cultural do isolacionismo (a USC, o ILG e a RAG) evoluíssem para um certo grau de tolerância com o reintegracionismo, isso não me parece ocasião para a celebração nem para a alegria. Por uma parte, porque acho que essa tolerância apenas pode ser lida como uma míngua no medo a o reintegracionismo disputar realmente essas instituições e o consenso normativo oficial. Por outra, porque a estratégia do reintegracionismo não deve consistir em atingir a tolerância dessas instituições, mas em dominá-las e virar o lado vencedor do conflito normativo entre isolacionismo e reintegracionismo.

Achas que seria possível que a nossa língua tivesse duas normas oficiais, uma similar à atual e outra ligada com as suas variedades internacionais?
Entendendo que o fundo desta questão é conhecer a minha opinião sobre a aposta de parte do movimento reintegracionista atual no binormativismo na Galiza, acho conveniente realizar um par de distinções.
Um binormativismo oficial, isto é, que a norma reintegrada e a norma isolada gozassem do mesmo reconhecimento e dos mesmos direitos de uso em todas as instâncias institucionais, é certamente uma possibilidade, embora a sua realizabilidade seja questionável. Pois por muito que gostemos de nos compararmos com a Noruega e o modelo binormativo do norueguês, nem a Galiza é um Estado independente com capacidade plena para decidir sobre qual língua e qual versão dessa língua é oficial nas suas instituições, nem devemos perder de vista que o galego na Galiza é uma língua dominada pelo castelhano e imersa num processo acelerado de substituição linguística.
Se o binormativismo é uma aposta conveniente é outra questão diferente, à qual só posso responder que depende. Como objetivo táctico é questionável. Como objetivo estratégico é contrário ao espírito do reintegracionismo.
Como objetivo táctico, como meio subordinado a um fim, posso entender a necessidade de reclamarmos um reconhecimento legal da norma reintegrada. Este reconhecimento permitir-nos-ia, no individual, maiores garantias e segurança à hora de utilizarmos o padrão reintegrado na nossa relação com as instituições, e, no colectivo, aumentar o conhecimento deste padrão —se calhar mesmo aumentando a sua popularidade. É esta melhora imediata que nos permita fazer mais convidativo e acessível o uso da norma reintegrada que dota de sentido o apoio do reintegracionismo ao binormativismo.

Como objetivo táctico, como meio subordinado a um fim, posso entender a necessidade de reclamarmos um reconhecimento legal da norma reintegrada. Este reconhecimento permitir-nos-ia, no individual, maiores garantias e segurança à hora de utilizarmos o padrão reintegrado na nossa relação com as instituições, e, no colectivo, aumentar o conhecimento deste padrão —se calhar mesmo aumentando a sua popularidade.

dsc_0107Como objetivo estratégico, como um fim inerente, é alheio ao reintegracionismo. Duvido que haja quem explicite assim a sua confusão e diga que o objetivo do reintegracionismo é a convivência entre normas. Porém, tenho sim visto muita gente —demasiada gente e demasiadas vezes—, mesmo com um papel referencial no seio do reintegracionismo organizado, afirmar como desejável esta convivência e colocar o conflito normativo como uma questão de liberdade de escolha entre normas —liberdade individual que o binormativismo viria reconhecer e garantir legalmente. Mesmo tenho visto colocar “as duas normas do galego” em pé de igualdade, incorrendo num retrocesso assustador respeito das posições históricas do reintegracionismo desde a década de 80.
Podemos debater sobre o significado exato do reintegracionismo ou de qual seja a melhor versão da norma reintegrada, mas se algo tenho claro é que o reintegracionismo só faz sentido na medida em que o seu objetivo é tornar a norma reintegrada a única norma oficial do galego da Galiza. O seu sentido é reintegrar o galego em si próprio —na sua tradição linguística genuína— e no conjunto da lusofonia. Bem pelo contrário, o isolacionismo promove um modelo linguístico subsidiário do castelhano porque o seu sentido original, no momento da oficialização do galego, é o de isolar o galego do mundo e de si próprio, integrando-o como língua regional do Estado, o qual significa, em termos netamente políticos, isolar a Galiza do mundo e de si própria como uma região particular de Espanha.

O reintegracionismo é a resposta histórica concreta a esse conflito normativo ainda vigente, que é uma das faces do conflito nacional galego. Em última instância não cabe convivência com o isolacionismo porque este é, no seu cerne, um aparelho de espanholização linguística e, portanto, nacional. A convivência só deve ser predicada com a vontade táctica de fazer mais firme o projeto: a conquista da hegemonia cultural, a qual há de levar à extinção do isolacionismo e da norma isolada.
Outra confusão alarmante é a instalação, à hora de abordar este debate, do costume de falar da “norma oficial” por oposição à “norma internacional” em parte do reintegracionismo, opondo assim as bondades utilitárias da normativa reintegrada, que nos põe em contacto com a lusofonia, com a norma isolada, a qual, suponho, ficaria definida assim como norma “nacional”. Acho esta nomenclatura perniciosa e errada. O projeto reintegracionista não consistiu nunca apenas em comunicar-se com a lusofonia, mas em adotarmos um padrão linguístico coerente com a tradição linguística própria e expurgado do domínio linguístico do castelhano. Se uma norma devesse ser chamada “nacional”, acho que a reintegrada tem mais méritos do que a isolada, a qual, insisto, só se impõe pela necessidade de desnacionalizar a Galiza no momento de constituir o Estado das Autonomias.

O projeto reintegracionista não consistiu nunca apenas em comunicar-se com a lusofonia, mas em adotarmos um padrão linguístico coerente com a tradição linguística própria e expurgado do domínio linguístico do castelhano. Se uma norma devesse ser chamada “nacional”, acho que a reintegrada tem mais méritos do que a isolada, a qual, insisto, só se impõe pela necessidade de desnacionalizar a Galiza.

 

Mesmo se a lusofonia não existisse e o galego só fosse falado na Galiza, a sua ortografia continuaria a dever manter essa coerência. Ironicamente, vou acabar falando doutros presentes possíveis: se não existisse a lusofonia, estou certo de que a normativa oficial que teríamos hoje seria algo muito mais próximo do modelo linguístico defendido pelo reintegracionismo do que do modelo defendido pelo isolacionismo, pois este, nessa situação, duvido que nem sequer tivesse chegado a existir.

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