No passado mês de maio, decorria entre Compostela e o Rio de Janeiro, organizada entre a AGAL (Associaçom Galega da Língua) e A ABL (Academia Brasileira das Letras) a Leitura Continuada do romance A República dos Sonhos, da escritora brasileira de origem galega, Nélida Piñon. Agora, falamos com algumas das pessoas que participaram da mesma, para recolher as suas impressões e o pouso do evento.
Passado já um tempo da leitura, como lembras o teu passo polo evento?
Na edição anterior também tinha feito parte da equipa de voluntariado, mas no dia antes mesmo do evento adoeci. Foi frustrante. Digamos que estava com muita vontade de participar agora, porque na edição dedicada ao Saramago aquele desejo não se materializou para mim. Este ano, aliás, para além de ter essa incontida emoção, tinha muita curiosidade por saber como ia correr tudo, porque se tratava de um evento ultramarino e com um texto onde a Galiza e as pessoas galegas apareciam retratadas de forma explícita.
Como avalias a repecursom do mesmo, achas que serviu para dar a conhecer melhor a figura e obra da Nélida?
A notícia ecoou por tudo quanto é lugar nas minhas redes sociais. Mas sempre que isto acontece tento ser prudente e não pensar que aquilo é o mundo todo. Foi bom ver que a informação também era sabida por colegas de trabalho, amizades e outras pessoas com quem falo fora do mundo virtual.
Quanto ao conhecimento sobre a obra e autora, aí é que vejo um interesse desigual. Diria que o pessoal gosta de participar do evento, porque ele já faz parte da agenda da cidade. Independentemente de quem for o autor ou autora as pessoas gostam de encarar esse “desafio” de ler um texto em português em público.
Do meu ponto de vista, precisamos de mais professorado envolvido na questão para poder trabalhar a obra nas aulas. Os meios também deveriam fazer a sua parte divulgando a figura com anterioridade ao evento com documentários, reportagens, etc.
No teu caso foste a responsável de desenhar e oferecer os ateliês para a rapaziada que participou vinda de Centros de Ensino Secundário, como foi esta experiência?
Gosto muito dessas encomendas porque sou uma pessoa que se move muito por impulsos criativos e que adora comunicar. Quero agradecer à AGAL esta oportunidade que me deu.
Preparei o ateliê em casa com muita emoção e tive imensa sorte com todos os grupos que por lá passaram, todos tinham uma predisposição muito boa. Quem me dera ter tido mais turmas!
A formação consistia numa teoria básica sobre como ler em português (ou também sobre como ler “à galega” textos em português). Alguma rapaziada já tinha muita noção porque eram alunos/as da matéria de português, mas outros/as não. Como tinha a experiência de ter ministrado os ateliês OPS em anos anteriores isto ajudou muito.
No final do ateliê fazíamos um origami. Era um jogo do Quantos-queres? onde vinham recolhidas as regras básicas que tínhamos aprendido nesses minutos. O papelzinho podia servir como cábula, caso houvesse nervos ou dúvidas no momento da preparação da leitura. Foi engraçado.
Considero que o ateliê não deveria reduzir-se só a pessoal jovem em idade escolar, haveria que ter também tempo para um perfil de pessoas que vêm de acompanhantes e que dizem que não se atrevem a ler, porque “não sabem”. Claro que sabem, só que não sabem que sim sabem, ahaha.
Até que ponto achas que é influente reparar em que nom há qualquer problema na Galiza para a compreensom dum texto escrito no Brasil?
Acho que é a ideia força deste evento. É maravilhoso passar horas como voluntária e ver a quantidade de pessoas (e tão diferentes!) que por lá passam e encaram esses parágrafos da obra com total normalidade. Para mim o ideal seria que ao chegarem a casa continuassem a deixar esse medo na porta e que isto não fossem só uns minutos no ano.
A leitura continuada pode ser um impulso para mais pessoas fazerem outro tipo de consumo cultural que considere a lusofonia como um meio para atingir um fim: viver em galego.
Quais seriam, do teu ponto de vista, as áreas alvo em que trabalhar para construirmos caminhos de ida e volta entre a Galiza e a Lusofonia?
Considero que temos uma folha de navegação perfeita já desenhada: a Lei Valentim Paz Andrade. Lá foram tratados muitos aspectos estratégicos. Dez anos depois está na hora de as forças políticas assumirem esta responsabilidade. Até poderia ser um bom texto para ler em público nas próximas edições! Estou já a imaginar as autoridades a ler a lei (algumas pela primeira vez).
Considero que temos uma folha de navegação perfeita já desenhada: a Lei Valentim Paz Andrade. Lá foram tratados muitos aspectos estratégicos. Dez anos depois está na hora de as forças políticas assumirem esta responsabilidade. Até poderia ser um bom texto para ler em público nas próximas edições! Estou já a imaginar as autoridades a ler a lei (algumas pela primeira vez).
Passe a ironia, quanto a mim, como professora de português no ensino secundário, é fácil adivinhar a minha resposta: português em todas as escolas. É assim que poderemos chegar maciçamente a gizar esse caminho de ida e volta. Que a cidadania tenha conhecimentos é chave para mudar o marco mental de recurso ao espanhol e, portanto, mudarmos a soberania linguística.
A AGAL já tinha organizado uma primeira leitura continuada do Scórpio de Carvalho, depois do Ensaio sobre a cegueira de Saramago, e esta última da República dos Sonhos de Nélida Piñon, que outras obras sugeririas para serem lidas deste jeito?
Quando virei reintegracionista sabia que o futuro da minha língua passava pelo Brasil. Agora tenho cada vez mais claro que esse futuro está no continente africano. Um escritor/a dos PALOP parece que é a peça que falta neste puzzle de leituras que fomos criando. É de justiça.
Vou dar nomes de pessoas, em vez de obras, porque sou uma pessoa muito indecisa e sei que depois desta entrevista, com todo o sossego, é que me ocorreria o título perfeito. Vão as dicas: Paulina Chiziane, Lília Momplé, Mia Couto ou Pepetela. Este último defendeu publicamente o uso do termo Galeguia. Seria lindo a Galiza a homenageá-lo assim coletivamente.