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Ângelo Cristovão: “A Lei Paz-Andrade (LPA) teve uma fraca e desigual aplicação”

A Lei nº 1/2014, do 24 de março, para o aproveitamento da língua portuguesa e vínculos com a lusofonia, conhecida popularmente como Lei Valentim Paz-Andrade, foi aprovada por unanimidade no Parlamento da Galiza há agora uma década. Falamos com um dos promotores da Iniciativa Legislativa Popular que levou este texto a Lei, Ângelo Cristovão, para avaliar o percurso dos primeiros dez anos desta.

Neste ano completárom-se 10 anos da aprovaçom da Lei Paz Andrade, qual é a tua avaliaçom sobre a sua aplicaçom durante esta década de vigência?

A Lei Paz-Andrade (LPA) teve uma fraca e desigual aplicação. Isto foi devido, em parte, às condições da negociação, e à resistência ou oposição das entidades melhor situadas no Sistema Cultural Galego, tradicionalmente beneficiárias de todos os recursos públicos, tanto materiais como simbólicos. Até certo ponto é lógico que não quisessem perder o monopólio de que eram usufruidores. Houve, ainda, pressões que poderíamos qualificar de ‘externas’, como as dos docentes de francês, com apoio diplomático.

Indo ao miolo da questão, a negativa explícita ou a reticência da Conselharia de Educação da Junta da Galiza a acrescentar o número de docentes de português tem sido uma tónica constante. Nestes 10 anos, nas convocatórias de vagas, frequentemente – não sempre – a proposta inicial tem sido de zero para português, para ficar finalmente num número simbólico: 3 ou 4. Nos últimos dias tivemos conhecimento de uma tentativa de eliminação do Departamento de Português em Tui, no IES S.Paio. É outro exemplo da continuidade das políticas antilusófonas da etapa pré-LPA. Mais uma vez é preciso fazer um abaixo-assinado para defender esse espaço. E assim uma e outra vez.

Qualquer discurso que possa vir de âmbitos oficiais relatando o muito que têm feito para aplicar a LPA leva vantagem relativa na comparação com a situação anterior a 2014. Porém, os dados no âmbito do ensino não resistem uma breve análise, mesmo utilizando os fornecidos por esses mesmos organismos oficiais. Basta dizer, em termos de contagem, que existem em 2024 aproximadamente 50 vagas para professores, consolidadas, no sistema de ensino obrigatório da Galiza, e um número de alunos próximo dos 5000, incluindo os das Escolas Oficiais de Idiomas, o que equivale a 4% dos discentes. No caso de o Governo autónomo manter o ritmo de crescimento observado desde 2014, teremos de aguardar outros 40 ou 50 anos para chegar a atingir a percentagem de alunos que tinha a Comunidade Autónoma da Extremadura em 2014. Não parece ser esta uma forma ótima de cumprir uma lei que, entre outras características, foi aprovada por unanimidade dos deputados representantes do Povo.

Dito isto, não seria justo apagar ou diminuir o valor de uma multitude de esforços realizados, algum dos quais significativos e outros simbólicos, como a edição em português do Diário Oficial da Galiza. Destaca um conjunto de ações realizadas polos pais de alunos, o corpo de docentes, e determinadas iniciativas da Direção Geral de Política Linguística, fazendo caso de algumas, só de algumas, das muitas propostas que lhe foram apresentadas, que não podemos relatar aqui por falta de espaço. Devem ser consideradas positivamente, mas qualificadas como muito insuficientes.

No lado mais positivo há que assinalar a boa disposição e as gestões geralmente acertadas da Direção Geral de Relações Exteriores na aplicação da LPA, sem por isso deixar de indicar que ficam aquém do necessário e do factível em termos de estrita legalidade.

Chamo a atenção para a seguinte questão: existe uma dimensão luso-galaica à que correspondem umas estruturas e organizações conhecidas, como os vários organismos de cooperação transfronteiriça em que participam organismos públicos portugueses e galegos. São úteis, porém limitados a assuntos mais ou menos locais. A LPA implica reparar na dimensão lusófona representada por organismos como a UCCLA, União das Capitais de Língua Portuguesa, ou a própria CPLP, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, de dimensão transcontinental, que precisam de uma visão mais ampla.

A próxima criação do Observatório da Lusofonia Valentim Paz-Andrade, em cuja composição falta uma mínima representação brasileira e africana, por não citar Timor, corre o risco de nascer enfraquecida por esse tipo de perspetivas locais e eurocêntricas. Se formos capazes de ultrapassar os limites mentais, um discurso para a lusofonia, um discurso de liderança, poderá ser construído tanto em Luanda como em Santiago de Compostela.

Temos o costume de atribuir toda a iniciativa aos Governos na aplicação das leis. E dá-se por suposto que é responsabilidade da oposição parlamentar exigir ao grupo maioritário o cumprimento de uma série de compromissos adquiridos. Lógico e previsível. Seria interessante reparar também em níveis intermédios como as câmaras municipais. Poderia deixar aqui uma pergunta, talvez retórica, entre outras possíveis: por que razão o Governo municipal de Santiago de Compostela, liderado polo BNG, nunca participa nas reuniões da UCCLA, sendo que a capital galega é membro observador desse organismo? Falamos muito da lusofonia e não participamos quando nos convidam? Que credibilidade podemos ter com esse tipo de políticas?

Que acertos e que erros podes identificar olhando para atrás, desde hoje?

O que poderia ser considerado um acerto é manter o diálogo e a colaboração institucional, apesar de tudo, tanto no interior do país como a nível espanhol e internacional.

A dia de hoje a inserção do português no plano de estudos continua a ser objeto de atuações e gestões junto das autoridades públicas. Algumas tomando como quadro de referência a LPA, como as dos Docentes de Português na Galiza e a Academia Galega da Língua Portuguesa. Outras ações mais recentes, como as da AGAL, correm por fora desse entendimento regressando ao ponto de partida, na procura da inclusão dentro do horário letivo do galego. Este poderia ser um possível erro destes últimos anos. Talvez. Cada entidade é livre de tomar as suas decisões, sem dúvida. Uma pergunta a considerar é onde nos leva a tomada e posições unilaterais sem uma posta em comum nos temas mais relevantes. Como quer que seja, ninguém prevê que o assunto desapareça do foco de atenção, porque a própria LPA não tem dado o resultado esperado.

Que vias achas que é mais conveniente apanhar, de agora em diante para otimizar o seu desenvolvimento?

A experiência demonstra o valor da otimização dos recursos disponíveis, e o peso decisivo de iniciativas coerentes com o nosso percurso, com projetos de longa duração, sem cedências ao imediato. Num diálogo contínuo com todos os agentes e instâncias implicadas, mesmo com quem estão longe das nossas posições, sem dúvida. Com paciência e generosidade, com certeza. Mas longe de ideias erradas e tentações de boa vontade como o “binormativismo” que temos visto recentemente. Os problemas políticos resolvem-se no plano político. Dar legitimidade a quem trabalha contra a unidade da língua não acarreta a reciprocidade. Só conduz ao descrédito das próprias posições.

Para dar um exemplo positivo refiro os esforços por integrar entidades galegas em qualidade de observadores consultivos na CPLP (a AGAL é a mais recente incorporação) e as linhas de atuação que se desenvolvem em colaboração com entidades de outros países. É uma forma de ganhar experiência, tecer redes, integrar e normalizar a presença galega, e ganhar de facto o direito de pertença. Um direito que é inútil fundamentar na saudade do que aconteceu na idade média, em que a língua nasceu. O que esperam de nós é saber o que imos fazer de aqui para a frente. De que forma a Galiza pode e quer contribuir a cada um dos outros membros da comunidade, e ao conjunto em geral.

Como em tantos outros casos, para acertar nas respostas e marcar um rumo, o primeiro é fazer as perguntas corretas. A pergunta a fazer a qualquer interlocutor galego não é tanto porque, mas para que quer fazer parte do espaço lusófono.

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