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Uma paródia da guerra a favor da paz (Filme: «Diabo a Quatro» dos Marx, no Dia da Paz e Não Violência)

Em 1964 o pedagogo balear Llorenç Vidal decidiu criar o Dia Escolar da Paz e da Não Violência (DENIP), a celebrar nos estabelecimentos de ensino todos os 30 de janeiro de cada ano, pois foi nesta data do ano 1948 em que foi assassinado por fanáticos hindus Mahatma Gandhi, o maior profeta da paz e da não violência do mundo. A comemoração foi estendendo-se durante décadas e agora, por sorte, não existe centro escolar em que não se celebre com atividades educativo-didáticas apropriadas, para sensibilizar os estudantes sobre o importante que é amar a paz e desenvolver em todos os âmbitos e lugares a não violência. E também para lembrar o grande pacifista que Gandhi foi, junto com outros como Jesus, Luther King, Tagore, Tolstoi ou Mandela.

Em 30 de janeiro de 1948 caia assassinado, num jardim de Nova Deli onde se encontrava, por um fanático chamado Nathuram Vinayak Godse, pertencente a um grupo fundamentalista hindu, o grande pacifista Gandhi. O assassino era um radical hindu que não aceitava o princípio gandhiano de que muçulmanos e hindus tinham que dar-se como irmãos tolerantes que se respeitassem mutuamente na sua religião e na sua cultura, vivendo juntos e de mãos dadas na «Mãe Índia». O grande escritor e educador Robindronath Tagore, outro dos profetas da paz e o internacionalismo, qualificou Gandhi como «Mahatma», palavra que significa «Alma Grande», e que foi o homem que libertou a Índia e transformou o mundo com a sua política de não violência (o «Satyagraha» sânscrito). Desde o ano 1904, em que Gandhi criou na Quinta Phoenix o seu primeiro «Ashram» (comunidade que se basta a si própria) manteve sempre vivos e inalteráveis os seus princípios pacifistas, até a sua morte, quando depois dos disparos homicidas berrou «Oh Deus!». Porque é que Gandhi é tão célebre? Andava de sandálias, com uma espécie de tanga a cingir-lhe os rins e nunca desempenhou qualquer cargo político ou administrativo. Não comandou nenhum exército, renunciou à sua profissão e chegou ao fim da vida sem qualquer espécie de fortuna. Mas quando morreu, assassinado por um fanático, representantes da metade dos países do mundo assistiram ao seu funeral. Os seus adversários consideravam-no um político manhoso e ele provou sê-lo, visto que contribuiu para que os britânicos renunciassem à joia do seu Império e Coroa, a Índia, sem qualquer espécie de luita. Embora Gandhi fosse muito mais do que isso para milhões de pessoas espalhadas pelo mundo, era um santo dos nossos tempos, cujas ideias exercem uma profunda influência em pessoas que até aos nossos dias trabalham para a mudança. Acima de tudo ele recusou a ideia de que a única maneira de combater a injustiça é a utilização, por nós mesmos, dos métodos sujos de violência. Esses métodos que se continuam a utilizar por uns e por outros em muitas partes do mundo, na antiga Jugoslávia, na África, na América Latina e mais recentemente na Síria e países limítrofes do Meio Oriente.

Gandhi vem a lembrar-nos sempre muitas cousas, mas uma muito importante: O direito à vida de cada pessoa é um direito que ninguém pode violar. A violência venha de onde vier, é sempre repudiável. O dever de todos os cidadãos é preservar a paz e ser tolerantes com todas as pessoas, com as suas ideias (se aquelas respeitarem a vida dos demais), com a sua cultura, com a sua língua, com o seu pensamento religioso ou político, com a sua psicologia e idiossincrasia… Nas escolas deve comemorar-se o «Dia Escolar da Paz e da não violência», instaurado há 52 anos. Com atividades adequadas nas aulas, com exposições sobre Gandhi, com poemas e filmes pacifistas, para fomentar em crianças e jovens o amor pela paz e o apreço pela tolerância. O lema deve ser: «Amor universal, não violência e paz. O amor universal é melhor que o egoísmo, a não violência é melhor que a violência e a paz é melhor que a guerra». Sem esquecer-nos de que, para refletir, no mundo gastam-se em armamento mil milhões de euros por minuto. 4 % dos científicos e os dous terços dos fundos de investigação estão destinados a estudos de natureza bélica. No entanto 250 milhões de crianças carecem de escolas, 800 milhões de pessoas são analfabetas, 1500 milhões carecem de assistência médica e 2000 milhões passam fame. Que Gandhi seja o exemplo da sua vida e pensamento para todos nós, cidadãos do mundo, em data tão sinalada como a de 30 de janeiro.

E, como provavelmente o humor seja a melhor maneira de criticar com profundidade qualquer facto reprovável, como é neste caso a guerra e a violência, e o não respeito pela vida dos seres humanos, escolhi desta vez para a série um filme extraordinário, uma verdadeira joia cinematográfica, em que os irmãos Marx fazem uma maravilhosa paródia das guerras. Seu título no Brasil é Diabo a Quatro, embora também conhecido como Sopa de ganso em numerosos países. Foi realizado em 1933.

FICHA TÉCNICA:

  • DIABO A QUATRO Cartaz3Título original: Duck Soup (Diabo a Quatro / Sopa de ganso).
  • Diretor: Leo McCarey (EUA, 1933, 70 min., preto e branco). Produtora: Paramount Pictures.
  • Roteiro: Bert Kalmar e Harry Ruby. Fotografia: Henry Sharp. Música: Arthur Johnson.
  • Nota: Pode ver-se entrando no Youtube.
  • Atores: Groucho Marx (Rufus T. Firefly), Harpo Marx (Pinky), Chico Marx (Chicolini), Zeppo Marx (Lt. Bob Roland), Margaret Dumont (Mrs. Gloria Teasdale), Louis Calhem (Embaixador Trentino de Sylvania), Raquel Torres e Edgar Kennedy.
  • Argumento: A República Democrática de Freedónia, um pequeno país centro-europeu, a cuja frente se encontra o muito liberal senhor Rufus T. Firefly, vê-se ameaçada pela ditadura de Sylvánia, país de velha e reconhecida solvência como agressor. Dous espias de prestígio, Chicolini e Pinky, servem a Sylvánia, o que não impede que terminem por ser ministros do agora já excelentíssimo Firefly. Groucho e companhia dirigem a república mais disparatada da história do cinema na, para muitos, melhor comédia dos irmãos Marx, o que é dizer a comédia mais delirante e o humor surrealista mais divertido da sétima arte. O filme é a quinta-essência duns cómicos geniais que, apesar de não ter sucesso na sua estreia, supôs o primeiro clássico de uma série de lendários títulos dos Marx como Uma noite na ópera (1935), Um dia nas corridas (1937), O hotel dos lios (1938), No circo (1939) e No Oeste (1940).

CRITICAR A GUERRA E AS DITADURAS ATRAVÉS DO HUMOR:

O brasileiro Rubens E. Filho faz uma crítica deste filme dos Marx muito acertada, com a qual concordamos e temos a bem reproduzir. Diabo a quatro (Sopa de ganso) é um dos mais famosos e apreciados filmes dos Irmãos Marx. Foi dirigido pelo competente Leo McCarey (que faria filmes famosos como “Tarde Demais para Esquecer”). Em todo o mundo eles são reverenciados como os maiores mestres do absurdo, os anarquistas, os surrealistas da comédia (sempre há problemas com a tradução, que esbarra em trocadilhos). Às vezes realmente é difícil traduzir. Chico manda Harpo tocar a campainha e ele tira um sino, e começa a tocá-lo. A mesma cousa com empurre o botão… da campainha e não do casaco, como ele faz. Assim quem fala inglês tem mais facilidade em compreender os filmes deles. Do infame, confundindo irrelevante com elefante, Dallas com dólares, Texas com taxas, relatório (record) com disco, mas chegando por vezes ao genial (por exemplo, o nome do país fictício Freedonia, viria de Terra Livre, Liberdade, freedom em inglês).

DIABO A QUATRO Foto12Num filme deles tudo é possível e geralmente acontece. Não há mito que eles não desrespeitem ou confusão que eles não criem, sempre numa salutar e descompromissada anarquia. “Diabo a Quatro” talvez seja seu melhor, ao menos o filme mais político. Inspirado em show de teatro, como a maioria de seus primeiros filmes, foi a última aparição do quarto irmão, Zeppo, que geralmente fazia o galã (e aqui mal aparece como o secretário). Considerando-se, com toda razão, um péssimo ator, ele se aposentou e foi trabalhar como agente. Restaram assim Groucho, com seu bigode pintado e seu andar curvado, Chico com seu inexplicável sotaque italiano e Harpo, o mudinho safado de peruca ruiva, que tira cousas incríveis dos bolsos. Na maior parte dos filmes deles, esteve sempre também a atriz Margaret Dumont, que aqui faz a mulher mais rica do mundo, apaixonada por Groucho. Ela suporta inflexivelmente seus insultos. O filme é uma sátira também aos musicais, assim a cada entrada sua, toca-se um hino triunfal e no momento em que se declara guerra, todo o país entra num apropriadamente absurdo production number (um supernúmero musical com todo elenco cantando “O país vai à Guerra”).

Groucho vai implicar com a enorme Dumont (“Por que não derrubam você e constroem um edifício em seu lugar?”), destruindo as instituições (“Se vocês acham este país ruim, esperem até eu acabar”), as reuniões do gabinete (“Este relatório até uma criança de quatro anos entenderia… tragam-me uma criança de quatro anos já”) e a burocracia (“Preciso procurar um tesoureiro. Replicam: Mas foi nomeado um na semana passada! Resposta: É esse mesmo que estou procurando!”).

DIABO A QUATRO FotoComo o filme é de 1933, algumas tiradas se tornaram clássicas: “Meus ancestrais se levantariam do túmulo por causa disso! Já pensou no trabalho que teria para enterrá-los de novo?”; “Vocês estão lutando pela honra desta mulher, o que é mais do que ela jamais fez!”; “Socorro! Venham ajudar quatro homens e uma mulher. Mandem mais três mulheres!”; “Estou cansado de receber mensagens do Front. Por que não mandam algumas também do lado?”.

Chico não é tão engraçado, quase sempre servindo de escada para Harpo fazer suas graças. Este tem seu grande momento na disputa com o homem da limonada, e no seu bolso incrível (de onde ele tira um maçarico para acender um charuto, uma ratoeira, uma tesoura com que destrói tudo que estiver ao seu alcance), nas tatuagens de seu corpo (que tem até casa com cachorro), na sátira à Revolução Americana (onde até o cavalo deixa a ferradura fora antes de ir para cama) e na própria guerra (Harpo usa o cartaz: Entre para o Exército e veja a Marinha).

Uma guerra onde se bate o ponto, atira-se em seus próprios homens (um segredo para ser guardado debaixo do chapéu) e que não pode ser adiada porque Groucho já alugou o terreno da batalha. Quem prestar atenção vai reparar que foi aqui que o comediante português Raul Solnado foi buscar inspirações para suas sátiras sobre a guerra, assim como Chacrinha copiou as buzinadas de Harpo.

Foi o último filme do grupo na Paramount, que depois foi para a Metro, onde faria ainda mais sucesso de bilheteira, sob a orientação do produtor Irving Thalberg. Este não chegou a ser um grande sucesso, talvez por ser por demais satírico. Mussolini o proibiu na Itália, considerando o papel de Rufus T. Firefly como um insulto pessoal a ele. Os Marxs, que eram judeus, adoraram essa reação. Os Marxs são fonte inesgotável de inspiração cômica. Nesta comédia clássica estão, porém, em sua mais pura e impagável hilaridade. Chamou-se originalmente apenas “Diabo a Quatro”, sem o artigo O utilizado agora. Faz parte do box “Irmãos Marx”.

DIABO A QUATRO Foto0Este filme está consagrado ao disparate contínuo das anedotas dos Marx. No mesmo não aparecem Harpo e Chico tocando a harpa e o piano, como noutros de seus filmes. Estes grandes atores metem-se com toda a política internacional no mesmo ano em que Hitler era nomeado chanceler (fuhrer) na Alemanha. Na fita os milionários, como sempre, decidem sobre quem deve governar (Gloria Teasdale, interpretada por Margaret Dumont, escolhe de presidente a Rufus T. Firefly, interpretado por Groucho); onde os governantes são preguiçosos, arbitrários e ignorantes; onde a diplomacia se move por motivos pouco elevados e por dinâmicas egoístas e imperialistas dos países; e onde a guerra é um negócio em que acreditam todos os ignorantes, e, por isto, os habitantes de Feedónia recebem cantando alborotados a declaração de guerra do governo. O filme mesmo hoje, em pleno século XXI, é de uma atualidade tremenda, pois nada mudou, ou em todo o caso aumentaram em volume os temas antes assinalados. Mesmo chegou a influir na própria consciência política dos principais atores como Groucho e Harpo. O primeiro décadas depois foi considerado por Richard Nixon como um inimigo público, pelas suas ideias políticas. Harpo iniciou uma gira pela antiga URSS, que o levou a participar em diversos movimentos políticos de tipo socialista, a favor dos cidadãos e dos trabalhadores. Diabo a Quatro, também conhecido como Sopa de ganso, é um filme irrepetível tanto tempo depois, 83 anos, e por isso dá a sensação de que em termos de censura e de consumo cultural, não temos feito nada mais que retroceder desde então.

DIABO A QUATRO Foto2Em Diabo a Quatro os irmãos Marx, todos eles judeus, ridiculizam o totalitarismo e o poder dos governos na época em que Hitler estava reunindo cada vez mais poder no seu país. Porque essa é a palavra para definir o filme. Vai para além da sátira, é a ridiculização de uma forma de governar e da classe política. Neste ponto é destacável a fantástica cena final, com as diferentes mudanças de trajos de Groucho, que nos leva a refletir para onde conduz a liberdade de expressão, pois algo similar como este filme hoje em dia não seria possível em muitos lugares. E menos naqueles, bastantes, onde, por desgraça, os cidadãos têm que suportar ditaduras e governos quase fascistas, ou pelo menos autoritários, que estão na mente de todos. Inclusive em países democráticos, mas com democracia quase formal, que também há muitos. O torrente de anedotas do filme não da trégua ao espetador, deixando-nos algumas frases e cenas memoráveis, entre as que destacam os números musicais de tipo satírico, genialmente coreografados, e as cenas do jogo de imagens nos espelhos. Por tudo o comentado, não deve estranhar-nos que fosse considerado o filme como uma obra-mestra do humor, e que fora eleito pelo American Film Institute entre os 100 melhores filmes do século XX. Tampouco devemos esquecer a influência que teve no cinema posterior, especialmente no de Woody Allen e no do grupo britânico Monthy Python.

AS CRIANÇAS ESCREVEM SOBRE A PAZ:

José Chicai de Moçambique, com 13 anos, escreveu no seu dia este poema:

«A Paz é uma espiga de milho que nasce na terra que hoje é de todos. A Paz é uma flor que cresce nos olhos das crianças. A Paz é uma estrela vermelha que nasceu na espingarda de um guerrilheiro. Nossa vida era uma noite escura. Não víamos nada, não sabíamos nada, até de pensar tínhamos medo. A Paz hoje já chegou para nós. Como a conhecemos? Para haver Paz foram precisos dez anos de guerra. Mas hoje já consegui entender o que é a Paz.»

Pela sua parte, sob o título de Guerra e Paz, Sofia Manuel Colaço, de 8 anos, escreveu este poema:

«A guerra é triste. Em vez dos homens comprarem armas de guerra deviam comprar enxadas e semear pão e cravos de Paz. Em vez de falarem na guerra deviam fiar no amor e ajudar os pobres, em vez de os matarem de mil maneiras. A guerra é o ódio, a mentira, a maldade. A Paz é o amor, a alegria, as pessoas corajosas. O amor é importante. O ódio é insignificante. O amor faz as pessoas felizes, a guerra só espalha tristeza. O amor é uma papoila vermelha. A guerra é escura como a morte.»

Nota: Poemas tomados do livro coordenado por Mª Rosa Colaço A criança e a vida, editado em 1988 em Lisboa pela Editora Publicações Europa-América.

TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR:

Servindo-se da técnica do Cinema-fórum, analisar e debater sobre a forma (linguagem cinematográfica: planos, contraplanos, panorâmicas, movimentos de câmara, jogo com o tempo e o espaço) e o fundo do filme de Leo McCarey anteriormente resenhado.

Organizar nos estabelecimentos de ensino dos diferentes níveis, atividades lúdicas e artísticas ao redor do tema da paz e da não violência: desenhos, fotografias, redações de poemas, lendas e aforismos, certames, jogos dramáticos, fantoches, teatro, audições musicais, jogos cooperativos, exposições e amostras, leituras públicas, recitais, cartazes, autocolantes, ciclos de cinema pacifista, mapa do planeta com os países em conflito bélico e aqueles em que existe a paz, etc.

Organizar um Livro-fórum, depois de procurar e ler textos sobre a paz e a não violência na internet e em bibliotecas, da autoria de Tagore, Gandhi, Mandela, Luther King, Lanza del Vasto, Montessori, Romain Rolland, Jesús, Buda, Madre Teresa, etc.

 

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