Neste mês de março acontecem em Lisboa, entre outras, três mudanças de domicílio, duas delas de especial relevância.
A primeira foi a mudança do inquilino do Palácio de Belém, feita com pompa e alarde: um concerto na praça do Município, um desfile de carros de luxo e um povo, que não saiu à rua para celebrar uma mudança que apenas significa continuidade. Não pude evitar lembrar-me daquela eloquente “campanha eleitoral”, da qual participei, nos meus anos universitários compostelanos, Um porco por outro… ( pág. 8)
O momento mais destacável do concerto de tomada de posse foi, sem dúvida, o protagonizado pelo cantor Anselmo Ralph.
A segunda mudança, de infinita maior relevância, é a chegada de várias famílias de refugiados vindos do obsceno leilão de pessoas que os estados membros da UE estão a acometer.
Portugal “já” recebeu 132 refugiados dos 10000 que se comprometeu, conta-gotas de solidariedade pisoteada por uma Europa que há muito tempo perdeu o respeito pelos Direitos Humanos.
E a terceira mudança é (será) a minha própria, neste momento em processo.
Vamos falar, então, da habitação em Lisboa: A missão de procurar casa na capital portuguesa, especialmente no centro histórico, tornou-se uma autêntica missão impossível. Preços exorbitantes para apartamentos minúsculos, exigências de várias rendas e caução e a sinistra figura do fiador.
Lisboa vive um autêntico processo de “barcelonização” e isto faz com que os bairros históricos, cada dia que passa, fiquem mais restritos para o comum dos mortais que (sobre)vivemos com uns salários dos mais baixos da UE. O mercado imobiliário do centro histórico passou a estar orientado para a venda de segundas habitações para estrangeiros ou para arrendamentos de férias ou curta duração. Com este fim, proliferam os apartamentos disponibilizados no site Airbnb, um negócio muito lucrativo e do qual as Finanças não veem um só cêntimo.
Hoje não existem projetos como o do empresário galego Agapito Serra Fernandes, e o seu bairro Estrela d’Ouro. As pessoas que, como eu, arrendamos um apartamento no centro histórico alfacinha, temos que conformar-nos com esquadrinhar diariamente os sites imobiliários na procura da casa perfeita: na localização idónea, perto dos transportes e sobretudo que nos deixe algum dinheiro para assuntos como a alimentação ou o pagamento do passe. Exemplificando, hoje em Lisboa um apartamento de dois quartos tem um preço médio de 760€, o salário médio em Portugal ronda os 829€.
Este fenómeno de turistificação selvagem que estamos a sofrer os lisboetas (os alfacinhas e os adotados) faz-me pensar: “que bonita é Lisboa… para quem pode desfrutar dela!”. Não admira que dos quase três milhões de pessoas que vivemos na área metropolitana, o concelho de Lisboa apenas albergue pouco mais de meio milhão de habitantes.
Enquanto dúzias de sites, jornais e revistas declaram Lisboa como a maior e a melhor cidade para todas as atividades turísticas e de lazer inimagináveis, a capital passa proporcionalmente a ser mais difícil de morar, de trabalhar, de viver. Há uns dias lia, e aplaudia, este post numa página do Facebook. Fazia-o sem deixar de amar esta cidade mas receoso do futuro que lhe, aliás nos, espera.
Adorar esta Lisboa que me habita, há muito tempo que se tornou impossível, Lisboa é a minha casa, porém, uma casa portuguesa que perdeu a certeza.