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Sensibilizar os estudantes sobre o valor da cultura popular com o filme ‘O Cavalo do Orgulho’

José Paz Rodrigues (*) – Cultura popular é uma expressão que caracteriza um conjunto de elementos culturais específicos da sociedade de uma nação ou região. Muitas vezes classificada como cultura tradicional ou cultura de massas, a cultura popular é um conjunto de manifestações criadas por um grupo de pessoas que têm uma participação ativa nelas.

A cultura popular é de fácil generalização e expressa uma atitude adotada por várias gerações em relação a um determinado problema da sociedade. A grande maioria da cultura popular é transmitida oralmente, dos elementos mais velhos da sociedade para os mais novos. A cultura popular surgiu graças à interação contínua entre pessoas de regiões diferentes e à necessidade do ser humano de se enquadrar ao seu ambiente envolvente. A sociologia e etnologia, que estudam a cultura popular, não têm como objetivo fazer juízos de valor, mas identificar as manifestações permanentes e coerentes dentro de uma nação ou comunidade. Alguns estudiosos indicam que cada pessoa tem no seu interior a noção do que é popular, que é definido pela vertente de tradição e comunidade. A cultura popular é influenciada pelas crenças do povo em questão e é formada graças ao contacto entre indivíduos de certas regiões. Pode envolver áreas como a música, literatura, gastronomia, dança, teatro, folclore, festas populares, jogos tradicionais, artesanato, arte, etc. De acordo com alguns autores, só é possível fazer a diferenciação entre cultura popular e cultura de massas quando o passar do tempo separa o que é moda e circunstância, alcançando e integrando a essência de um povo. Neste caso, a palavra “massa” não remete para uma classe social, e sim para um grande número de pessoas dentro de uma sociedade. Apesar das duas expressões serem frequentemente usadas como sinónimos, algumas pessoas fazem a diferenciação, referindo que a cultura de massa revela um produto ou vertente cultural que é difundido para as grandes massas, muitas vezes para todo o mundo. A cultura de massa é frequentemente divulgada em meios de comunicação de massa, e na grande maioria dos casos, é incentivada por indústrias com o objetivo de obter lucros. Exemplo disso é Coca Cola, MacDonald’s, pizza, etc. Por outro lado, a cultura popular remete para diferentes manifestações que são populares e com origem em diferentes regiões. Está mais relacionada com a tradição e é transmitida de geração em geração. A cultura erudita, também conhecida como cultura de elite ou cultura superior, é aquela que é obtida através de estudos, investigação teórica e dados empíricos. Ao contrário da cultura popular, a cultura erudita é quase exclusiva para pessoas com capacidade financeira elevada. A ópera e obras de arte são alguns exemplos de manifestações da cultura erudita.

Como exemplos de manifestações de cultura popular temos o entruido ou carnaval, danças e festas folclóricas, literatura de cordel, provérbios, danças folclóricas, a samba e a capoeira brasileiras, a jota e moinheira galegas, o vira-vira português, o frevo, artesanato, cantigas de roda, contos e fábulas, lendas urbanas, superstições, brinquedos e brincadeiras, teatro de fantoches, as construções populares, o ciclo anual das festas populares, algumas festividades religiosas, etc. Em essência, quando falamos de cultura popular estamos a referir-nos à interação entre pessoas de uma mesma sociedade, e essa varia de acordo com as transformações ocorridas no meio social. Pode ter várias origens, já que uma comunidade pode ser composta por pessoas de vários territórios que compartilham a cultura de sua nação formando uma nova, e também abrange todas as classes sociais. Cultura Popular pode ser definida como qualquer manifestação cultural (dança, música, festas, literatura, folclore, arte, etc.) em que o povo produz e participa de forma ativa. Ao contrário da cultura de elite, a cultura popular surge das tradições e costumes e é transmitida de geração para geração, principalmente, de forma oral.

Tanto a cultura popular galega, como a portuguesa, ambas irmãs e muito similares, são das mais ricas do mundo, com infinidade de manifestações variadas em diferentes campos da cultura. Temos ademais, Galiza e Portugal, com prolongação ao Brasil, os mais importantes estudiosos, etnólogos e etnógrafos. Entre eles quero destacar os galegos Vicente Risco, Castelão, Bouça-Brei, Ben-Cho-Shey, Joaquim Lourenço, Taboada Chivite e António Fraguas. E, felizmente vivos, a Filipe-Senem Lópes Gomes, Begonha Bas e Clódio González Pérez. Entre os portugueses brilham com luz própria, com muito interessantes publicações, José Leite de Vasconcelos, Augusto César Pires de Lima, Ernesto Veiga de Oliveira, António Cabral e Jorge Dias. E o meu amigo António Lourenço Fontes, o famoso “Padre Fontes”, grande amigo da Galiza que mora em Vilar de Perdizes. Para mim é o maior investigador do mundo no tema dos jogos populares.

Acho de grande interesse, que, em vésperas da mais formosa e antiga festa popular que temos os galegos, que é a dos “Maios”, trabalhemos nas aulas dos diferentes níveis do ensino o tema da cultura popular, na procura de sensibilizar os estudantes sobre tão importante tema, muito esquecido nos últimos tempos. Para ilustrar os meus comentários escolhi o filme “O cavalo do orgulho”, realizado pelo galo Claude Chabrol em 1980, e cuja ação e espaço geográficos transcorrem na Bretanha francesa, com uma cultura muito similar à nossa, dentro da área conhecida como “mundo celta”, integrado pela Galiza e Norte de Portugal, Irlanda, Gales, Escócia e a Bretanha.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

Título original: Le Cheval d’orgueil (O Cavalo do orgulho).

Diretor: Claude Chabrol (França, 1980, 120 min., a cores).

Roteiro: Daniel Boulanger e Claude Chabrol, segundo o romance de Pierre-Jakez Hélias.

Produtoras: Bela Productions e TF1 Films Productions.

Fotografia: Jean Rabier. Música: Pierre Jansen.

Atores: Jacques Dufilho (Alain, o avô), Bernadette Le Saché (Anne-Marie, a mãe), François Cluzet (Pierre-Alain, o pai), Ronan Hubert (Pierre-Jacques, de 7 anos), Armel Hubert (Pierre-Jacques, de 11 anos), Paul Le Person (Gourgon, o factor), Pierre Le Rumeur (o narrador), Dominique Lavanant (Marie-Jeanne, a parteira ), Michel Blanc (Corentin Calvez), Michel Robin (o marquês), Bernard Dumaine ( o deputado Le Bail), Pierre-François Duméniaud (o primo Jean), Jacques Chailleux (Jeannot).

Argumento: “Le Cheval d’Orgueil” é um filme que amostra a devoção com que os nativos da Bretanha, no noroeste da França, cultivam pela sua tradição, o seu idioma e a sua história. Já velho, Pierre-Jacques debruça-se sobre a sua infância de camponês bretão do início do século. Ele relembra uma vida de certa pobreza económica, mas com dignidade, em que os cidadãos tinham como apoio o próprio orgulho. De serem da sua terra, com a sua língua e cultura próprias. O filme está baseado no romance de Pierre Jakez Hélias “Terre Humaine”. A vida rural na Bigouden, no sul da Bretanha, no início do século XX e até o final da Primeira Guerra Mundial. Os agricultores têm de sobreviver apenas respeito à pobreza em que estão imersos. Pierre-Alain conheceu Anne-Marie; é um lavrador e está particularmente preocupado com os cavalos. O casamento é um parêntese, três dias antes de voltar para a sua pobreza. Um filho vai nascer: Pierre-Jacques chama-o por “Petit Pierre”, que irá ser criado por seu avô Alain. Ele vai aprender que é o orgulho, que se vai quando não se tem nenhum cavalo.

 

 

O ORGULHO DE PERTENCER A UM POVO:

O filme de Claude Chabrol, cineasta francês famoso nascido em 1930, intitulado O cavalo do orgulho, foi lançado nos cinemas em setembro de 1980. O roteiro é de Daniel Baker e Claude Chabrol, e os principais atores são Michel Blanc, Jacques Dufilho, Bernadette Le Sache e François Cluzet. O filme foi rodado na Bretanha, perto de Quimper (no Finistère galo) e alguns bretões participaram da filmagem. É uma adaptação do romance homónimo de Pierre-Jakez Hélias, livro em grande parte autobiográfico publicado em 1975, em idioma bretão e depois traduzido para o francês. Pierre-Jakez Hélias nasceu em 1914 em Pouldreuzic (país de Bigouden ) e morreu em 1995. Ele era um escritor, jornalista e folclorista, nascido de uma família de trabalhadores. Professor de Estudos Clássicos na Escola Normal de Quimper (1946-1975), escreveu poemas, peças de teatro e romances, tanto em francês como em bretão. Muito ligado à cultura bretã, ele participou das primeiras transmissões da televisão em bretão (1971) e é o autor de um livro sobre os penteados e trajos da Bretanha francesa.

Esta fita descreve a vida difícil de uma família camponesa “bigouden” antes da Primeira Guerra Mundial. O livro em que está baseada teve um grande sucesso, e foi traduzido em dezoito línguas. Trata-se de um relato muito detalhado da vida rural na Bretanha e os códigos que a regem. O autor descreve, entre outros temas, o sentido e os usos da honra e da solidariedade dos labregos bretões, crenças, tradições, rituais, remédios populares e a memória coletiva dos camponeses cujas vidas diárias são marcadas pela difícil sobrevivência. O significado do título do livro pode ser iluminado por esta frase: “Eu sou pobre de mais para comprar outro cavalo, pelo menos tenho o orgulho do cavalo. Será sempre alguém no meu estábulo”. O autor do livro em que se baseia o roteiro do filme pretende fazer uma história de camponeses livres de preconceitos e mostrar as evoluções de um mundo camponês que segue em direção à modernidade (concentrando-se especialmente na difícil aprendizagem do idioma francês), que não abre mão de tradições. O livro conclui com uma transição crítica na emergência do movimento nacionalista bretão, que ele é portador de uma retirada prejudicial. O Cavalo de orgulho é, portanto, uma narrativa que combina história, sociologia, antropologia e até mesmo etnologia. A adaptação para o cinema, por sua vez, concentra-se principalmente na parte autobiográfico da história, isto é, sobre a história de Pedro, ao início do século XX até o final da Primeira Guerra Mundial. A pré-visualização do filme acontece em Quimper o 17 de setembro de 1980, e levantou nos participantes uma grande emoção mas também muitas críticas, por não ter usado o idioma da Bretanha, que chegou a ser o maior arrependimento de Chabrol diretor deste filme. No geral, o filme foi bastante mal recebido pela crítica. Em 2008-2009, esta fita foi dobrada para o idioma bretão, com o apoio da associação Dizale.

 

MANIFESTAÇÕES DE CULTURA POPULAR:

Sem pretender ser exaustivo, a seguir estabeleço uma classificação das diferentes manifestações de Cultura Popular que podem existir:

– Ciclo anual das Festas Populares: O Natal, o entruido ou carnaval, os Maios, as fogueiras do S. João, os Magustos, etc.

– Atividades lúdico-festivas: Jogos Populares ou Tradicionais: o marro, as escondidas, as quatro esquinas, o truque, a pita-cega, a carrinha, os carros romanos, a viola, a viola corrida, a tração à corda ou turra-soga, a corrida de cântaros, a corrida de sacos, a corda, o pano, a porca, a chave, a rã ou sapo, os bilros, os bolos, as andas, o pião ou trompo, a estornela ou bilharda, as berlindes, a macaca, etc.

– Artesanato: Olaria, tecidos e teares, trabalhos em coiro, madeira, ferro, ourivesaria, papel maché, flores secas, papel, cestaria, instrumentos musicais, construções com materiais da natureza, etc.

– Literatura Popular: Poesia popular, lendas, ditos, refrães, adivinhas, coplas, lengalengas, cantares ao desafio, contos, anedotas, teatro popular, teatro de fantoches, pegotas, etc.

– Folclore: Danças populares variadas, domínio instrumental, cantos populares, etc.

– Arte popular: Cantaria (elementos de pedra: cruzeiros, espigueiros, panteões, etc.), Carpintaria e marcenaria, Ferraria, Sapataria e Socaria, Latoaria, etc.

– Gastronomia: Cozinha típica, padaria, doçaria, licores artesanais, queijo típico, mel, etc.

– Festas típicas: do peixe, do pão, do polvo, do marisco, da empada, do pimento, da aguardente, do queijo, do cozido, do presunto, do porco, da navalha, do mel, da vendima, do vinho, da cachucha, etc.

– Festas religiosas: Na honra de santas e santos, da virgem, o Corpus, os Milagres, os Remédios, o Corpinho, a Barca, a Saleta, Sto. André de Teixido, o Livramento, a Pena, etc.

 

TEMAS PARA REFLETIR E ELABORAR:

Depois de ver o filme, utilizando a técnica de dinâmica de grupos do “cinema-fórum”, debater sobre os aspetos fílmicos do mesmo, o roteiro e a linguagem cinematográfica utilizada pelo diretor galo Claude Chabrol, importante representante da denominada “Nouvelle Vague” , os planos, os movimentos de câmara, os “travellings”, os “flashbacks”, o uso do tempo e do espaço e outros recursos fílmicos que aparecem nesta interessante obra cinematográfica. Também sobre as interpretações dos diferentes protagonistas, femininos e masculinos, as suas atitudes e a psicologia dos mesmos, as cenas mais conseguidas e o uso dos recursos fílmicos em cada momento.

Criar nos diferentes estabelecimentos de ensino, um Clube de Cultura Popular. O mesmo há de ter como objetivo fundamental a organização do ciclo anual das festas populares, dos magustos, o Natal, o entruido, os Maios e as fogueiras do S. João, em que participarão todos os estudantes e os seus docentes. O mesmo clube terá que organizar periodicamente encontros lúdicos de jogos populares ou tradicionais. E também se encarregará de que, por grupos, os estudantes façam recolhas etnográficas nas suas respetivas comarcas: jogos tradicionais próprios, literatura popular, cantares, danças, contos e lendas, artesanato, etc. Com estas recolhas, depois se pode publicar uma monografia e se pode desenhar um blog. Modelos de monografias há muitas, e, em especial, a de Terra de Melide, Santa Marta de Moreiras da autoria de Ben-Cho-Shey, Terras do Deça, Paróquia de Velhe e, em Portugal, existem muitas monografias etnográficas da maioria de povos, vilas e regiões. Destacando as publicadas pela editora Presença de Lisboa. Seria também muito interessante que algum grupo de alunos realizasse um estudo sobre as obras de Castelão As cruzes de pedra na Galiza e As cruzes de pedra na Bretanha, fazendo um estudo comparativo de ambas.

Organizar nos estabelecimentos de ensino festivais de canções populares. Para isto, os estudantes terão de aprender a letra e a música das cantigas populares mais famosas e, em primeiro lugar, as próprias da região. Quase que todas as regiões têm as suas próprias canções. Os estudantes, individualmente e em grupos e corais, terão que ensaiar as canções, para depois cantá-las perante o público o dia que tem lugar o festival (normalmente antes das férias do Natal e/ou do verão, e também com motivo da Semana das Letras).

 

 


 

(*) Didata e pedagogo tagoreano

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