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Respeitar os direitos das crianças, com o filme ‘Salaam Bombay!’

Fotograma do filme 'Salaam Bombay!'
Fotograma do filme ‘Salaam Bombay!’

Em 20 de Novembro de 1989, as Nações Unidas adotaram por unanimidade a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), documento que enuncia um amplo conjunto de direitos fundamentais, os direitos civis e políticos, e também os direitos económicos, sociais e culturais, de todas as crianças, bem como as respetivas disposições para que sejam aplicados. A CDC não é apenas uma declaração de princípios gerais; quando ratificada, representa um vínculo jurídico para os Estados que a ela aderem, os quais devem adequar as normas de Direito interno às da Convenção, para a promoção e proteção eficaz dos direitos e Liberdades nela consagrados. As crianças têm, no entanto, os seus direitos, infelizmente no dia-a-dia conculcados em numerosos lugares da Terra. Este tratado internacional é um importante instrumento legal devido ao seu caráter universal e também pelo facto de ter sido ratificado pela quase totalidade dos Estados do mundo (192). Apenas dous países, os Estados Unidos da América e a Somália, ainda não ratificaram a Convenção sobre os Direitos da Criança. Portugal ratificou a Convenção em 21 de Setembro de 1990. E Espanha em 26 de janeiro do mesmo ano. Em 1988, o Brasil saiu na frente de todo o mundo! Antes mesmo de a Convenção sobre os Direitos da Criança ser aprovada pela ONU em 1989 e virar uma lei internacional, o Brasil colocou o seu conteúdo no artigo 227 da Constituição, que diz assim: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

A Convenção assenta em quatro pilares fundamentais que estão relacionados com todos os outros direitos das crianças:

  • A não discriminação, que significa que todas as crianças têm o direito de desenvolver todo o seu potencial. Todas as crianças, em todas as circunstâncias, em qualquer momento, em qualquer parte do mundo.
  • O interesse superior da criança deve ser uma consideração prioritária em todas as ações e decisões que lhe digam respeito.
  • A sobrevivência e desenvolvimento sublinha a importância vital da garantia de acesso a serviços básicos e à igualdade de oportunidades para que as crianças possam desenvolver-se plenamente.
  • A opinião da criança que significa que a voz das crianças deve ser ouvida e tida em conta em todos os assuntos que se relacionem com os seus direitos.

A Convenção contém 54 artigos, que podem ser divididos em quatro categorias de direitos:

  • Os direitos à sobrevivência (ex. o direito a cuidados adequados).
  • Os direitos relativos ao desenvolvimento (ex. o direito à educação).
  • Os direitos relativos à proteção (ex. o direito a ser protegida contra a exploração).
  • Os direitos de participação (ex. o direito de exprimir a sua própria opinião).

Para melhor realizar os objetivos da CDC, a Assembleia Geral da ONU adotou em 25 de maio de 2000 dous Protocolos Facultativos:

  1. Relativo à venda de crianças, prostituição e pornografia infantis.
  2. Relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados.

No seu momento, o grande educador italiano Francesco Tonucci, com a colaboração de vários dos seus companheiros, realizou uma síntese e resumo das Declaração Universal dos Direitos das Crianças, em 42 artigos.

Para comemorar esta importante data e celebrar com atividades educativo-didáticas nos estabelecimentos de ensino dos diferentes níveis, em dous sucessivos depoimentos, o presente e o próximo, escolhi dous interessantes filmes em que podemos ver como em dois locais da Ásia não se respeitam os direitos das crianças, que sofrem todo o tipo de marginações e discriminações. O primeiro filme foi realizado em 1988 pela destacada diretora indiana Mira Nair, sob o título de “Salaam Bombay!”. O segundo, ao que dedicarei o próximo depoimento, foi realizado dez anos mais tarde, em 1998, pela iraniana Samira Majmalbaf, sob o título de “A Maçã”.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

CRIANÇAS MARGINADAS NA ÍNDIA:

Estamos efetivamente em Bombaim (hoje de nome oficial Mumbai), a cidade menos indiana de todas, e possivelmente a mais perniciosa. Mira Nair, a diretora do filme, indiana de nascimento, ex-atriz de teatro e documentarista, muito discutida no seu país, surpreende-nos com a sua primeira longa-metragem de ficção. E, para isto, o seu olho cinematográfico passeia pelas ruas e os lugares mais insólitos do submundo de Bombaim da mão de uma criança. O rapaz tem por nome Krishna e chegou à grande cidade, alugado por um circo ambulante, com o sonho de voltar a casa e entregar à sua mãe 500 rúpias, que lhe pôs como condição para o seu regresso.

Fotograma do filme
Fotograma do filme

A câmara introduz-nos nos passeios pelas ruas sem rumo do rapaz, um dos muitos que “moram” nas ruas de Bombaim, e aos quais está dedicado este filme. O remoinho da povoada cidade, com os seus secretos mundos da prostituição, da droga, os estabelecimentos penitenciários e de “reeducação”, a soidade, a tristeza, o anonimato, a pobreza, a fame, transcorrem perante a nossa olhada de mudos espetadores. A diretora é impressionada pelo olhar-testemunho de Shafiq Syed, o seu protagonista, que na sua vida real fugira da sua família, que morava no sul da Índia, e depois de viajar clandestinamente a Bombaim trabalha como trapeiro na ponte da Grant Road. A menina Manju só tem oito anos e vive numa beira da rua da cidade, onde trabalha com os seus pais, engraxadores e vendedores de roupa. Tão-pouco são profissionais as 17 crianças do elenco que moram nas gares e ruas da grande cidade.

Krishna ao chegar à cidade muda de nome pelo de “Chaipau”, que significa “o que leva o chá e o pão”. As suas idas e vindas com os copos de chá permitem-nos entrar no prostíbulo de “Baba” e assistir aos seus manejos como “chulo” de bairro, que vão da venda de droga ao comércio com “prostitutas virgens”; encontrar-nos com Chillum, um impetuoso veterano da rua aos seus 25 anos, possesso pelo tráfico de drogas; conhecer a bela Rekha, uma das vítimas de “Baba”, e introduzir-nos na soidade metafísica de Manju, a menina de oito anos que sempre está procurando no meio do bordel com quem brincar.

Mira Nair partiu, como boa documentarista que é, da realidade. Reuniu, ajudada pelo roteirista Suni Taraporevala, 130 crianças das ruas de Bombaim para que contaram as suas histórias de vida reais. Entre elas escolheu 19 para que representassem os papéis de crianças de rua do filme, e acrescentou o elenco com três atores profissionais. O resultado é um belo filme-denúncia com momentos arrepiantes, de uma grande força específica na sua acumulação de dados e com um indiscutível valor documental. A estrutura interna do filme vem conduzida pela ternura da olhada do rapaz, que com uma sabedoria implícita e prematuramente adulta nos distancia da realidade e a julga, permitindo-nos assim sair do morbo e da curiosidade, indubitável incentivo comercial do filme, para tocar fibras do sem senso e perguntas radicais. Mas, o que é verdade avassaladora na rua, quando Mira Nair “realiza” como documentarista, transforma-se em algo artificioso quando a câmara se introduz em interiores e aparecem os atores profissionais. E acha-se em falta a espécie de “neorrealismo” que dava a todo o filme o sabor quotidiano de uma grande reportagem. No lugar do plano-sequência, neste filme há mais condução devida à montagem posterior das imagens. A arte da credibilidade da ficção exige um maior domínio criativo e, para a realizadora, este é seu primeiro trabalho, com pouca formação fílmica ainda. De todas as maneiras, Mira Nair consegue realizar um grande filme, provido de uma porosa sensibilidade e uma ternura pouco comum para apresentar os débeis e marginados, quase sem concessões ao morbo e uma grande eficácia denunciante. O que, possivelmente, o faz um pouco demasiado “mensagístico” e com excesso acumulativo de argumentos, que, paradoxalmente, lhe restam certo vigor convincente. Embora isto que comentamos, não impedisse que o filme conseguisse com mérito a “Câmara de Ouro” no Festival de Cannes de 1988, e ser nomeado para o Óscar a melhor filme estrangeiro. Prémio que se merecem a partes iguais a câmara-olho da realizadora, e a liberdade e sensibilidade interpretativa de Shafiq Syed, um rosto e um olhar algo mais que inolvidáveis.

No filme de Mira Nair, podemos comprovar como se conculcam muitos dos direitos das crianças. Em especial, os relativos a que ninguém pode descuidar, abandonar, maltratar ou explorar as crianças, nem atuar com violência sobre elas. Também que as crianças não podem ser obrigadas a fazer trabalhos perigosos ou que lhes impeçam crescer bem ou estudar, e serem protegidas contra o uso de drogas, não padecer abusos sexuais nem ser exploradas sexualmente. Infelizmente, no filme vemos ademais como não se respeitam outros importantes direitos das crianças, recolhidos na Declaração universal.

TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR:

Utilizando a técnica do Cinema-fórum, podemos analisar o filme de Mira Nair, do ponto de vista formal (linguagem fílmica, planos, movimentos de câmara, etc.) e de fundo (mensagem que tenta transmitir e atitudes que manifestam as diferentes personagens do mesmo). Podemos fazer também um estudo comparativo das imagens e cenas de exteriores, com atores amadores e crianças, e as de interiores com atores profissionais.

Elaborar uma monografia, consultando a internet, livros e revistas, sobre a Declaração Universal dos Direitos das Crianças. Podemos basear-nos na resumida por Francesco Tonucci e os seus companheiros para a Fundação italiana Basso. Seria interessante ilustrar cada artigo da Declaração com fotos, desenhos, poemas, frases, lemas e aforismos, inventados pelos estudantes. Com o material recolhido e elaborado, estaria muito bem organizar nos estabelecimentos de ensino amostras e exposições, contando com a colaboração dos estudantes e dos ensinantes. Nomeadamente os das áreas artísticas e os de sociais.

Seguindo a técnica de Freinet da biblioteca do trabalho, por grupos e equipas, os estudantes podiam elaborar e redigir pequenas monografias. Temas possíveis seriam: os direitos das crianças, as meninas da Índia, as meninas na cultura muçulmana, os países que menos respeitam os direitos das crianças, por que é que os EUA e a Somália não assinaram a Declaração? crianças sem escola, exploração das crianças, países que mais respeitam as crianças, crianças abandonadas, crianças de países em conflito, crianças no meio das guerras, etc.

 

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