Quando a ordem altera o produto

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exclusão - segregação - integração - inclusãoDurante os últimos 25 ou 30 anos assistimos a uma impossível operação de adição mediante a qual – sob ideia demorante de “consenso” – se chamava uma e outra vez a “necessidade” do reintegracionismo vir somar forças com o isolacionismo.

Todas as vezes quando se enunciava a operação as condições eram as lógicas da matemática política: o reintegracionismo minoritário devia renunciar a uma série de máximos para o isolacionismo maioritário ceder uns mínimos.

Mas era operação impossível. Pois sendo a posição dominante a dos defensores de um status independente para o galego (“ser diferente é ser existente”), era difícil inserir nele como parte integrante os defensores do reintegracionismo (com essa teima de ser o galego um português).

E, nessas condições, seria maravilha tal cousa ter acontecido com proveito para ambas as partes e o normal adianto coletivo.

Tudo o mais, podia se entender este “concordar” como um pontual pragmático, safando problemas e conflitos, num discurso dissimulado (em presente) de horizontes em longo prazo em que a mutação por contato discreto operasse em progressiva “melhoria do galego”.

E para o imediato, por quanto que o isolacionismo equivalia a institucionalismo (e, portanto com e para aval do Estado) e contava com recursos públicos e mais facilidades para propaganda, apoio social e político num abano amplo, muita gente a título individual ou grupal, achou pertinente proceder à adição.

Fruto destas também matemáticas simples, temos a reforminha de 2003 e a incorporação de destacados reintegracionistas a trabalharem – com mais “facilidades” como exemplificam os grandes trabalhos efetuados desde aquela – no campo “institucional” nos anos 90 e 2000.

Porém e como fora advertido por outras destacadas vozes (em diverso graus vilipendiadas de loucas, fanáticas e fascistas e acossadas institucional e socialmente) todas essas custosas políticas, negociações, debates e cadências não tiveram qualquer um efeito nem na ampliação social do galego, nem na efetivação da aprendizagem e modelo no campo educativo, nem na melhora da qualidade de língua empregue, nem mesmo na estabilização de um mercado laboral e comércio (compreendido nele o literário) em galego.

Para além a contaminação reintegracionista do isolacionismo, constante, mas não programada, acontece com excessivo vagar, entre feira e féria, tendo em conta que a erosão espanholizadora no galego é muito rápida.

Porém, se alguma cousa está a demonstrar Internet é que o galego é português. Nos dez últimos anos, temos assistido a um continuado adir, através da web, seguido de agir com os recursos da net, constante no campo reintegracionista (especialmente associativismo, polémico-divulgativo e editorial). Uma “ampliação de capital” especialmente interessante nos setores considerados como “radicais” pela sua aposta direta pelo português como padrão e nomeadamente desde o envolvimento desses setores na implementação do Acordo Ortográfico e nos espaços Acadêmicos lusófonos internacionais não espanhóis.

Nos últimos tempos também pode se enxergar uma mudança discursiva mínima e de fotos por parte de representantes do institucionalismo, falando no aproveitamento do galego na Lusofonia, mas sem variar nada nem prática nem programa, na perspectiva talvez de fagocitar a potente mensagem do reintegracionismo; uma sucessão de proclamas, descobertas e aproximações a discursos reintegracionistas vindos da elite galeguista mas sem relacionamento com o associativismo, progressão e debates acontecidos no reintegracionismo nos últimos 20 anos e ainda ultimamente uma mudança de posições de figuras públicas e escritores com um incremento de reintegracionistas ativos.

Nestes parámetros e no cenário de aprovação parlamentar com rango de lei e possível desenvolvimento da lei PAZ-ANDRADE, como parte de uma estratégia digamos “comercial” internacional, coincidindo com uma constante de perca institucional de espaços e recursos econômicos para a língua e a literatura em galego, começam a acontecer mudanças há pouco impensáveis.

Poderia dizer-se que na Galiza a revolução da “nova política” está acontecendo, mas no campo da língua. Por isso semelha uma questão de tempo que seja um reintegracionismo crescendo desde a base da sociedade civil quem termine por ser dominante e projetado internacionalmente, quando menos como discurso hegemônico e objetivo coletivo (seja a prática individual e de grupos concretos a que seja) e quem termine por incluir o isolacionismo como minoria ativa da Galiza na maioria lusófona.

Pois, o Reintegracionismo, desde uma situação de discurso hegemônico na Galiza pode e poderá sempre entender e incorporar setores e ativistas promotores do isolacionismo em diversos graus e mesmo dos virados na defensa folclórica, tradicionalista, dialetalista, e ainda valedores do castelhanismo enxebre ou à moda. Aproveitando os trabalhos já feitos, as linhas de atuação e o espaço das instituições, todos participando como grupos úteis ao conjunto e, na mesma perspectiva, com trabalhos, no debate, aquilatamento, tradição, desenvolvimento estilístico, aprimoramento de escolhas, léxico e sabor da Língua comum característica da Galiza.

Ainda sabendo qual é ainda a realidade de esmagadora cegueira e tesoira anti-reintegracionista e sabendo quanto calhou na gente o discurso nacional popularizante da intelligentzia proclamada de galeguista: a única incógnita, para mim, é apenas saber se a curva natural de crescimento e abalo ao reintegracionismo na elite cultural vai ser mais rápida, igual ou menor que a curva de castelhanização programada da Sociedade.

 

Artigo publicado originalmente no blogue A Viagem dos Argonautas, na série ‘A Galiza como Tarefa’.

Máis de Ernesto V. Souza