Política de código aberto

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Nos últimos anos, uma boa parte dos atores políticos estão deixando em segundo plano os elementos ideológicos tradicionais que organizam o eixo esquerda-direita, para focar-se em questões puramente estratégicas e metodológicas. Assim, desde o ponto de vista metodológico, as organizações políticas dividem-se agora entre aquelas, mais tradicionais, que defendem a democracia representativa frente a novas formações que, baixo o lema de ”eles não nos representam”, apostam pola democracia participativa e buscam, portanto, construir mecanismos que permitam abrir à sociedade civil a toma de decisões políticas.

Por trás da democracia participativa, encontra-se o conceito de “empoderamento”, que designa o processo de carácter social de grupos autodirigidos que buscam substituir a estrutura piramidal tradicional por uma estrutura mais horizontal onde a participação de todos os indivíduos dentro dum sistema forme parte ativa do controlo do mesmo. Este conceito encontra as suas raízes na pedagogia crítica do brasileiro Paulo Freire, onde o indivíduo/aprendiz deve construir o conhecimento como um ato político para deixar de ser um ente passivo e tornar-se assim num ser social ativo e com ampla capacidade crítica na toma de decisões.

Do mesmo jeito que o código aberto está na base da liberdade de criação e de uso de software em Internet, as listas abertas, as contas e orçamentos abertos e, sobretudo, os programas abertos (tanto na criação como no seguimento) são algumas das ferramentas que as novas forças políticas tentam utilizar para levar a cabo o empoderamento da sociedade civil e, assim, poder atingir a democracia participativa. Alguns setores políticos e mediáticos acham que é uma moda conjuntural, mas outros acreditam que se trata de uma tendência que se vai consolidar de jeito transversal a todos os atores políticos. Neste sentido, é preciso lembrar que mesmo a candidatura do atual Reitor da Universidade de Santiago, Juan Viaño, utilizou a técnica do programa aberto para definir as suas prioridades de ação no futuro governo. Se o código aberto nas Novas Tecnologías deu lugar ao software livre frente ao privativo, os programas abertos nas Novas Políticas deveriam ajudar a construir uma democracia livre, horizontal e direta.

A abertura dos programas faz com que as webs dos partidos com estratégias horizontais tenham que incluir secções dinâmicas de participação, tais como foros, praças e ágoras de debate onde se discutem e definem as linhas programáticas. Todos sabemos que uma das maiores dificuldades para organizar a massiva afluência de opiniões diversas nos foros de debate abertos é a presença dos omnipresentes trolls. Mas neste contexto de participação aberta, não são os trolls maldosos os mais perigosos (como não são os vírus os principais perigos do código aberto), senão os que eu chamo trolls bem intencionados, é dizer, aqueles que, por ignorância, deturpam uma conversa e, sem querê-lo, aniquilam-a. Encontrei uma amostra interessante de trolls bem intencionados num dos debates abertos na praça pública da web de Podemos. O tema de discussão centrava-se numa questão mui concreta: os projetos de I+D subvencionados por organismos públicos devem dar lugar a recursos e ferramentas com licenças livres? Pois bem, no meio do debate, apareceram numerosos comentários sobre tópicos que, embora algo relacionados com o tema principal, impediam focar o debate num objectivo concreto. Deste jeito, os trolls bem intencionados dispersavam sem dar-se conta o debate introduzindo novos temas como, por exemplo, o dinheiro público que as administrações gastam em software privativo. Por trás dos trolls bem intencionados está o que pode levar a democracia participativa ao colapso e a parálise: o excesso de opinadores que não sabem organizar as suas ideias ou que, simplesmente, ignoram a substância dos temas que debatem.

Uma tentativa de solução ao colapso da democracia participativa por excesso de trolls bem intencionados é o que se vem chamando democracia líquida. Na democracia líquida, como na democracia direta e participativa, cada cidadão tem a possibilidade de realizar propostas e de votar cada decisão (não só cada quatro anos). A diferença é que, na democracia líquida, é possível ceder ou delegar o voto a um representante para aquelas decisões nas que se prefira não participar. Os representantes com mais votos delegados em cada tema concreto serão os que mais peso tenham na votação ou toma de decisão final. Não é difícil encontrar analogias fortes entre esta metodologia política e os sistemas de promoção de notícias do tipo digg/menéame/chuza, ou o processo de elaboração de enciclopédias livres como a Wikipédia. Já existe software livre para que os partidos e as instituições podam levar a cabo a democracia líquida mediante plataformas abertas de delegação de voto. Tenho duas certezas: se a democracia participativa (e direta) finalmente se impõe, esta vai derivar cara a democracia líquida. A segunda é que não se chamará “líquida”. Vai mudar de nome, com certeza.

Se atualmente nos encontramos num cenário onde muitos partidos abrem os seus programas à toda a gente, como o software livre abre o seu código ao resto de programadores, então é o momento apropriado para que o reintegracionismo participe na elaboração e criação das linhas programáticas desses partidos. É o momento de participar e galeguizar desde o reintegracionismo as assembleias e círculos locais. É o momento, portanto, de trazer à tona todos esses temas que consideramos fulcrais para o desenvolvimento do país: a imersão total em galego na educação primária (polo menos nas áreas urbanas), a elaboração da Lei Paz Andrade para espalhar o estudo do Português em primária e secundária, a aceitação da norma padrão portuguesa nas administrações galegas, …

Temos que aprender a programar utilizando o código doutros programadores. Aprender a organizar, divulgar e reconstruir as nossas ideias nos novos âmbitos de discussão. Um novo desafio para uma nova política de código aberto.