Palhas

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Num dos seus deliciosos artigos Moncho Vilar lembrava um encontro de estudantes com Manuel María na Facultade de Filologia da USC[1]. Rematada a conferência, o poeta da Terra Chá preocupou-se de perguntar aos rapazes, um por um, de onde eram. Para a surpresa de Moncho, Manuel María non só sabia perfeitamente onde era que estava o concelho de Cerzeda, senom que também conhecia a paróquia de Rodis, encomendando ao estudante dar uns agarimosos saudos a Manolo da Tablilha. Conheciam-se de quando Manolo levara por Europa, anos antes, um autocarro cheio de escritores da fronte cultural da AN-PG por Europa adiante. Devia ser, claro está, um autocarro dos míticos e indestrutíveis Autos Pallas.

É este de Palhas o sétimo apelido mais frequente do concelho de Cerzeda, e polo tanto um dos mais emblemáticos. Se é de origem toponímica ou vem dum lugar hoje desaparecido ou de fora da comarca, pois nom aparece atualmente nengum lugar ou terreno chamado Palhas em todo o território, ainda que a palha (do latim palea) gerou muitíssimos topónimos, sobretudo no Sul de Portugal: Palhais, Palheirinhos, Palheiros, Palhota, Palhaça,… Havendo também no estado brasileiro do Espírito Santo a cidade de São Gabriel da Palha. Também o estuário que forma o Tejo à altura de Lisboa se chama Mar da Palha, e na mesma cidade a Rua da Palha foi incorporada à mitologia nacional galega, pois nela é que se exiliárom os revolucionários galegos do 1846 que nom morreram em Carral, como o misterioso docente da igreja de Ordes, Romero Ortiz.

Joseph M. Piel dedicou um artigo a estes topónimos, mas nom dá conta da aldeia de Porpalha, em Vila Maior. Virá de umha hipotética vila ou lugar *per palea ‘junto à palha’? Seja como for, a presença de Palha (s) na onomástica pessoal é constante. Para a Idade Media, Filgueira Valverde andava à procura de dados sobre um tal Pallea, domini Imperatoris jululator que cantava na corte de Afonso VII poesia jograresca, topando no caminho um coengo chamado Fernando Palha, testemunha em documentos da catedral de Lugo no século XII[2]. A Pedro Pallas, de Cerzeda, roubou-lhe na casa a gavela de Messia em 1819[3]. Já em tempos contemporâneos, María Caamaño Pallas foi a primeira assassinada pola Guarda Civil naquele bestial 9 de fevereiro de 1919 em que as mulheres de Sofám deram umha liçom de dignidade. Tinha 44 anos, sete filhos, e outros em caminho. A “benemérita” desparou-lhe e feriu-na no ventre com umha baioneta. Matariam três mulheres mais. A resposta solidária chegou de toda a Galiza e, contra todas as pressons, o enterro converteu-se num grande ato de afirmaçom galeguista e agrarista. Juan Pallas, ‘Xan de Mata’, cede o espaço onde falárom os oradores, o que também lhe acarretou umha forte repressom económica[4]. Pallas também foi um dos Panxoleiros de Santaia que recuperou a tradiçom dos cantos de Reis e panxolinhas de Natal.

Na frase com que os moços pediam às moças compartirem leito: “poremos a palha no meio”, Murguia cria ver umha supervivência sueva da espada colocada entre  homem e mulher como testemunha de castidade (“- Porei a espada no meio / para que serva de testigo”, no romance de Gerinaldo)[5]. Quiçá haja aí umha via de compreensom à semântica erótica de palea.

Notas:

[1] Ramón Vilar Landeira, “Manuel María no radio casete”, La Voz de Galicia, ediçom de Bergantinhos, 15 de maio de 2016.

[2] Xosé Filgueira Valverde, Estudios sobre lírica medieval. Traballos dispersos (1925-1987), Vigo, Galaxia, 1992, pp. 45-46.

[3] López Morán, 1995, p. 101. Arquivo do Reino da Galiza, Causas, 158/2.

[4] Xan Fraga Rodríguez, “As Mártires de Sofán”, em: VVAA, Rebeldía galega contra a inxustiza, Compostela, Sermos Galiza. Monografía nº 1, 2018, pp. 45-54.

[5] Fermín Bouza-Brey, “Supervivencias antroponómicas, toponomásticas, antropológicas, jurídicas y folclóricas de la Galicia sueva”, Etnografía y folklore de Galicia (2), Vigo, Xerais, 1982, pp. 13-22, p. 19.

 

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