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Xavier Frias: «Os que acham estar a fazer um bom à sua fala por a considerarem um idioma independente, enganam-se»

Valentim R. Fagim (*) – Xavier Frias Conde é um dos autores de Quem fala a minha língua?, o livro que reúne vários contextos sócio-linguísticos onde esta pergunta não recolhe uma resposta unívoca. Com Nos limites nordestinos do galego-português europeu: o eonaviego, o autor debruça-se sobre um terreno que conhece bem, a criação de uma língua galego-asturiana. Neste caso, a complexidade identitária é especialmente intensa.

Como surgiu a identidade eo-naviega? Que consenso social tem?

Podemos afirmar que já desde finais do século XIX houve qualquer interesse pela língua falada na área mais ocidental do Principado, quando surgem os primeiros textos escritos na variedade local com, digamos, ortografia de autor. Porém, quando começa a existir uma consciência de que o que se fala no Eo-Návia não é asturiano e que, portanto, requer outro tratamento é a partir de 1985 com a criação do chamado Grupo de Eilão e posteriormente a Mesa para a Defensa do Galego das Astúrias (MDGA), a partir de 1990 e que perdurará até o início da década passada. Porém, uma identidade clara eonaviega é algo que pessoalmente duvido que exista, pelo menos entre a maioria da população da zona.

Como surgiu no espaço político asturiano a vontade de criar uma língua galego-asturiana, quem nem era galega nem era asturiana?

Foi, é e será uma questão política. O galego-asturiano era uma solução política para não reconhecer o galego como língua própria de uma parte das Astúrias. Para boa parte do nacionalismo asturiano, mas também do espanhol das Astúrias, havia um inimigo comum: a língua galega. Para eles era incompatível que um cidadão asturiano se expressasse em galego (era, é e será). Mas, por outra parte, tornava-se evidente que a fala daquela zona não era asturiana. Alguns filólogos não podiam deixar de reconhecer que era galego-português, mas a filologia passada pela peneira da política dá bons resultados e assim surgiu a possibilidade de criar uma língua por decreto, o galego-asturiano. Os resultados são tão ótimos que o governo aragonês fez a mesma coisa com o catalão de Aragão ao criar o Lapao, embora a sua ignorância em matéria linguística (como a dos asturianos) lhe impeça saber que o lapao é um falar da China e que realmente existe.

A meu ver, um dos melhores momentos do Documentário Fronteiras, de Rubén Pardiñas, é quando um membro da Academia da Língua Asturiana acha injustificadas as críticas à criação do eonaviego quando vindo de autoridades galegas. Afinal elas criaram o galego separado do português.

É um desses argumentos falsos que gostam de repetir para se convencerem eles próprios das bondades da sua própria irrealidade. Pretendem simplesmente justificar que o galego eonaviego seja considerado uma outra língua. Mas aqui o grande paradoxo é que o mirandês sim seja considerado asturiano pelos mesmos indivíduos. A realidade é que o mirandês e o asturiano fazem parte do diassistema asturo-leonês, mas a língua asturiana não é a língua falada em Miranda do Douro, por muito que o repitam. Porém, a generosidade na consideração de língua que têm para o asturiano incluindo o mirandês é negada para o galego. Coerência filológica? Nenhuma, só preconceitos políticos. Sempre disse que se pode ser asturiano de língua galega.

 

Como é, do ponto de vista formal, a variedade eonaviega?

Negar que o eonaviego tem muitos elementos comuns com o asturiano é negar uma evidência. Há uma série de fenómenos cujas isoglossas saltam. Porém, não há hipótese de considerar o eonaviego uma língua independente, até mesmo parte do diassistema asturo-leonês. Aliás, o asturiano ocidental também partilha muitos elementos comuns com o sistema galego-português, é normal. Contudo, um elemento interessante do eonaviego são os seus arcaísmos, tem muitos, embora disso não se fale. A essência do eonaviego, analisada filologicamente, é claramente galego-portuguesa. O resto é uma reinterpretação pseudo-filológica ao serviço de visões políticas.

Como é o seu padrão isolacionista?

Existe uma proposta de subpadrão do eonaviego baseada na norma do ILG, que hoje caiu praticamente em desuso. A norma “semi-oficial” é, como não podia ser doutra maneira, uma adaptação do padrão asturiano ao eonaviego, com preeminência de apóstrofos. Porém, se a norma asturiana é uma adaptação da norma espanhola com apóstrofos, a normativa eonaviega da Academia asturiana é uma adaptação da adaptação da norma espanhola, onde se escolhem as formas mais afastadas do galego-português comum para lhe dar um ar diferencial à língua galego-asturiana. Do ponto de vista técnico da estandardização, este padrão, como acontece com o asturiano, é muito deficiente.

Que pode achar de interessante um cidadão/cidadão galego/aa de este processo?

Eu lamento ser tão pessimista, mas o que vai encontrar é como está a calhar o fim de uma língua milenária para além das fronteiras portuguesas. Seja por uns motivos, seja por outros, o galego está a perder irremediavelmente falantes, na Galiza e fora dela. O invento isolacionista do eonaviego não vai salvar a língua da sua extinção, criar uma língua de uma fala é seguir o princípio do “dividi et vinces”. Aqueles que honestamente acham que estão a fazer um bom à sua fala por a considerarem um idioma independente, sinceramente, enganam-se.


(*) Valentim R. Fagim é um dos coordenadores de Quem fala a minha língua?, à venda na Imperdível

 

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