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TELO DE MASCARENHAS, TRADUTOR DE TAGORE PARA A NOSSA LÍNGUA

Sob o número 83 da série que estou a dedicar a grandes vultos da humanidade, que os escolares dos diferentes níveis devem conhecer, e que iniciei com Sócrates, desta vez escolhi para a minissérie de amigos, admiradores e tradutores de Tagore, a figura dum goês que se formou em Portugal, chamado Telo de Mascarenhas (1899-1979). Quem, por saber bastante bengali (idioma denominado “Bangla”), realizou formosas traduções dos originais de vários livros tagoreanos para o nosso idioma internacional. Ademais foi escritor, poeta, jornalista, historiador, jurista e político. Como membro do partido gandhiano do Congresso defendeu a incorporação de Goa à União Indiana, sem deixar de apreciar a língua e cultura portuguesa, que sempre amou.

IMPORTANTE TAGOREANO DA LUSOFONIA:

telo-de-mascarenhas-foto-2Ademais de tagoreanos Goeses notáveis, como Adeodato Barreto, Propércia Correia e Froilano de Melo, considero, por muitos motivos, Telo de Mascarenhas, nascido em Mormugão-Goa, como um dos tagoreanos lusófonos mais importantes do mundo, comparável a qualquer outro tagoreano doutras nacionalidades e idiomas mundiais. Especialmente porque, como dominava o idioma bengali (Bangla), levou a cabo formosas traduções para o português de obras tagoreanas: A Casa e o Mundo (Ghore Baire), O Naufrágio (Noukadubi), As quatro vozes (Choturongo) e uma antologia de contos sob o título genérico de A chave do enigma e outros contos. Em 1943 editou no Porto um interessante estudo intitulado Rabindranath Tagore e a sua mensagem espiritual. No mesmo ano publicou a tradução para português do livro de Gandhi História da minha vida. Foi um grande admirador e estudioso da cultura indiana, o qual o levou a publicar monografias sobre a mulher hindu, Goa e a sua terra, o Ramayana e várias antologias de contos indianos. Em 1920 partiu para Portugal onde, na universidade de Coimbra, se formou em Direito. Por algum tempo exerceu de notário e, juntamente com Adeodato Barreto e José Paulo Teles, criou em Coimbra o jornal Índia Nova e na sua universidade o Instituto Indiano, para o qual receberam o apoio do próprio Tagore. Em jornais goeses, como O Heraldo e no Ressurge Goa!, criado por ele mesmo, escreveu em várias ocasiões sobre a figura de Robindronath, dedicando-lhe algum que outro poema e traduzindo outros do poeta bengali para português. Em 1984 o governo da Índia dedicou-lhe uma monografia da série “Builders of Modern India” escrita por Shashikar Kelekar e editada pelas Publications Division-Ministry of Information and Broadcasting-Government of India, que mostra o reconhecimento da República Indiana para com o escritor, jornalista, poeta, tradutor e grande tagoreano Mascarenhas. Pelo seu amor a Goa, à Índia e sua cultura, à obra e pensamento de Tagore e o apoio que teve sempre para a causa indiana do território goês, contra a colonização portuguesa, empenhamento que o levou ao cárcere de Lisboa onde esteve preso vários meses. No entanto, convém assinalar que amou e defendeu sempre de forma profunda a língua portuguesa. Basta ler muitos dos seus poemas e romances e os seus artigos nos diferentes jornais de Goa. A dada altura, e no nome da Comissão Organizadora do Instituto Indiano da Universidade de Coimbra, escreveu a Tagore para conseguir para esta instituição o seu apoio e o envio de livros tagoreanos. No jornal Índia Nova de 7 de maio de 1928 publica-se em tradução portuguesa a carta de resposta de Robindronath, na qual o vate Bengali se alegra da criação do Instituto e anima os seus dinamizadores, dando também conta do envio de vários dos seus livros para a biblioteca do mesmo.

PEQUENA BIOGRAFIA:

Nasceu na vila de Velsão, do distrito de Mormugão, cidade portuária de Goa a 23 de março de 1899. Era filho único de João Menino Arnaldo Mascarenhas, proprietário de terras, e de Maria Leocadia Carolina Barreto. O pai faleceu quando tinha apenas dous anos de idade, em 1891, sendo que seus dous tios paternos exerceram grande influência sobre si. Nas suas Memórias (1976), igual que na biografia escrita por Shashikar Kelekar em 1984, as figuras de Basílio e Bernard Mascarenhas têm muita importância na vida de Telo. Que admirava de forma destacada o seu tio Basílio, embora fosse Bernard quem orientou os seus estudos, desde a sua inscrição no Liceu de Pangim, em que se respirava um ambiente de promessas de liberdade da República em Portugal, onde aos goeses era permitido um grau de liberdade que não tinham sentido antes de 1910, e que não sentiriam depois da ditadura militar de 1926. Neste ambiente organizou Telo com os seus colegas do Liceu uma revista literária chamada Revista Académica, e contribuiu com publicações de depoimentos nos jornais O Heraldo e A Província, dous dos principais jornais que circulavam em Goa na altura. Com isto, comprovamos que o seu envolvimento com o mundo literário foi precoce, e depois de terminar no Liceu os seus estudos secundários, os tios organizaram a sua ida a Lisboa para continuar os estudos no ensino superior. Na viagem que o levou a Portugal, Telo teve que permanecer por seis meses em Moçambique à espera de um navio que o levasse à capital portuguesa. Durante este período esteve com o seu tio Basílio, de quem levou para Lisboa memórias e discursos que foram depois publicados. Mais tarde formou-se em Direito, na Universidade de Coimbra, em 1930. A sua juventude em Portugal foi marcada pelo seu contacto com outros estudantes goeses.

Juntamente com Adeodato Barreto e José Paulo Teles fundou o Instituto Indiano e o jornal Índia Nova, em Coimbra. Antes tinha criado o Centro Nacionalista Hindu. O Centro e o Instituto tinham, ambos, o propósito de divulgar os valores da civilização indiana para o público português. Terminados os seus estudos superiores foi nomeado Agente do Ministério Público, e mais tarde Notário. Em 1948, voltou a Goa, e como a polícia o assediasse por motivo das suas ideias políticas, radicou-se em Bombaim, onde fundou o jornal “Ressurge, Goa!”, no qual colaborou largamente com temas de carácter político. Deste jornal, ao início dos anos 50 vão saindo escritos e depoimentos de apoio à incorporação de Goa à União Indiana, de vários autores e de Telo. O ressurgimento tomava então por referência uma Goa tradicionalmente indiana, que deveria então reencontrar-se com as suas raízes e abdicar de toda a cultura que servisse para fins coloniais. Isto não significava, contudo, abandonar o catolicismo e sequer valores cuja referência fossem os valores culturais de Portugal, na medida em que, desde que não fossem instrumentalizados pelo colonialismo, seriam abarcados pelo espírito universalista da tradição hindu.

Preso e deportado para Portugal, foi acusado “de procurar separar da mãe-pátria portuguesa, os territórios de Goa, Damão e Diu”, e condenado pelo Tribunal Plenário de Lisboa a 24 anos de prisão e 3 anos de medidas de segurança. Após 10 anos de prisão na cadeia política de Caxias, foi amnistiado em consequência da forte pressão internacional, regressando, definitivamente, à Índia, e a Goa, onde faleceu, em Camorlim de Bardez, a 20 de outubro de 1979. Foi tradutor e divulgador, em Portugal, de Rabindranath Tagore.telo-de-mascarenhas-foto-com-a-esposa-1

Segundo o seu livro de Memórias publicado em 1976, Telo de Mascarenhas, com outros intelectuais goeses como António de Noronha e Fernando da Costa, fundaria em 1926, em Lisboa, um Centro ou Partido Nacionalista Indiano ou Hindu, que teria no jornal goês Bharat o seu veículo de comunicação com o território ultramarino. Os membros destes movimentos adotaram nomes hindus nos artigos que enviaram para este jornal, que tinha a sua sede na localidade goesa de Quepém.

Em Lisboa Telo conviveu com outros estudantes goeses, com os quais criou as instituições antes mencionadas. Em Coimbra fora aluno de António Oliveira Salazar, professor da universidade naquela altura na cidade do rio Mondego. É compreensível que sendo seu professor, tivesse na época alguma admiração por ele. A sua aproximação mostra-se na defesa que fez do nacionalismo indiano, seguindo o modelo português, defendendo o ressurgimento nacional da sua terra goesa.

FICHAS TÉCNICAS DOS DOCUMENTÁRIOS:

1. Goa.

Duração: 8 minutos.

https://www.youtube.com/watch?v=r23Xjjt9ozM

2. Três dias em Goa.

Duração: 24 minutos.

3. Goa-Índia.

Duração: 12 minutos.

4. A independência da Índia.

Duração: 18 minutos.

5. Independência da Índia: História.

Duraçao: 12 minutos.

6. Os olhos da invasão da Índia Portuguesa.

Duração: 6 minutos.

7. Invasão da Índia Portuguesa.

Duração: 4 minutos.

IMPLICAÇÃO DE TELO EM PORTUGAL:

Por mais que nos faltem elementos para compreender detalhes sobre o seu envolvimento político durante o período de quase três décadas que permaneceu em Portugal, temos que uma constante da sua presença foi o interesse em intervir na imprensa local no sentido de divulgar o que considerava serem “as maravilhas da arte e da literatura do meu distante país”. Tal como escreveu em 1943, e tendo Tagore e Gandhi como autores em grande estima por ele, pois afinal “se Mahatma Gandhi, o Apóstolo máximo, é a força redentora e espiritual da Índia, Tagore, o Poeta Santo, foi a encarnação védica e mística da Raça”, que também diz em 1943. É justamente nas referências que estabelece principalmente a estes dous indianos que eram amplamente conhecidos na Europa, que podemos compreender o que Telo considerava ser a tarefa política que, neste período de barbárie, deveria ser a lição indiana.

As palavras que dirige a Gandhi e Tagore apontam para o sentido do papel a desempenhar pela Índia no futuro da humanidade. No prefácio à sua tradução dum livro de Robindronath diz que “o Poeta realizou uma obra não destituída de fins políticos, a aproximação do Oriente e do Ocidente”, no mesmo ano de 1943, sendo este o verdadeiro universalismo que através da Universidade de Santiniketon atestaria o “laço espiritual que liga os dous mundos – a Europa e a Ásia – separados pelos preconceitos de raças e de cor”, comenta Telo no mesmo ano.

Importante ressaltar que no ano de 1921, quando Telo chegava a Lisboa, o goês António Aleixo Santana Rodrigues, com quem veio a estabelecer contactos através do Índia Nova, concedeu algumas entrevistas à imprensa lisboeta, discursando sobre a importância do nacionalismo indiano e contrapondo-se aos mitos orientalistas, destacando “o papel dos intelectuais indianos na gestação de um novo humanismo que se desenhava a Oriente e Ocidente”. Logo que chegou a Portugal, Telo envolveu-se com outros intelectuais goeses na divulgação deste projeto. Nas suas Memórias de 1976, descreve como a leitura de indologistas como William Jones, Max Müller, Gustave Le Bon, Sylvain Levi e outros, fez crescer nele o sentimento nacionalista indiano. O reencontro da indianidade fez-se assim primeiramente através da literatura e outras representações artísticas, sendo por essa via que Telo passou a conhecer a Índia, descrita como o seu país mesmo nos seus trabalhos de exaltação salazarista.

Finalmente, é muito importante esclarecer que Telo de Mascarenhas, como membro que era do Partido do Congresso indiano, criado no seu dia por Gandhi e os seus colaboradores, apoiou de forma aberta a incorporação de Goa à União Indiana, contra Portugal. Tema pelo qual na Índia foi admirado, e o governo lhe dedicou uma monografia na série dedicada a grandes personalidades indianas, mas também, o que não deve admirar, foi repudiado pelos goeses luso-descendentes, que se encontravam à vontade por pertencerem como uma província a Portugal. Ainda é hoje o dia que os goeses descendentes dos portugueses, nas localidades onde permanecem muitos vestígios lusos, incluído o idioma, Telo de Mascarenhas não é bem visto, e a sua figura não conta com simpatias, utilizando sobre ele um grande esquecimento. O que não é justo, embora seja a realidade.

A SUA PRODUÇÃO LITERÁRIA:

Dentre as suas obras, destacam-se, pelo testemunho da sua experiência pessoal durante o Estado Novo, as seguintes:

Algemas e Grilhetas (Páginas de crítica e combate),1951-1952. Edições do jornal Ressurge, Goa!, Bombaim, 1952.

A onda de vasa do charco imperialista vai subindo… (Desfazendo calúnias anónimas).Edição do jornal Ressurge, Goa!, Bombaim, 1952. É interessante o que Mascarenhas diz neste livro:

«O nosso passado político: Não obstante termos desempenhado várias funções oficiais na Metrópole e termos vivido durante um longo período em Portugal, nunca renegamos o nosso ideal nacionalista e nunca fizemos segredo das nossas ideias. O ideal Nacionalista nasceu em nós, e num grupo de goeses que faziam os seus estudos em Portugal, mercê do conhecimento da História da Índia e da nossa própria história, das nossas tradições e do nosso glorioso passado. (…)

Levados pelo nosso ardor nacionalista, fundávamos em Lisboa, em 27 de Janeiro de 1926, o Centro Nacionalista Hindu, em cuja sessão inaugural foi saudada a Índia com discursos inflamados de puro patriotismo, que o Bharat de Hegdó Dessai publicou em número especial. (…)

Seguiu-se depois, em Coimbra, em 1927, a era de renovação literária com fundo sentido nacionalista com o jornal “Índia Nova” (Órgão dos Estudantes Goeses das Universidades de Portugal) e do qual foi alma dinâmica, entre outros, o malogrado Dr. Adeodato Barreto.»telo-de-mascarenhas-capa-livro-a-mulher-hindu

Poemas de desespero e consolação. Panjim (Goa): Edições Oriente, 1971. Livro em que o próprio autor comenta: «Estes Poemas foram escritos na Cadeia do Forte de Caxias, uns, nos momentos de angústia – são Poemas de Desespero, cheios de pessimismo e amargura; outros, nos momentos de bom humor, – são Poemas de Consolação, boutades sanglantes, espécie de cantigas de escárnio e maldizer. A vingança é o prazer dos Deuses, – dos Deuses e dos mortais como eu.».

A mulher hindu: Ensaios. Lisboa: Editora Gleba, 1943.

Ciclo goês: Poemas. Mapusá (Goa): Edições Oriente, 1973.

Kailásha: Contos e lendas do Hindustão. Lisboa: Edições Oriente, 1937.

Goa, terra minha amada: Sonetos. Panjim (Goa), 1959.

Livro em que se publicam 14 sonetos seus, com os títulos de: Goa a Doirada, O Mandovi, O Mandó, A Koukani, Festa da Padroeira, Regresso, Anseio, Deus, Destino, Mundo Novo, Nirvana, Evolução e Outono da Vida.

When the mango-trees blossomed: quasi memoirs. Mumbai: Priya Adarkar, 1976.telo-de-mascarenhas-capa-livro-cantares-damor

Título em português: Quando as mangueiras floriram: quase-memórias.

Rabindranath Tagore e a sua mensagem espiritual. Porto: Edições Oriente, 1943.

Râma e Sêtá. Lisboa: Edições Oriente, 1946.

Sob o signo da Revolução Nacional. 1938 (sem editora nem lugar de edição).

Cantares de amor. 1935 (sem editora nem lugar de edição).

Rosa mística (com Basílio de Mascarenhas). 1937 (sem editora nem lugar de edição).

Como jornalista que também foi são interessantes os seus artigos publicados no Índia Nova de Coimbra, nos jornais de Goa, no seu Ressurge Goa! e, muito especialmente, no jornal A província. Neste último, durante os anos 1923 a 1926, publicou os artigos que a seguir tenho por bem resenhar:

telo-de-mascarenhas-capa-livro-rama-e-sita“A umas visinhas”: Número 280.-30-Agosto-1923.

-“Palavras leva-as o vento”. Número 282.-15-Setembro-1923.

“Resposta a uma carta”. Número 287.-22-Outubro-1923.

“Romanza da nossa vida”. Número 294.-10-Dezembro-1923.

“Desiludida”. Número 299.-14-Janeiro-1924.

“Natal venturoso…”. Número 300.-21-Janeiro-1924.

“Amor da cigana”. Número 301.-28-Janeiro-1924.

“Perdida”. Número 302.-4-Fevereiro-1924.

“Fantasia do nosso amor”. Número 303.-11-Fevereiro-1924.

“Figuras gloriosas do passado”. Número 309.-17-Março-1924.

“A Índia dos Vedas: Anunciação”. Número 333.-1-Setembro-1924.

“Contos nossos: Vatsuria”. Número 339.-13-Outubro-1924.

“Os nossos contos: A princeza que se perdeu de amor”. Núm. 345.-24-Nov.-1924.

“Contos da província: Profissão de fé”. Núm. 351.-5-Janeiro-1925.

“Poema das estações: (ritu-sanhara, de Kalidasa): Estação das chuvas (varshas)”. Núm.

373.-8-Junho-1925.

“Cartas de Lisboa: A despedida”. Número 391.-5-Outubro-1925.

“Poema das estações: (ritu-sanhará, de Kalidasa): Çiçira (estação do orvalho)”. Núm. 392.-

12-Outubro-1925.

“O problema associativo”. Núm. 395.-2-Nov.-1925.

“Cartas de Lisboa: Crônicas do fim da estação”. Núm. 396.-9-Nov.-1925.

“Cartas de Lisboa: Crônicas do fim da estação”. Núm. 398.-16-Nov.-1925.

“Cartas de Lisboa: Crônicas do fim da estação”. Núm. 399.-22-Nov.-1925.

“Um pintor indiano”. Núm. 399.-22-Nov.-1925.

-“Urvasi”. Núm. 411.-8-Fevereiro-1926.

De forma cooperativa, com o seu amigo Adeodato Barreto e outros, fundou em Coimbra, a 7 de maio de 1928, o Índia Nova: jornal de expansão da cultura indiana (dos estudantes indianos das universidades de Portugal), com o apoio do editor do mesmo J. de Albuquerque Manso Preto. No mesmo publicou interessantes artigos e depoimentos, assim como poemas.

Como tradutor de verdadeira categoria, temos que destacar as traduções que fez das seguintes obras de Robindronath Tagore (na listagem incluímos o título em Bangla, a editora e o ano da edição):

O naufrágio: romance (Noukadubi). Lisboa: Inquérito, 1942. Nova edição em 2003 pelo Diário de Notícias de Lisboa.

-A casa e o mundo: romance (Ghore-Baire). Lisboa: Inquérito, 1941 (segunda edição em 1943).

As quatro vozes: romance (Choturongo). Lisboa: Inquérito, 1942.

A chave do enigma e outros contos (Golpogucho). Lisboa: Inquérito, 1943 (segunda edição em 1946 pela editora Império).

Realizou também a tradução de outros dous livros, editados na capital portuguesa:

História da minha vida (ou das minhas experiências com a verdade), da autoria de Mahatma Gandhi. Lisboa: Atlante, 1943.

História de um cão de circo, da autoria de Jack London. Lisboa: Inquérito, 1944.

DEPOIMENTO DE TELO DE MASCARENHAS DEDICADO A TAGORE:

Rabindranath Tagore: As grandes figuras:

Falar de Tagore é qualquer coisa de grandioso e belo, porque o nome e a vida do Poeta-Santo encerram um doce e religioso misticismo. É necessário ter o coração puro de mácula das vaidades terrenas e a boca ungida de óleos sagrados, como para o sacrifício da Eucaristia, para entoar em cânticos o seu nome como Ele próprio canta, em poemas espirituais, o nome de Deus: “Ó Mestre Poeta! Eu estou assentado a teus pés. Que somente eu faça da minha vida uma coisa simples e direita, semelhante a uma flauta de cana que tu possas encher de música”. Todo o Guitânjoli é um hinário rico de notas místicas e fragrantes como o incenso dos templos e as grinaldas das oferendas sagradas.

Mas, Tagore não é somente o cantor do amor divino do criador; também os seus poemas contêm, como as flores tropicais, estonteantes e voluptuosas, motivos de amor humano e sensual: “Se a minha vida fosse uma pérola parti-la-ia em mil pedaços e d´eles faria um colar com que enfeitaria o teu colo; se a minha vida fosse uma flor diminuta e perfumada, colhê-la-ia da haste para pôr no teu cabelo”. E os seus numerosos romances – em especial “A Casa e o Mundo” em que o poeta analisa a alma frágil e deliciosa de Bimala, a chota rani (1), que inflamada com os discursos grandíloquos e patrióticos do impulsivo e autoritário Sandip Babu, sacrifica a paz do seu lar principesco às reivindicações do Swadeshi, – estão impregnados do mesmo sabor lírico dos seus poemas.

Sob o ponto de vista social o poeta tem realizado uma grande obra não de todo destituída de intuitos políticos, – a aproximação do Oriente, que encarna o espiritualismo, e do Ocidente o mundo materialista de hoje, através da sua admirável Universidade de Santiniketan de Bolpur, próximo de Calcutá, fundada sob os modelos das instituições similares da velha Índia sábia e grandiosa. No meio dum bosque verde e umbroso de mangueiras ergue-se o “ashram” seráfico de Santiniketan, lar das duas culturas – a oriental e a ocidental – onde os estudantes indianos aprendem as ciências e as línguas europeias, e os europeus estudam as línguas, a música e a filosofia, a literatura e a arte indianas, laço espiritual que liga os dois mundos – a Europa e a Ásia – separados pelos preconceitos das raças e até certo ponto pelo despotismo dos povos europeus, para o prosseguimento dum ideal comum, o bem-estar da Humanidade. O prémio Nobel concedido ao Guitânjoli, compilação de poemas místicos dos mais belos de Tagore, foi o primeiro golpe vibrado ao isolamento da Europa e da Ásia. Pela Universidade de Santiniketan têm passado os maiores filósofos, pensadores e poetas da Europa, como o sanscritólogo ilustre, Silvain Levy, Fia Oman e outros; e o sábio professor inglês Andrews, diplomado pelas universidades europeias e norte-americanas e o melhor colaborador de Tagore.

Em política Rabindranath Tagore é universalista: as nações para ele não contam; só o preocupa o bem-estar da Humanidade – e é este o espírito da velha filosofia hindu. Mas a tradição para Tagore é a herança sagrada dos povos; por isso, quando o Japão esquecendo todo o seu passado e as suas tradições asiáticas assimilou a cultura e a arte da guerra europeias, o Poeta teve para o Japão palavras de desalento e censura. E anos depois, quando a América do Norte decretava o bill de emigração vexatório e atentatório da dignidade humana, Tagore, numa conferência realizada em Tóquio, exprimia o seu horror por tão infamante ato da nação Norte-Americana.

Tagore que, quisera toda a Humanidade feliz e liberta, vê com mágoa a Índia acorrentada no despotismo da Inglaterra, e a sua prece mais bela e ungida de religiosidade e místico amor-pátrio é o poema que damos à estampa e que encerra todo o seu anseio de Poeta. E o seu mot-d´ordre tem sido sempre, em todas as conferências, em todas as mensagens: A Índia livre; mas livre para servir e preencher o papel que lhe cabe na História da Humanidade.

E, se Mahatma Gandhi, o apóstolo máximo, é a força espiritual e redentora da Índia; Tagore, o Poeta-Santo, é a incarnação védica e mística da nossa Raça”.

  1. Rainha mais nova.

(Artigo publicado no Índia Nova de Coimbra, o 7 de maio de 1928, p. 3).

CINCO POEMAS DE MASCARENHAS:

Rebelião (1971)

O pequeno talude

diante da janela

quadrada e gradeada

da minha cela,

minora e ilude

as agruras desta vida

triste e delida,

com o milagre

de profusa floração,

uma alucinação

de cores álacres

que não chega a ser

revolução.

A natureza não ousa

Pôr-se em rebelião,

E alterar a ordem

À porta desta prisão.

No cimo do talude,

com passos cadenciados,

passeia a sentinela

armada até aos dentes,

de metralhadora certeira,

baioneta e cartucheira.

Um arremedo grotesco

do Deus da Guerra,

que a ninguém aterra.

A arma não lhe dá

Força nem coragem.

Com o seu ar de gendarme,

é mais medroso que um chacal,

sempre pronto para fugir

ao mais pequeno sinal

de perigo ou alarme.

As sementeiras (1971)

As chuvas vieram

Os homens e os bois

Jungidos ao Tosco arado,

Abrem sulcos na terra

Ensopada e clemente,

Rara em seguida

Lançar a semente,

Com gestos sacudidos.

 

Os gritos de incitamento:

Arre! Hoi! Hoi!”,

Ao boi pachorrento,

Lembram as apostrofes

Dos carreiros,

Alegres e chocarreiros,

Do “carrinho de barro”,

Do Rei Shudraka.

 

Os pobres “royts”

Com seus métodos rotineiros

E sem vanglória,

São legítimos herdeiros

Do Rei Jánaka,

Rei Lavrador

Da Nossa História.

 

Quando as sementes grelaram

E a terra reverdecer

Como uma alcatifa de veludo,

E as loiras messes ondularem

Com uma bênção da Fortuna

Sobre a terra de dor

Onde a fome abunda

Florirá a esperança

Duma vida melhor.

Canto de Vitória (1975)

Grande ou pequena,

rica ou pobre,

esta Terra é nossa,

uma herança ancestral;

nós lutámos e sofremos

para a LIBERTAR.

 

Único anseio nos guiou

na nossa luta insane

sem tréguas e sem quartel,

na alegria e na dor:

fazer ressurgir Goa

com o seu prestino esplendor;

 

Fazer da Nossa Terra

um manancial

de leite e mel:

dar um palmo de terra

a todos, para cultivar;

um tecto para abrigar

os deserdados sem lar

 

Esta Terra é nossa,

legitimamente nossa,

uma herança ancestral;

nós lutámos e sofremos 

para a RESGATAR.

 

Não consentiremos

que políticos sem escrúpulos

façam da Nossa Terra

um tabuleiro de xadrez

para o jogo dos seus interesses

sujeitando-nos ao revês

de perder o que ganhamos.

 

Esta Terra é nossa,

legitimamente nossa,

uma herança ancestral;

nós lutamos e sofremos

para a LIBERTAR.

 

No seio da Mãe-Índia

nós queremos viver

como seus legítimos filhos que somos;

mas em nome da UNIDADE

não venham subverter

a nossa IDENTIDADE.

 

Do mesmo modo que lutamos

com os nossos dominadores

nós lutaremos 

com os nossos exploradores.

 

Esta terra é nossa,

legitimamente nossa,

uma herança ancestral;

nós lutámos e sofremos para a RESGATAR.

 

Grande ou pequena,

rica ou pobre, 

esta Terra é nossa,

orgulhamo-nos dela.

Num solar ou num tugúrio

nós sabemos viver

com altivez e orgulho,

porque esta Terra é nossa,

legitimamente nossa;

uma herança ancestral

nós lutámos e sofremos

para a LIBERTAR.

 

  A Unidade (1975)

 Balkrishna, dá-me a tua mão.

Somos filhos da mesma mãe,

gerados no mesmo ventre, 

tu Hindu e eu Cristão.

 

Manuel António, meu irmão,

nós demos o corpo ao manifesto

com coragem e decisão;

mas são os dúbios que colhem

os frutos da LIBERTAÇÃO.

 

Por Allah, eu juro;

soa o traço de união

entre o Hindu e o Cristão,

no passado, no presente, no futuro.

A nossa raiz é a mesma,

somos três elos

da mesma geração.

Por isso nós demos a mão,

na luta da Libertação.

A primavera chegou (1978)

Quantos anos eu faço?
Não sei; eu não os conto
Por muitas vicissitudes eu passo
Sem me deixar vencer
Pelo desespero ou vontade de morrer.

Sei que nasci
Com a chegada da Primavera;
(Não consultei o Registo;
Disse-mo minha Mãe).
Por isso,
Toda a gente espera
Que eu dê flor e fruto.

Sou como uma árvore plantada
Neste nosso sagrado torrão natal;
Sou como uma árvore açoitada
Por vendavais agrestes
Que não vingam em mim desraigar.

DEPOIMENTO DE MASCARENHAS SOBRE A RENDIÇÃO DE GOA:

Em 1974 Mascarenhas tinha escrito um artigo sobre a Carta de Rendição de Goa, que merece muito a pena reproduzir e em que diz o seguinte: “Haviam decorrido muitos anos e meses de vida monótona de prisão quando Dezembro chegou com seus frios e névoas e notícias vagas nos jornais relatando alguns incidentes em Goa.
Os jornais de Lisboa do dia seguinte davam, com fundo ressentimento e raiva incontida, a notícia de concentração das tropas indianas junto da fronteira de Goa, o que fez criar no meu coração a esperança de que havia chegado o princípio do fim. Soube-se também que os oficiais superiores e os comandantes do exército tinham fugido, tomados de pânico, para Mormugão, à aproximação das tropas indianas, destruindo as pontes e minando as estradas. Soube-se mais que a fragata “Afonso de Albuquerque”, quando uma canhoneira indiana abriu fogo fizera marcha à ré e fora varar na praia rochosa de Dona Paula.
No entanto, Salazar, fremindo de raiva, mandava constantes ordens pela rádio ao Governador-geral de Goa para resistir até ao último homem. Mas o Governador-Geral e o Comandante Militar não obedeceram às ordens do seu patrão Salazar, e renderam-se ao Comandante das tropas indianas para evitar o holocausto de inocentes vidas humanas, tanto dos militares portugueses como dos civis goeses para poupar Goa de ser reduzida a destroços e a terra queimada como Salazar sempre ameaçara nos seus discursos, caso os portugueses tivessem de sair de Goa.
Foi o Mgr. Gregório Magno Antão, um estrénuo nacionalista que, desprezando todos os perigos, atravessou o rio Mandovi às 8 horas de noite de 18 de Dezembro de 1961 e entregou ao comandante das tropas indianas que haviam entrado em Goa, Major Shivdev Singh Sidhu, a Carta de Rendição do comandante do exército português, Major Acácio Tenreiro.
Foi o pai do malogrado Major Shivdev Singh Sidhi (morte à traição após a rendição das tropas portuguesas, na noite de 18 de Dezembro, pela guarnição do Forte de Agoada, quando ia libertar os 35 presos nacionalistas na iminência de serem chacinados segundo a ordem dada pelo comandante do forte ao seu imediato, alferes Pinto), quem me mandou a fotocópia da Carta de Rendição, logo após o meu regresso do degredo, redigida nos seguintes termos:
“Cidade de Goa, 18/12/61
O Comandante Militar da Cidade de Goa declara que deseja parlamentar com o Comandante do exército da União Indiana com respeito à rendição.
Nestas condições, as tropas portuguesas devem, imediatamente, cessar-fogo e as tropas indianas proceder de igual modo com o fim de evitar a chacina da população e a destruição da cidade. O Comandante; (as.) Acácio Tenreiro (Major)”
Quando a notícia da rendição iminente de Goa chegou a Lisboa, foi convocada com urgência a Assembleia Nacional e um Adv. Goês escolhido para Deputado pela União Nacional, o Partido único durante o regime de Salazar, preferiu um longo discurso cheio de jargons, convencido de que falava uma linguagem correta e parlamentar e disse que “Nehru queria fazer fita”, pelo que ficou sendo conhecido entre os presos de Caxias por “Dr. Fita”. E reeditando a “His Master’s Voice”, acrescentou: “Qualquer de nós pode vir a ser Presidente da República. Todos nós – Hindus, Cristãos e Muçulmanos somos a favor da soberania portuguesa em Goa”, e outras bojardas de igual calibre.
Naquele dia, eu e Mohan Ranade saudamo-nos, mutuamente, no recreio com dois dedos em “V” significando Vitória.
Passados dois dias os jornais e a Rádio davam notícias, ansiosamente esperadas, de que as tropas portuguesas se tinham rendido em Goa. Senti-me exultante de alegria, de igual modo os meus companheiros que me felicitaram calorosamente. Logo depois daquela notícia, que se espalhara pelo Forte como um rastilho de pólvora, eu e alguns companheiros fomos transferidos para a sala onde se encontrava Mohan Ranade. Abraçamo-nos cheios de exaltação. E foram mais felicitações dos meus novos companheiros da sala.
Na tarde nevoenta de fins de Dezembro eu observo da janela da nossa sala as folhas amarelecidas, de que o Outono se esquecera, caindo das árvores. E eu penso que, de mesma maneira, o poder colonial retrógrado, obsoleto e corroído tinha caído em Goa, nesta era de emancipação dos povos e de autodeterminação – o mais sagrado direito do homem”.
(extraído de Quando as mangueiras floriram, quase-memórias).

TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR:

Vemos os documentários citados antes, e depois desenvolvemos um Cinema-fórum, para analisar a forma (linguagem fílmica) e o fundo (conteúdos e mensagem) dos mesmos, assim como os seus conteúdos.

Organizamos nos nossos estabelecimentos de ensino uma amostra-exposição monográfica dedicada a Telo de Mascarenhas, a sua obra, as suas ideias, o seu pensamento e a sua defesa da indianidade. Na mesma, ademais de trabalhos variados dos escolares, incluiremos desenhos, fotos, murais, frases, textos, lendas, livros e monografias.

Podemos organizar no nosso estabelecimento de ensino um Livro-fórum, lendo antes todos, estudantes e docentes, um dos livros escrito por Telo de Mascarenhas. Dentre eles podemos escolher o intitulado Rabindranath Tagore e sua mensagem espiritual, editado no Porto em 1943.

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