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SALVADOR ALLENDE, UM POLÍTICO DIGNO

foto-allende-1O dia 8 de setembro de cada ano celebra-se o Dia Internacional da Alfabetização. Na época do governo chileno de Salvador Allende, um dos políticos mais dignos que houve no mundo e na história, desenvolveu-se no seu país um formoso projeto cultural e também de alfabetização do povo, especialmente dos trabalhadores. Por isto acho que Allende é um grande vulto da humanidade, adequado para o tema da comemoração, que incluo como número 10 da série que iniciei com Sócrates. Precisamente, no dia 11 de setembro cumprem-se os 44 anos do terrível golpe militar fascista, que, com o apoio dos EUA e da sua funesta CIA, iniciou o infame general Augusto Pinochet no Chile. Derrocado o governo democrático da Unidade Popular presidido por Salvador Allende, político que eu considero como um dos mais dignos da história da humanidade, deu começo uma das mais negras etapas na história do país andino, com uma repressão feroz e infame, muito similar à que ocorreu na Espanha de 1936. O número de assassinados, desaparecidos e represaliados é pavoroso. Os que tiveram mais sorte escaparam para o exílio durante anos. A ditadura pinochetiana, com atentados diários aos direitos humanos dos cidadãos, durou de 1973 a 1990, um total de dezassete anos. Neste momento eu quero lembrar um político muito digno chamado Salvador Allende, que todos chamavam “Companheiro Presidente” e, especialmente, os trabalhadores chilenos.

Na formosa cidade chilena de Valparaíso, no dia 26 de junho de 1908, Laura Gosséns Uribe dá à luz um neno que vai receber o nome de seu pai. Com grande alegria, o advogado Salvador Allende Castro, filho de galega e esposo de Laura, recebe este rapaz. Sem pensar que no futuro ia ser um grande político. Em 2008 celebrou-se o centenário do nascimento do que eu considero como um dos mais dignos políticos da história, senão o que mais. Porque Salvador Allende reúne todas as qualidades que o filósofo Platão pedia para um político. Bondade, retitude, sabedoria, respeito aos contrários, sentido da honra e do dever, antissectarismo, altruísmo, amor pelo povo e a cidadania, apreço pelas crianças e pelo trabalho das mulheres, ideias claras sobre educação, sobre saúde, sobre os direitos humanos, sobre os direitos dos povos, anti-imperialista e, entre outras, magistral orador, defensor da verdade e dos trabalhadores. Qualidades que é quase que impossível encontrar em algum dos políticos de hoje no mundo.

A infância de Salvador transcorre nas localidades de Tacna, Iquique e Valdívia, regressando à sua cidade natal em 1921. Quatro anos mais tarde termina a escola secundária, iniciando os estudos de medicina na Universidade de Santiago de Chile em 1926. Excelente estudante, foi também líder estudantil e, por isto, teve problemas para obter o título de licenciado em 1931. No campo político Allende foi um dos que apoiou o movimento a favor da República Socialista no seu país, entrando no cárcere por este motivo pela primeira vez em 1932. Ao fundar-se em 1933 o Partido Socialista chileno, Allende é eleito secretário da região de Valparaíso, e, em 1936, presidente provincial da frente Popular do mesmo lugar. Em 1937 como deputado do PS inicia a sua carreira parlamentar. De 1938 a 1940 ocupa o cargo de Ministro da Salubridade no governo de Pedro Aguirre. Em 1943 é eleito secretário geral do PS e dous anos mais tarde senador. Promove várias leis (saúde pública, segurança social, proteção da infância…). Durante várias legislaturas é candidato a presidente do Chile. Em setembro de 1970, como candidato da Unidade Popular, consegue a maioria relativa, sendo ratificado como presidente eleito em 26 de outubro, assumindo a presidência da República em 4 de novembro.

As reformas necessárias e urgentes no Chile iniciam-se com o seu governo. Em primeiro lugar a agrária, depois a de nacionalização de bancos e empresas, a de distribuição dum litro de leite diário por cada neno, a reforma educativa e cultural, que foram tão importantes. Mas que a oligarquia interna e o imperialismo ianque não podiam permitir. O que se passou depois já o sabem os meus leitores. O derrocamento do seu governo por meio dum golpe de estado fascista encabeçado pelo traidor Pinochet, tem lugar em 11 de setembro de 1973. Felizmente hoje Chile volta a ter uma democracia, presidida por Michelle Bachelet, cujo pai fora uma das vítimas da ditadura. Tal como prognosticara Allende, antes de morrer, no seu emocionante último discurso: “De novo abrirão as grandes alamedas por onde passe o homem livre”. Todos os bons e generosos do Chile apreciavam Allende chamando-lhe carinhosamente “Companheiro Presidente”, como antes comentei. E, quando perguntaram à sua mãe Laura se o seu filho ia ser um bom presidente, ela respondeu que “se foi um bom filho, há ser um bom presidente”.

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Durante o seu, por desgraça, curto governo, realizaram-se no Chile infinidade de iniciativas positivas. O famoso trem ou comboio da cultura que levava a todas as povoações a música, o teatro, os murais… numa espécie de missão pedagógica como as nossas da Segunda República. O trabalho cultural e educativo dos universitários durante as férias de verão, percorrendo o país de norte a sul. O florescimento de todas as artes e das artes populares. O cinema e a nova canção chilena. Víctor Jara, Quilapayún, Inti-Illimani, Violeta Parra, Patrício Guzmán, Miguel Littin, Aldo Francia, Hélvio Soto… são nomes de cineastas, músicos, cantores e compositores que tenho na minha memória e coração. Como também tenho aquele documentário do nosso paisano Carlos Velo, intitulado “Universidade comprometida”, em que se recolhe o formoso discurso pronunciado por Allende na sua visita à universidade mexicana. E ao qual dediquei um artigo da série “As Aulas no Cinema” em 27 de fevereiro de 2013. Todos os discursos de Salvador Allende são obras de arte da oratória. Não têm desperdício nenhum.

FICHAS TÉCNICAS DOS FILMES-DOCUMENTÁRIOS:

1. Salvador Allende.

Diretor e Roteiro: Patrício Guzmán (Chile, 2004, 100 min., cor).salvador-allende-capa-dvd-1

Fotografia: Patrício Guzmán e Júlia Muñoz. Música: Jorge Arriagada.

Produtoras: Coprodução de Chile, França, Bélgica, Alemanha, Espanha e México.

Intervenientes: Salvador Allende, Patricio Guzmán, Jacques Bidou, Alejandro Gonzáles, Ema Malig, Sergio Vuskovic, Isabel Allende Bussi, Ernesto Salamanca, Carmen Paz, Claudina Nuñez, Volodia Teitelboim e Carlos Pino.

Argumento: O documentário segue a vida de Allende desde a sua infância em Valparaíso até a sua morte em 11 de setembro de 1973 depois do golpe de estado militar e fascista, apoiado por Kissinger e a CIA americana, através de documentos de arquivos, álbuns de fotos e entrevistas.

2. Allende en su laberinto (Allende no seu labirinto).salvador-allende-cartaz-filme-allende-no-seu-labirinto

Diretor e Roteiro: Miguel Littin (Chile, 2014, 90 min., cor).

Fotografia: Cristián Petit-Laurent.

Produtoras: Zetra Films (Chile) e La Taguara Fílmica (Venezuela).

Intervenientes: Daniel Muñoz, Aline Küppenheim, Horacio Videla, Juvel Vielma, Gustavo Camacho e Roque Valero.

Argumento: Um olhar da ficção, com base em dados reais, sobre o que aconteceu dentro do “Palacio de la Moneda”, em Santiago de Chile, em 11 de setembro de 1973, durante essas últimas horas na vida do presidente Salvador Allende, o dia do golpe de estado que mudou a história do país e de toda a América Latina.

EDUCAÇÃO E CULTURA COM O GOVERNO DE ALLENDE:

Durante o curto período em que durou o governo do presidente chileno Salvador Allende, da Unidade Popular, floresceram as artes, as letras, a cultura e a educação no formoso país andino. No mundo da cultura surgiram infinidade de grupos artísticos, relacionados com a música, o cinema e a pintura. Havia uma grande efervescência e entusiasmo. Os estudantes universitários trabalhavam como voluntários durante as suas férias, viajando por todo o país e organizando campanhas de alfabetização entre os trabalhadores e no rural com os camponeses. No mundo rural dinamizavam culturalmente os moradores e labregos. A educação em todos os níveis educativos superava-se cada dia, ao contar com planos de estudo dinâmicos e modernos. Tivemos ocasião de participar em cursos sobre a pedagogia chilena do momento, coordenados por Pablo Berchenko. Pelo que pudemos conhecer os modelos educativos daquele período.

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Também a nível cultural houve um grande auge da nova canção chilena, das artes e do voluntariado. Pelo entusiasmo dos participantes do novo movimento cultural, pela implicação do povo, pelo florescer de todas as artes, pela nova música e cantigas populares, pelo novo cinema, pelo trabalho amoroso e de graça de jovens e intelectuais, a vertente cultural no Chile durante os três anos de governo da Unidade Popular mereceria um capítulo próprio. Tema que nos lembra muito as “Missões Pedagógicas” da nossa 2ª República. Um comboio da cultura percorria de norte a sul o lindo país que é Chile, levava a todos os povos a música dos Calchakis, os Quilapayún e Inti-Illimani, as brigadas muralistas de Ramona Parra e Inti Peredo, o ballet nacional, o teatro e o cinema. Ainda lembramos, não sem nostalgia, Aldo Fráncia com os seus filmes Valparaíso meu amor e Já não basta com rezar. Miguel Littin com O chacal de Nahueltoro e Actas de Marúsia. Hélvio Soto com Caliche sangrento. Patrício Guzmám com as duas partes de A batalha de Chile. E mesmo o cubano Humberto Solás com o seu formoso filme Cantata de Chile. De todos eles existe cópia na minha biblioteca e filmoteca particular, e foram projetados no seu dia pelo Cine Clube “Padre Feijóo” de Ourense, que tive a honra de dirigir eu durante mais de trinta anos desde 1972. No documentário realizado pelo galego Carlos Velo, quando se encontrava no exílio no México, e que já citei, intitulado Universidade comprometida, recolhem-se fragmentos muito lindos do discurso que Allende pronunciara aos estudantes da Universidade mexicana de Guadalajara. Existe também um lindo documentário, intitulado Santa Maria de Iquique, realizado por Lorenzo Soler, no qual se recolhem os famosos factos e a repressão sobre o povo trabalhador de Iquique.

O último discurso de Allende, pronunciado pouco antes de falecer, desde as ondas de Rádio Magalhanes, é realmente modelar. E indicador da valia humana de quem o pronuncia, da sua dignidade e da sua integridade. O “Companheiro Presidente” não esqueceu no mesmo os intelectuais, os estudantes, os trabalhadores, os jovens, as crianças e a mulher chilena. Quer dizer, os cidadãos bons e generosos de Chile. Confesso, sem rubor, que me emociono profundamente cada vez que o escuto. Pois existe gravação do mesmo, e também de outros dos seus lindíssimos discursos.

ALLENDE NAS SUAS PALAVRAS:

foto-allende-3Sobre o pensamento político, social e educativo de Allende é preferível que fale ele com as suas próprias palavras. Em infinidade de discursos pronunciados em múltiplos foros, com o seu verbo cálido e profundo, Allende demonstrou sempre a sua dignidade defendendo a verdade, a bondade e o respeito. Foram sempre eixos das suas palavras o seu destacado amor pelas crianças, o seu apreço pelos jovens, a sua alta conceição das mulheres, o seu decidido apoio aos trabalhadores, os camponeses e os indígenas (como, por exemplo, os mapuches), o seu alto valor pela profissão de mestres e de médicos, a sua elevada consideração pela cultura, especialmente pela popular, e o seu sagrado respeito à liberdade de expressão e à Constituição chilena. Muitas das vezes contra os seus companheiros de partido e defendendo sempre a via chilena autónoma, sem interferências de países alheios.

Apresento a seguir uma escolma de frases célebres por ele pronunciadas sobre a mulher, os jovens e as crianças:

-“Para que lembrar aqui que chegam à escola muitas crianças que não souberam do papel, dos lápis de cores, dos jogos didáticos? (…) Quantas crianças chegam à escola sem ter tido a sensação de uma casa, de um lar? Crianças cujos pais não têm como satisfazer as suas mínimas exigências (…), chegam famintos a escolas deterioradas, onde o mestre se empenha inutilmente para que aprendam com crianças que não podem reter porque a sua memória é inferior à de outros, daqueles que se alimentaram normalmente”.

-“Entendemos o educador como um trabalhador social e agente consciente e preparado das grandes mudanças, especialmente nas comunidades mais deprimidas, onde o melhoramento social e familiar é condição de um eficiente trabalho pedagógico”.

-“Quero dizer-lhes que tenho confiança no homem, embora no homem humanizado, o homem fraterno e não o que vive da exploração dos outros”.

-“Para nós toda a sociedade deve ser uma escola, e a escola deve ser parte integrante dessa grande escola que deve ser a sociedade (…), porque pensamos na escola aberta, plenamente integrada nos processos que inquietam e interessam à comunidade”.

-“Porque não há revolução sem a presença da mulher colaborando com este processo de mudanças e levando a sua doçura e a sua firmeza, a sua decisão e a sua capacidade criadora (…). A mulher sempre responde às necessidades do processo social quando ela participa conscientemente”.

-“Jovens do Chile: Estudem, preparem-se, sejam bons técnicos, (…), peneirem as ideias e os princípios gerais, para fazer com eles uma receita justa frente à nossa própria realidade! Façam de vocês uma dinâmica e permanente assembleia das ideias, à margem da violência! Nunca rejeitem o adversário, pelo só facto de pensar de forma distinta”.

-“Por isso, o dogmatismo, o sectarismo, deve ser combatido; a luita ideológica deve levar-se a níveis superiores, embora a discussão para esclarecer, não para impor determinadas posições”.

-“A juventude não pode ser sectária e tem que entender que podem conviver marxistas, laicos e cristãos, e que há que respeitar o pensamento cristão quando interpreta o verbo de Cristo, que deitou para fora os vendilhões do templo (…). O mestre da Galileia estava a favor dos humildes. E há muitos cristãos honestos”.

-“Nada de dogmatismo, de sectarismo, de tendência hegemónica. Respeito, camaradagem, apreço, diálogo com as juventudes de outros partidos e movimentos que integram a Unidade Popular”.

TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR:

Servindo-se da técnica do Cinema-fórum, analisar e debater sobre a forma e o fundo dos filmes-documentários antes resenhados, realizados respetivamente por Patrício Guzmán e Miguel Littin.

Organizamos nos nossos estabelecimentos de ensino uma amostra-exposição monográfica dedicada a Salvador Allende, o seu labor de governo, o seu pensamento, a sua vida e a sua obra. Na mesma, ademais de trabalhos variados dos escolares, incluiremos desenhos, fotos, murais, frases, textos, lendas, livros e monografias. Completaremos a mesma com uma secção dedicada ao Chile, e em especial ao período da Unidade Popular, e a situação atual do país, com o governo de Michelle Bachelet.

Como são realmente maravilhosos, podemos escolher algum dos famosos discursos pronunciados por Allende, que se encontram em cassete ou em disco quase todos. Depois de decidir-nos por um, escuitamo-lo alunos e docentes, e posteriormente organizamos um debate-papo, para opinar sobre as ideias e pensamento expressados por Allende no mesmo.

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