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José Paz: «A melhor aposta para introduzir a língua é através da educação informal, do ensino lúdico»

António Carvalho – São as oito do serão na cidade das Burgas, estamos sentados numa das mesas do CS A Esmorga, ao nosso lado o professor José Paz, uma pessoa que confessa sentir paixão, além de pela sua família e pelas suas amizades, pela Galiza (e Ourense, claro), pela Índia e, ainda, pelo ensino.

Agora que já entrou na casa dos 60 orgulha-se do trabalho realizado mas também lamenta as absurdas discussões – e decisões tomadas – que envolveram   – e envolvem – a vida sócio-política e económica na Galiza e que não nos permitiram   – nem nos permitem – afirmar toda a nossa potencialidade como povo: quer económica, quer cultural quer, é claro, linguística.

P: Professor Paz, a Galiza como paixão no globalizado século XXI. Mas, qual a tua Galiza neste contexto?

R: Bem, realmente a nossa terra é uma coisa muito curiosa. Todos sabemos que o problema da Galiza é histórico, padecemo-lo muito durante séculos e ainda o arrastamos. No entanto somos um povo muito importante na Península, o caso linguístico é um exemplo disso. Eu não tenho dúvida, o problema fundamental da Galiza é principalmente político.

Quero salientar que a minha paixão vem já desde criança. As minhas origens têm a ver com isso: a língua da minha mãe era o galego, o galego foi a minha língua intrauterina… Sem dúvida, eu nasci num ambiente, com uma educação, e numa família orgulhosa de ser galega cuja influência foi marcante nos primeiros anos de vida de uma criança como era eu, com certeza.

A minha vinculação à minha terra é, pois, sentimental, afetiva e gostaria de que todos os galegos tivessem esse sentimento e esse orgulho, mas também pediria aos dirigentes galegos que tivessem e fomentassem isso.

Bom, hoje não milito em grupo nenhum, mas penso que a maioria dos grupos políticos estão muito desnorteados. Na conjuntura em que vivemos hoje em dia a nível mundial falarmos de uma Galiza com Estado próprio é se calhar utópico, por isso eu já me conformaria com uma maior unidade com Portugal.

P: Mas a Galiza dos dias de hoje perdeu quase toda hipótese de se modernizar a partir dela própria. Realmente há hipóteses de construirmos, ou mesmo recuperarmos, uma outra Galiza? Quais os vimes e quais os alicerces para isso?

R: Eu gostaria de que os galegos fossem mais consequentes, mais racionais… Ora, é claro que a gente só sentirá orgulho, sentimento de ser galego se realmente há didática. É preciso convencer o pessoal, são precisas estratégias adequadas para isso, mas estratégias que fomentem em positivo e pondo em valor as coisas.

Para mim a base para podermos conseguir isso está na incidência com a gente nova, no trabalho com as crianças, fazer-lhes ver os valores em positivo que implica o serem galegas. Mas isso não se consegue com decretaços, é preciso uma outra política mais social e relacionada com o nosso ambiente.

Ora, nem tão sequer o nacionalismo galego tem incidido nisso nos últimos tempos, a maioria do pessoal não conhece os grandes vultos galegos, por exemplo. Eu posso falar com conhecimento a respeito, sou mestre e sei qual o nível do alunado nesse campo.

A seu devido tempo, já comentei que a melhor aposta para introduzir a língua é através da educação informal, do ensino lúdico. Por exemplo, com a criação de uma rede de brinquedotecas. Somos a única comunidade no Estado espanhol que não tem uma rede a esse nível, é só irmos, por exemplo, até La Rioja e vermos como funcionam lá.

As Galescolas em certa maneira estavam bem, mas o caso é que muitas crianças e muitos rapazes e raparigas odeiam hoje o galego mesmo por causa do próprio professorado que ensina a língua. É por isso que eu defendo a linha do Cossio, isto é a educação difusa.

O professor José Paz pede aos políticos fomentar
o sentimento de orgulho com a nossa terra

P: Cine Clube Padre Feijóo, Associação Sócio-Pedagógica Galaico-Portuguesa, Associaçom Galega da Língua, Jornadas do Ensino da Galiza e Portugal… e agora a Academia Galega da Língua Portuguesa…

R: Primeiro, tenho que dizer que levo todas essas militâncias a muita honra. E já agora, quero destacar que quase todos esses projetos estão ligados ao reintegracionismo, uma proposta que não é de agora, tem uma história importante mas silenciada, o que é um autêntico crime. Os grupos políticos têm grande responsabilidade nesse silenciamento, nomeadamente, os atuais grupos nacionalistas galegos.

Confesso que continuo sem compreender de todo por que na altura foi cometida esta barbaridade com a língua. Tenho pequenas histórias que demonstram que muito pessoal reconhece a evidência da Lusofonia mas depois não dá o passo. Qual a razão de fundo?

A resposta certa pode ir na linha da procura intencionada da aniquilação da língua. Eu penso mesmo que a estratégia de colocar Ferrín como presidente da RAG é contra o reintegracionismo, ele próprio leva com muita honra o seu anti-reintegracionismo, como uma medalha ao mérito.

P: Uma pergunta para não teres papas na língua. Alguns nomes da Galiza dos dias de hoje, pelo positivo e pelo negativo…

R: Bem, muitas das pessoas ligadas a editoras como Galaxia, Xerais, Ir Indo, ou a própria RAG acho que têm feito um grande dano à língua, que se tornou simplesmente num pequeno negócio privado local e pronto. Quando há uma mudança de governo, imediatamente se mexem para continuar na mesma posição e sempre apoiam qualquer movimento que não permita dar um passo para o reintegracionismo, daí mesmo o apoio dado ao atual secretário-geral de política linguística.

Pelo positivo, eu nomearia o professor Estraviz e, ainda, o professor Montero Santalha. Ambos, vultos que não têm sido o bastante reconhecidos simplesmente por serem reintegracionistas. Outros nomes, Camilo Nogueira, embora lhe falte dar o passo defintivo. Noutro campo, posso nomear pessoas muito dignas como Isaac Diaz Pardo, Avelino Pousa Antelo ou o mesmo Neira Vilas.

E para acabar, eu quero esclarecer que o governo bipartido anterior tem uma grande responsabilidade naquilo que está a acontecer hoje com a língua e nem só, embora nem tudo fossem erros. Mas o governo bipartido foi muito sectário e, para mim, perdeu as eleições por isso.

José Paz acompanhado pelo Vítor M. Lourenço e o Xavier Castelhanos

P: Como enxergas linguisticamente a Galiza da geração que estar a nascer hoje em dia, uma geração que, pela primeira vez na história, tem o português da Galiza como língua menorizada mas também minoritária?

R: Se se der o passo para a alternativa do reintegracionismo eu acho que há futuro, se realmente a partir desse caminho dermos valor à língua, então há hipótese. Eu cada vez que vou à Catalunha sempre me dizem o mesmo: “se nós tivéssemos a língua com o potencial que tendes vós…”

É preciso termos pessoas com sensibilidade reintegracionista em postos importantes. Como se consegue isso? Pela minha parte ponho tudo para conseguir abrir caminho e posso dizer que a militância não partidária, em determinados assuntos, pode ajudar. Eu falo por experiência própria, eu ideologicamente tenho a minha posição mas nesta altura não milito em organização política nenhuma.

Penso que para a nossa terra era muito importante que houvesse uma força como o que CiU representa para a Catalunha. Era importante que tivéssemos uma força que fosse chave e com um mínimo sentimento galego. Devemos ter em conta que a maioria da construção da história e do pensamento é feito de Madrid, falando mesmo em cadinho de culturas a nível internacional mas não respeitando nem fomentando isso internamente.

P: Então, na Galiza o desafio pedagógico do futuro para a língua é o de chegarmos às pessoas que já não têm o galego como língua materna. De que maneira podemos conseguir isso?

R: A maneira tem que ser pela via da utilidade e com a norma ILG-RAG não é útil. Eu tenho certeza que a seu tempo as pessoas que conceberam isso para o galego sabiam bem o que faziam. Mas, sinceramente, continuo sem entender bem por que tomaram esta decisão, tendo certeza que houve pessoas que de maneira inconsciente e de boa fé aderiram a essa aposta, mas outras estiveram bem conscientes do que faziam e das consequências que acarretava isso.

Pessoas como Garcia Sabell são responsáveis máximos mas, como já indiquei, também os modernos partidos nacionalistas. Eu estive numa juntança no ano 81 ou 82 em Santiago no local da UPG, nem lembro agora a data certa, e chegamos a um consenso de admitirmos, por exemplo, na ortografia “nh”, “lh”, “ç”, “-m”… e pensamos: “Ótimo, a UPG admite tudo isso”. Na manhã seguinte tinham mudado totalmente e tudo o acordado ficou em águas de bacalhau. Entre as pessoas dessa reunião estavam Francisco Rodríguez, Pilar Garcia Negro, Manuel Ferreiro…

Acho que essa decisão foi uma decisão totalmente entreguista e não consigo, nem que seja nos dias de hoje, saber qual a causa última da mesma. Eu tenho que dizer que o passei muito mal naqueles anos; simplesmente por ser reintegracionista soube o que era sofrer discriminaçom.

Tenho inúmeros exemplos disso, como a tentativa de fazermos umas jornadas para todo o mundo expor as suas argumentações a respeito das propostas para o galego e recebermos respostas como a de Constantino Garcia “nós não debatemos nada enquanto tivermos o poder”. O Luís Álvarez Pousa está de testemunha para afirmar que o que eu digo é totalmente certo.

P: Vamos à segunda das tuas paixões, ou melhor ainda, à profissão de toda uma vida. Professor na Universidade ensinando as pessoas que vão tomar o revezamento no ensino… mas, qual é o teu modelo de ensino?

R: Realmente pessoas como eu somos conhecidos como formadores de formadores. Enfim… há quatro tipos de aprendizagens: as racionais que têm que ver com o juízo, o pensamento, a causa-efeito; as associativas, as das ciências sociais (geografia, história, arte…); as motóricas que têm a ver com o manejo de instrumentos, com a datilografia…; e as apreciativas, as que têm que ver com o sentimento e a emotividade. Estas últimas estão totalmente esquecidas, sendo como são as que realmente podem fazer mover o mundo, as que fomentam o diálogo, a compreensão entre as pessoas e as que permanecem ao longo do tempo.

Quero deixar claro que todas estas aprendizagens são importantes, mas para mim deveríamos fomentar por cima de tudo as aprendizagens apreciativas. É um pouco o pensamento pedagógico de Gandhi. Eu eliminaria a maior parte do currículo atual para fomentar mais as atividades lúdicas e artísticas, muito esquecidas no nosso ensino. Gostaria, pois, de um ensino mais humanista; eu nas minhas aulas ponho da minha parte para conseguir isso.

José Paz conversa com Daniel V. Ribeira e Xavier Castelhanos

P: Então, temos um ensino concebido como tal ou apenas está ao serviço do statu quo? E aprofundando mais, existe na realidade uma Universidade galega ou, então, apenas existem três pólos universitários espanhóis na Galiza?

R: As doenças da Universidade na Galiza são as doenças gerais que padece a Universidade como instituição a nivel mundial: deixou de ser universitas, há uma grande endogamia, não são escolhidos os melhores docentes… A linha atual da universidade é pensar mais no técnico, em muitos casos apenas no técnico e menos, mesmo muito pouco, no social.

Falando nisso, as críticas feitas ao Plano Bolonha são totalmente certas: pensa-se mais nas empresas do que em formar mentes. Mas também os planos de estudos são péssimos pois a maioria deles são feitos em função dos interesses do professorado e não do alunado. Queremos um bom plano? Apanhemos o plano da República e adaptemo-lo aos dias de hoje.

Ora, contudo não é tudo negativo. Para o caso galego há uma notícia muito boa nos últimos tempos: ela é que por fim as seis universidades da Gallaecia vão fazer planos conjuntos: as três da Galiza e as três do norte de Portugal. Na reunião de Braga acordaram fazer as teses e masters em todas as universidades, com titulações comuns.

Igualmente, pelo positivo, a Universidade galega não é negativa totalmente a respeito da língua. Em termos gerais, não foram das piores instituições, bem ao contrário.

P: Por volta do ensino um outro pedido arriscado. És capaz de salientar três nomes de ensinantes que se tenham realmente destacado como tais na Galiza e, por extensão, no mundo?

R: Na Galiza a nível teórico foram grandes pedagogos Castelão, Risco e Joám Vicente Biqueira, formado na Instituição Livre de Ensino. Foi um grande mestre lá onde esteve Otero Pedrayo. A nível mundial o primeiro para mim é Tagore, o Leonardo da Vinci do século XX: pintor, músico, escritor… Tagore, como ensinante na prática, era fantástico: ensinava conforme os princípios da bondade, educando na generosidade; da verdade e da beleza em todos os campos (da música, da natureza, das pessoas…).

Outros grandes pedagogos foram o francês Freinet; ou Paul Paul Geheeb, um dos poucos inteletuais alemães que não apoiou Hitler, fundador da magnífica escola de Odenwaldschule (por sinal, ainda funciona hoje em dia e no próximo 14 de abril comemora o seu centenário); o brasileiro Paulo Freire; o catalão Ferrer i Guàrdia… ou a experiência britânica de Summerhill também é de destaque, com Neill como grande pedagogo.

É claro que se pode intuir que eu prefiro um ensino em total liberdade antes do que um sistema rígido com um professor como magister. Por desgraça, nos dias de hoje caminhamos à inversa e sistemas que são colocados como modelos, como o atual modelo britânico, são absolutamente rígidos, sem deixarem qualquer liberdade nem ao professorado nem ao alunado.

P: Paixão pela Índia, umas das ditas potências a nível mundial do chamado grupo BRIC. O que tem de especial a Índia para ti, tendo em conta que para a nossa mentalidade europeia e ocidental é uma sociedade muito distante e, até, muito classista e machista a certos títulos?

R: Bem, eu quero salientar aqui os valores positivos, são eles de que podemos aprender. Eu de que gosto realmente da Índia é de Bengala, embora também me interesse a Bengala independente da Índia: Bangladesh. O caso de Bengala e do Bangladesh é muito similiar ao da Galiza e Portugal, pois a língua é a mesma de um lado do que do outro.

Quero lembrar que Bangladesh conseguiu a independência, em grande medida, graças à língua e mesmo o dia da língua materna é uma comemoração nascida a partir do Bangladesh, onde têm um monumento dedicado ao mártires da língua de grande orgulho nacional. Lembro, ainda, que Tagore é bengali, e que Bengala tem muito influência nossa, com mais de 80 palavras de origem galego-portuguesa, muito apelidos…

Falando mais na língua, a mim parece-me que na índia a Academia de Letras de Déli é um exemplo no respeito pela pluralidade linguística. Na Índia têm também problemas, claro, são reconhecidas mais de 20 línguas no Estado, mas em termos gerais, por enquanto, o ambiente é de mais tolerância do que eu percebo pelos nossos lares, onde apenas com quatro parece impossível o convívio.

O professor José Paz é um defensor do ensino lúdico

P: Fala-nos um bocadinho mais… por exemplo, da presença portuguesa naquelas longínquas terras.

R: Com certeza, em Bengala há uma presença portuguesa muito importante. Quando eu lhes digo que sou mesmo de um país muito próximo de Portugal, com a mesma língua, todo o mundo fica encantado, pois os portugueses são muito bem vistos, a sua presença lá foi mais respeitosa e não acarretou uma colonização assovalhadora como aconteceu com a presença inglesa. Quando lhes explico a problemática galega, percebem imediatamente, pois é como a deles com o Bangladesh.

O amor à língua em Bengala, e ainda mais no Bangladesh, é realmente impressionante. Apelidos como Gomes, da Cunha, Rodrigues, Mascarenhas… podem ser encontrados entre as gentes bengalis… bem como palavras como chave, balde, varanda, armário, chá, saia… utilizadas frequentemente no idioma, escritas, é claro, com a sua grafia, mas com o mesmo significado do que nós lhe damos.

Na zona ocidental da Índia as pessoas que estudam dominam hindi, bangla e inglês, mas o bangla é a língua de comunicação social em Bengala. Lembro que tem 83 milhões de falantes, mais 120 milhões no Bangladesh. Como digo, em Bengala percebem de imediato a problemática galega, além disso eles também têm hoje a influência do hindi como nós temos a do castelhano; e também têm o inglês, para eles idioma oficial mas também sabem que é o idioma da colonização responsável direto pela deturpação de muitos dos seus topónimos e dos seus apelidos que agora estão a recuperar.

P: E de Goa, fica qualquer coisa lá da presença portuguesa?

R: A respeito de Goa, território que visitei uma única vez, tenho que dizer que quero voltar lá para investigar sobre Telo de Mascarenhas, tradutor de Tagore. O caso é que na vez que visitei Goa fiquei muito surpreendido. Além de ser muito lindo e de ter uma visível presença portuguesa de 450 anos, pude verificar como o pessoal ficou muito zangado com Portugal, por terem sido abandonados e deixados sem mais em mãos da União Indiana.

É chamativo, mas agora há muitos investigadores das universidades portuguesas que voltam a Goa para fazer diversos estudos. Por sinal, em Goa ainda há pessoal de mais de 50 anos que fale português, muito transparente para nós. Eu sempre que apanhava lá um táxi teimava em subir só naqueles em que eram guiados por pessoas por volta dessas idades, sabia que não ia ter problema para me comunicar com eles em galego.

P: Professor Paz, há quase duas horas que estamos a conversar. Mais nada e muito obrigados…

R: Obrigado eu a vós, sem dúvida.

 

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