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José André Lôpez Gonçález: “Escrevim sobre o Apalpador porque via um mundo que estava a desaparecer diante dos olhos”

PGL (*) – Alberto Pombo e Diego Bernal deslocárom-se até Madrid para conversar com José André Lôpez Gonçález. Este galego afincado em terras castelhanas é, em certa maneira, o ‘pai’ do Apalpador, pois sem o seu contributo, publicado no Portal em 2006, possivelmente este personagem teria caído no definitivo esquecimento. Oferecemos-lhes a seguir um extrato desta frutífera conversa.

P: O estudo que escreveste sobre o carvoeiro mágico do Courel, o Apalpador, cobrou umha dimensom pouco usual num trabalho destas caraterísticas, e supujo a reivindicaçom, por parte de múltiplos setores, da recuperaçom da figura, mesmo por parte de instituições autonómicas. Algumha vez pensaste que um estudo como o referido chegaria a cobrar tal magnitude na sociedade galega?

R: Nom, nem muito menos. Eu sinto-me muito feliz de que umha parte do ser da Galiza, umha expressom cultural se estenda por todo o País. Isto orgulha qualquer pessoa que seja consciente. Nom é polo simples facto de eu ser autor de um determinado artigo, mas por isto estar a acontecer, cousa que me parece sã para o País.
Ora bem, esse estudo está feito desde a pena, desde a lástima, porque eu o que via um mundo, o rural, que está a desaparecer à vista dos olhos, e que esse mundo tem umha série de tradições que morrem com cada idoso, o qual acontece de forma mais rápida nas zonas mais orientais da Galiza. Som precisamente as zonas orientais e a mais ocidental da costa que mantêm as tradições mais antigas e genuínas.

Entom, este personagem, praticamente estava a desaparecer… Eu ainda conheço aldeias nas quais se celebra, algo que haverá que estudar mais em profundidade. Como também cantar os Reis, que eu isso vim-no com os meus olhos em Seoane do Courel. Mas, claro, a gente jovem agora nom fai isso. Foi por isso, desde a mágoa, que figem esse trabalho, pois achei que se ninguém o fazia, o Apalpador morreria no esquecimento.

A partir daí, foi a Gentalha do Pichel a que deu em recuperá-lo, e continuárom outras associações… e mesmo uns contos formossíssimos e escritos numha linguagem preciosa editados polo Heitor Rodal.

P: Existem diferentes formas de designar este personagem popular, Pandigueiro, Apalpador… qual achas que é a forma mais adequada?

R: Qualquer umha delas é boa… o importante aqui é o personagem. O que acontece? Que tem três nomes, ou dous nomes e meio, porque no Courel e no Berzo chama-se Apalpador, nos Ancares Apalpa-barrigas e na Terra de Trives, Pandigueiro. Ora bem, para mim, parece que Apalpador é o nome que se lembra mais, mas tampouco que nom se perda na Terra de Trives o nome de Pandigueiro, que é um nome muito latino, vem de umha raiz “pantix”, que evoca “curvar”, e é um nome muito acaído porque no solstício de inverno é quando se curva o tempo.

Apalpador evoca simplesmente o facto, de apalpar as barrigas… cousa, por sinal, tamém muito cristã, pois na Bíblia conta-se que Jesus Cristo impunha as mãos também nas dos seus seguidores, polo que nom tem nada de nojento. O que me parece nojento é que os Reis Magos fagam carantonhas às crianças no seu colo… mas claro, um é galego e os outros de Oriente…

P: Houvo também polémica a respeito da representaçom gráfica do Apalpador. À primeira, feita polo pintor Leandro Lamas e difundida polas associações culturais de base, acrescentou-se um outro desenho, impulsado por entidades oficiais. Achas importante a unificaçom gráfica do carvoeiro?

R: Acho. É mais, o que me parece que reflete de umha forma muito fiel o que é o imaginário popular, é a figura do Apalpador/Pandigueiro que realizou Leandro Lamas. O outro pode estar muito bem para filmes de ciência ficçom, com todos os respeitos para o autor, que decerto o faz com toda a melhor vontade, e com todos os respeitos para quem se tenha vestido dessa maneira. Ora, isso nom reflete, nem muito menos, o que no imaginário popular é o Apalpador.

P: O Apalpador está localizado numhas áreas muito concretas da Galiza. Achas que no passado tivo umha presença territorial maior?

R: Sem dúvida. É um personagem universal dentro do mundo indoeuropeu, isto é, exatamente igual a outros que se podem achar mesmo na Índia, e na linha do Pai Natal, o Olentzero… personagens de similares caraterísticas. O que aconteceu? Foi quedando reduzido às zonas, dentro do País, mais inacessíveis. Nada há de estranho que as zonas mais inacessíveis, como Lôuçara, Courel, Berzo, Terra de Trives… em definitiva, regiões de montanha, sejam as que mantivérom o personagem, em tanto outras zonas com maior comunicaçom com o exterior, perdêrom-no nalgum momento.

É algo que haveria que investigar em profundidade, ainda que a situaçom na Galiza com os arquivos é absolutamente nefasta. Também se haveria que perguntar como havendo tais orçamentos nas universidades galegas, ninguém reparou antes na existência do personagem, mesmo quando Taboada Chivite já escrevera umha pequena resenha.

P: Centros sociais de lugares tam diversos como a Gentalha do Pichel, de que falavas antes, Baiuca Vermelha de Ponte Areias, Fundaçom Artábria de Ferrol ou Aguilhoar de Ginzo, têm promovido alargadamente nas suas respetivas comarcas a figura do Apalpador. Como valorizas esse trabalho?

R: Esse trabalho é fundamental. Som associações que o vam resgatar, dar-lhe valor, dar orgulho de termos umhas tradições que som nossas, nem melhores nem piores que de outros lugares. Ora bem, o que se está a passar na Galiza e no resto do mundo é umha aculturizaçom que afeta a todos… mesmo aos norte-americanos, porque esse Pai Natal que anda pendurado nas janelas, nem norte-americano é, que é simplesmente da Coca-Cola!

Há umha aculturizaçom por parte de umhas grandes empresas, e frente a isso estám colocando o que é do povo, radicalmente contrário à cultura das empresas. Daí que as críticas tam terríveis ao Apalpador sejam sobretudo dos espanholistas, tam azérrimos.

P: José André é um histórico na defesa do reintegracionismo lingüístico. Como vês a evoluçom do movimento reintegracionista nos últimos anos?

R: É que isto é claro! A Galiza fala galego e, portanto, permanece como povo que pode dar ao mundo, e receber, muitas cousas. Galiza perde o galego e converte-se em mais umha província hispanófona e desaparece. Galiza é Galiza pola língua. Quem está a manter esta chama da importância de sermos um povo é, logicamente, o reintegracionismo. Infelizmente, o isolacionismo aposta por integrar lingüística, cultural… em toda ordem, Galiza ao resto do Reino.

Frente a isso, há umha postura de nos achegarmos aos interesses que tem a maior parte do povo galego: a Lusofonia. Mesmo os intercâmbios económicos da Galiza som mormente com o norte de Portugal, e nom com Madrid. Eis onde está a diferença fundamental. Por que querem que a Galiza se implemente, se impulsiona de umha forma definitiva o espanhol? Pois porque é necessária mão de obra, e um espanhol-falante pode ir trabalhar a Madrid ou Valhadolid sem qualquer problema. Claro, um galego-falante teria mais problemas, mas muito menos para se incorporar à grande área do Porto. É nesta dicotomia onde está em jogo a vida da Galiza.

P: O que pouca gente sabe é que José André é um dos dirigentes do MIA, no qual a aposta pola estratégia galego-luso-brasileira é evidente. A unidade lingüística tem sido de utilidade para visibilizar a luita nacional da Galiza no âmbito lusófono?

R: Sim, porque nós recebemos nos correios eletrónicos do MIA informações, sugestões, cousas curiosas que lhes acontecem… mesmo localizar o que é a Galiza, especialmente por parte dos brasileiros. Aí há 200 milhões de pessoas, mas o que nós vemos como fundamental é o Brasil, que vai ser a futura potência económica.

Dos brasileiros é de quem mais correios recebemos, e perguntam-nos acerca das cousas da Galiza, e vem normal que cá se fale umha variedade da língua portuguesa. E vem também muito arcaísmo, o qual é certo, e os responsáveis do MIA querem-nos manter. Cada vez camadas mais importantes da sociedade brasileira estám a saber que a Galiza e norte de Portugal é onde nasceu a língua portuguesa, e cada vez procuram mais acerca das suas origens.

P: Falando em língua, foi aprovado, nom sem dificuldades, um Acordo Ortográfico para a língua portuguesa. Achas que a Galiza deveria ter um padrom próprio reintegracionista ou assumir o AO?

R: Umha língua tam universal tem de ter um padrom único e universal. Isto nom quer dizer que determinado vocabulário, expressões ou a conjugaçom verbal deva ser idêntica, porque umha cousa é ter um padrom e outra é a uniformidade que, mesmo, nem nas propostas do AO existe a uniformidade. É falso, por exemplo, o que dizem alguns em Portugal de que se o Acordo promova o sotaque brasileiro, que tampouco é desconhecido graças às novelas. Nada muda a respeito das vogais abertas ou fechadas, que Portugal e Brasil conservarám como atualmente.


(*) Entrevista gravada e cedida por Alberto Pombo e Diego Bernal. Transcrita e formatada polo PGL. Fotografia de José André Lôpez Gonçález cedida por ele próprio.

 

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