Filgueira Valverde defendia em 1930 a Lusofonia

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Está-se a produzir na Galiza uma imensa polémica provocada pela decisão da RAG da rua das Tabernas corunhesa de lhe dedicar a Filgueira Valverde as Letras Galegas de 2015. Muitos não se dão conta que a RAG, com a maioria dos membros que a formam e os seus três últimos presidentes, cumpre o papel que se lhe encomendou: afastar-nos do mundo linguístico a que pertencemos, já desde o verão de 1982, em que fora tomada pelo ILG e pela máfia da cultura galega para impor uma norma ortográfica infame que tanto dano tem feito ao nosso idioma.

Resulta curioso que fora precisamente Filgueira Valverde quem, como presidente do Conselho da Cultura Galega, assinara o famoso decreto de normativa (castelhanista e isolacionista) antes de que existira a lei (fato que não passou nunca em qualquer país do mundo, pois antes são as leis e depois os decretos que as desenvolvem, como sabem os bons juristas). Naquela altura, em contra de toda a tradição galeguista, seguiram-se as direções de dous professores da universidade compostelana, Ramón Lorenzo e Constantino Garcia (este, ademais, asturiano que falava muito mal o galego), totalmente errados e em contra da Romanística mais elementar.

Pouco antes de que Filgueira assinara aquele engendro, fomos recebidos por ele no seu escritório de Compostela. Eu lembro-me bem, pois fum um dos que assistiu, e também ia a professora Henriques, embora não lembro se foram também os professores Gil, Estraviz e Montero Santalha. Entregamos-lhe um depoimento em nome das entidades que representávamos, no qual lhe sinalávamos que era um grande error aplicar a normativa do ILG, pois ia fazer um grande dano ao nosso idioma e ao futuro do mesmo. Ele foi muito educado com nós e eu sei que durante uns dias teve acima da mesa o decreto para assiná-lo, o que ao final fez, não sem ser antes pressionado, entre outros, por Ramón Piñeiro, com quem também falámos. Filgueira era inteligente e intuía os problemas que ia criar ao nosso idioma aquela normativa, imposta sem qualquer debate.

Não entro em valorar agora de Filgueira a sua “carreira” política durante o franquismo, tema sobre o que já têm falado muitos em numerosos artigos nas últimas semanas e em diferentes jornais. O que surpreende é que, em 1930, Filgueira defendia a Lusofonia e, por certo, sempre gostou do grande Camões e a sua obra magna Os Lusíadas, da lírica medieval galaico-portuguesa e de outros autores portugueses.

No número 10 de A Fouce, periódico galego publicado em Buenos Aires o dia 15 de abril de 1930, na sua página 2, sob o título de “A Fala Galega”, publica Filgueira um muito interessante artigo em que, de forma diáfana, defende a Lusofonia. Em anexo a este meu depoimento junto cópia do mencionado artigo, que aconselho vivamente aos meus leitores seja lido e analisado, pois não tem desperdício. Para os que somos lusófonos e reintegracionistas, o periódico A Fouce é uma publicação indispensável. Há muitos artigos a favor da Lusofonia (e não só o de Filgueira), a favor de termos uma escola e uma universidade autenticamente galegas e de tudo o que representa Galiza para os galegos bons e generosos. No mesmo, entre outros, publicam Biqueira, Fernández del Riego, Álvaro das Casas, os irmãos Vilar Ponte, Risco, González Leuter, Otero Pedraio, Castelão, Tobio, Paz Andrade, Soares Picalho, Ben-Cho-Shei e, como já comentamos, Filgueira. A Fouce publicou-se de janeiro de 1926 a julho de 1936, um total de 88 números, com números especiais dedicados ao 25 de Julho, Dia da Galiza. Era o vozeiro da Irmandade Nazonalista Galega de Bos Ares (Argentina), que mais tarde passou a denominar-se Sociedade Nazonalista Pondal. A ING foi fundada em agosto de 1923 por Blanco Amor e Ramiro Ilha Couto. Em 1925 continuam com a entidade Manuel Oliveira, Moisés de Presa, López Pasarón e Lino Pérez. Em 1926 criam A Fouce para ser o seu vozeiro.

Da RAG não critico a decisão, pois está no seu papel. O que sim critico fortemente desde há tempo, porque me parece uma grande infâmia, que não lhe tenham dedicado a Carvalho Calero ainda um Dia das Letras Galegas, como bem merece. Aproveito para agradecer vivamente àqueles académicos que na última juntança foram os que apoiaram e fizeram a proposta de nomeação para o grande professor Ricardo Carvalho. E no seu dia, ao presidente del Riego, o único que o apoiara com o seu voto naquela altura.

A FALA GALEGA por Filgueira Valverde (miniatura)
A FALA GALEGA por Filgueira Valverde (A Fouce, nº 10, 15 de abril de 1930, pag 2)