Cidade da Cultura, ícone da Galiza

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P. Lameiro
P. Lameiro

Há uns quantos anos, durante o governo PSdG/PSOE-BNG, perguntarom-me num meio de comunicação a minha opinião sobre a Cidade da Cultura. “Um disparate felizmente reconduzido”, respondim, com esperança projetiva. Passou o tempo.

Nunca tivem simpatia por aquele lugar, confesso. Nem eu nem muitas pessoas. Por muitas razões, que nascem já do destroço dum monte. Glosar aqui a megalomania, o excesso, o desnecessário, o ostentoso do projeto não vale a pena porque acho que é dado assente.

Numha investigação levada adiante polo Grupo de Investigação Galabra a que pertenço, na USC; a Cidade da Cultura aparecia, aos olhos daquele conjunto que mais diretamente poderia pensar-se ser beneficiário dela, a cidadania de Santiago de Compostela, como um lugar pouco representativo da cidade, até quase 5 pontos doutra Zona, a Nova (o Ensanche), que, no entanto, vai emergendo como espaço crescemente querido e emblemático, e que, tempo atrás, era posto como exemplo do rejeitamento consensual a espaços da cidade. Como espaço individualizado (não genérico), a Cidade da Cultura era o espaço mais citado polas pessoas de Compostela (14%) como resposta à pergunta “Na procura do Santiago verdadeiro, a que lugar não iria nunca”? Imagem dum painel da exposição central do projeto expositivo, subsidiado pola Cámara Municipal, de alguns resultados de investigação do Grupo Galabra “A Cidade, o Camiño e nós”, que estivo na Alameda de Santiago de Compostela, entre maio e julho de 2019.

Imagem dum painel da exposição central do projeto expositivo, subsidiado pola Cámara Municipal, de alguns resultados de investigação do Grupo Galabra "A Cidade, o Camiño e nós", que estivo na Alameda de Santiago de Compostela, entre maio e julho de 2019.
Imagem dum painel da exposição central do projeto expositivo, subsidiado pola Cámara Municipal, de alguns resultados de investigação do Grupo Galabra “A Cidade, o Camiño e nós”, que estivo na Alameda de Santiago de Compostela, entre maio e julho de 2019.

Visitei o Gaiás outras vezes, assistindo a algumha exposição, recentemente com a família, a dar um passeio, ir aos balouços… Provavelmente, irei mais vezes, agora que se anuncia ficar ali albergado, no edifício Domingos Fontán, o denominado CISPAC, um centro de investigação sobre Paisagens Atlânticas Culturais, assuntos do meu interesse profissional e pessoal…

Fazer daquele espaço um lugar massivo e popular é um belo desafio. E será bom. Deixará atrás a melancolia das origens. Justificará melhor todo o dinheiro investido e o que ainda há que investir. Será prático e terá o bom senso de reutilizar um quase mausoléu para um projeto massivo e vertebrador nacional, fomentando a sua apropriação.
Fazer daquele espaço um lugar massivo e popular é um belo desafio. E será bom. Deixará atrás a melancolia das origens. Justificará melhor todo o dinheiro investido e o que ainda há que investir. Será prático e terá o bom senso de reutilizar um quase mausoléu para um projeto massivo e vertebrador nacional, fomentando a sua apropriação.

As vistas da cidade e do entorno são, para mim, extraordinárias. O espaço é extensíssimo, incluindo o natural. Dá para bons passeios. Fiquei a pensar que, quando passem algumhas gerações, que retenhem/retemos a memória do esbanjamento, do gasto inútil e caprichoso, aquele espaço pode chegar a converter-se numha bela e querida representação da Galiza. Se a centros de investigação, a exposições, a assuntos prendidos a um determinado entendimento da cultural, restrito e elitista (dito isto sem caráter pejorativo), se unir umha proposta popular, integradora e inclusiva da entidade nacional galega. Lembro que, tempo atrás, circulavam valiosas ideias, como o dum centro mundial da emigração. Desde há muitos anos, penso que poderá acolher um grande museu e laboratório de saberes da Galiza, que recolha tudo o que @s galeg@s inventarom ao longo do tempo e, também e fundamentalmente, todos os saberes quotidianos e extraordinários, que nos trouxerom, até aqui; língua e configuração do território, claro; e desde a orientação e construção dumha casa ou os modos festivos a jeitos de cozinhar, aos sistemas de rega e muitos outros inventos, como os matrecos.

Fazer daquele espaço um lugar massivo e popular é um belo desafio. E será bom. Deixará atrás a melancolia das origens. Justificará melhor todo o dinheiro investido e o que ainda há que investir. Será prático e terá o bom senso de reutilizar um quase mausoléu para um projeto massivo e vertebrador nacional, fomentando a sua apropriação. Muitos espaços na história forom edificados à custa do bem-estar da gente quando não sobre a opressão da gente. Reutilizá-los, fazê-los da gente é um modo de restituição e um ato de justiça histórica. E um modo bem prático de contribuir para o bem-estar das pessoas e a sua coesão social.

[Este artigo foi publicado originariamente em vivacerzeda.com]