Os nomes das mulheres

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Abri a revista pela página marcada. Publicada em 1987, bom papel, tábula gratulatória, língua portuguesa. Era uma revista maciça, compata, perigosa como arma de arremesso. Abri e comecei a que parecia ingrata tarefa: procurar nomes de mulheres. Foram aparecendo Rosa Valente, Adela Figueroa, Mª Carmo Henriquez, Iolanda Aldrei, Belém Vieites, Elvira Souto, Mª Dores Arribe, Maria José Pinheiro, Manuela R. Cascudo, Júlia Bastos de Oliveira, Adriana Castillo, Luiza Cortesão, Cristina de Mello, Ana Mª Fontenla, Maria Luísa Garcia, Aracéli Herrero, Aurora Marco, Fátima Rezende…

Pois não eram poucas mulheres na defesa da língua do lado reintegracionista nos 80, matinei. A revista é que era demasiado volumosa. Claro, uma homenagem a Carvalho. Na capa três lápis de grafite adornados no estilo Nós, um algo menos refinado, por colunas de nenas e nenos sustentando o peso uns dos outros, subindo no espaço apoiadas de maneiras impossíveis como alegoria da passagem e relevo das gerações.

Depois fui à asséptica aranheira onde flutuam os dados sem sabores tipográficos nem cores de papel, mas expostos harmónica e ordenadamente. E nos índices doutra famosa revista galega procurei de novo nomes de mulheres. Entre 1985 e 2000 apareceram Fátima Mendoça, Pilar Palharês, Sílvia Capom, Mª Carmo Cozinha, Victoria Diehl, Luzia Dominguez, Eva Espinheira, Mª Jesús Facal, Raquel Bello, Mª Cristina Fernandez, Helena Fidalgo, Marta Garcia, Henriqueta Mª Gonçalves, Carme F. Perez-San Julián, Pilar Garcia, Lídia Gutiérrez, Teresa Iglesias, Maria Paula Lago, Susana Losada, Isabel Magalhães, Mª Amparo Tavares, Kathleen March, M. Theresa Abelha, Noelia Meizoso, Lénia Mongelli, M. Assunção Monteiro, Dalma Nascimento, Iolanda Outeiro, Felisa Rodriguez, Helena Sanchez, Celina Silva, Glória Soneira, Neves Brisaboa, Rosa Taboada, Cristina Mª Borges, Dores Valcárcel, Luísa Villalta, Mª Carmen Villarino, Mª Teresa Echenique, Victoria Atencia…

Estava a ficar sem alento. Numa vista de olhos levava mais de cinquenta nomes na maior parte desconhecidos para mim. Fora de toda dúvida, tinha havido muitas mulheres na defesa da língua no último terço do século XX. Então fiz memória e, continuando aquela listagem, comecei a escrever os nomes das mulheres que conheci por ter coincidido ou trabalhado com elas nos últimos tempos, ou por ter lido os seus trabalhos recentemente. E anotei Concha Rousia, Irene Veiga, Iolanda Mato, Luzia Cao, Paloma Fernandez, Rosário Mascato, Ugia Pedreira, Noemi Vazquez, Lola Canosa, Belém Fontal, Jeanne Pereira, Mar Lopes Gonçalves, Antia Cortiças, Belém de Andrade, Alice Nozeda, Ro Palomera, Mulheres Nacionalistas Galegas, Jéssica Beiroa, Laura Bugalho, Cristalina Rodriguez, Antia Balseiro, Conas Ceives, Raquel Miragaia, Lucia Helena Sá, Maria D. Pinheiro, Comba Campoy, Rosa Martins, Mariola, Patricia, Cristalina, Alicia, Montse…

Há um ano a Teresa Moure passou voando por cima de todos os preceitos editoriais e no passado mês de maio apresentou em Lisboa dous livros, sendo que escreveu três desde que atravessou a encruzilhada. Mesmo mês de maio em que a Maria Castelo apresentava em Compostela a beleza dos seus poemas com uma pequena mas elegante editora. E a Maria Dovigo organizava no Centro Nacional de Cultura lisbonense uma homenagem a Rosalia, proclamando o Dia das Irmandades da Fala com poetas vindas de todas as partes da Lusofonia.

Então, por que motivo as reintegracionistas temos essa incómoda sensação de estar sozinhas, de sermos poucas, de não termos voz nos coletivos? Por que quando Susana S. Arins põe sobre a mesa a necessidade de despirolizar esta ou aquela associação assentimos com um sorriso cúmplice, como a dizer “é bem certo”? Por que se fundam mais entidades com um mínimo de membros femininos e sem voz social? Onde é que estamos que não nos vemos? Onde nos temos protegido, aonde temos fugido? Que nos fizeram? Quando nos apagaram? Como nos feriram e nos esqueceram?

Adivinho mil-e-uma-noites de silêncios por trás de muitos desses nomes. Silêncios irados e calmos, raivosos e apagados, curtos e longos, definitivos, distraídos, indiferentes. Silêncios forçados, contestatários, submissos, ferozes e mansos, de coração quebrado, de punho fechado, de mão ausente. Silêncios de engano, de desconfiança, de desagrado, de porta-muro. Orgulhosos, respeitosos, formosos, atentos, compreensivos, dignos. Impercetíveis e estrondosos, motivados e desmotivados, aliviados e torturados. Silêncios silenciosos e silêncios gritantes como ferida que se abre.

Lamento que a minha ignorância e o vosso silêncio nos afastem. Lamento não poder nomear-vos a todas. Lamento não conhecer-vos, não termos falado sobre o que pensais e fazeis, como organizastes a vossa vida, as causas de entrardes no silêncio. Dai-vos por invocadas na mesma. É preciso sair, cumpre aparecer. Nunca fomos prescindíveis. Sempre fomos necessárias. Somos necessárias.

(*) Opinião publicada originalmente no n.º 138 do Novas da Galiza, na seção Língua Nacional.