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Os direitos das crianças e concretamente das meninas, com o filme ‘A Maçã’

A Maçã (fotograma)Tal como comentei no depoimento anterior, o dia 20 de novembro celebra-se em muitos países do mundo a Declaração Universal dos Direitos das Crianças. Considero fundamental que nos estabelecimentos de ensino dos diferentes níveis, se organizem atividades educativo-didáticas, artísticas e lúdicas, ao redor de tão importante comemoração. Com a finalidade de sensibilizar os estudantes sobre o tema da infância e a sua situação no planeta e nos diferentes países e continentes. Apresento a seguir os 10 Princípios básicos da mencionada declaração, oportunamente resumidos e sintetizados para que possam ser compreendidos por todas as crianças:

  1. Todas as crianças são credoras destes direitos, sem distinção de raça, cor, sexo, língua, religião, condição social ou nacionalidade, quer sua ou de sua família.
  2. A criança tem o direito de ser compreendida e protegida, e devem ter oportunidades para seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. As leis devem levar em conta os melhores interesses da criança.
  3. Toda criança tem direito a um nome e a uma nacionalidade.
  4. A criança tem direito a crescer e criar-se com saúde, alimentação, habitação, recreação e assistência médica adequadas, e à mãe devem ser proporcionados cuidados e proteção especiais, incluindo cuidados médicos antes e depois do parto.
  5. A criança incapacitada física ou mentalmente tem direito à educação e cuidados especiais.
  6. A criança tem direito ao amor e à compreensão, e deve crescer, sempre que possível, sob a proteção dos pais, num ambiente de afeto e de segurança moral e material para desenvolver a sua personalidade. A sociedade e as autoridades públicas devem propiciar cuidados especiais às crianças sem família e àquelas que carecem de meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias numerosas.
  7.  A criança tem direito à educação, para desenvolver as suas aptidões, sua capacidade para emitir juízo, seus sentimentos, e seu senso de responsabilidade moral e social. Os melhores interesses da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais. A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito.
  8. A criança, em quaisquer circunstâncias, deve estar entre os primeiros a receber proteção e socorro.
  9. A criança gozará proteção contra quaisquer formas de negligência, abandono, crueldade e exploração. Não deve trabalhar quando isto atrapalhar a sua educação, o seu desenvolvimento e a sua saúde mental ou moral.
  10. A criança deve ser criada num ambiente de compreensão, de tolerância, de amizade entre os povos, de paz e de fraternidade universal e em plena consciência que seu esforço e aptidão devem ser postos a serviço de seus semelhantes.

Para este meu segundo depoimento dedicado à Declaração dos Direitos das Crianças, escolhi um filme iraniano, baseado num facto real em que duas meninas permanecem encerradas durante os seus onze primeiros anos de vida pelos seus pais, que levam até as últimas consequências a sua interpretação particular e fundamentalista da doutrina muçulmana. Dito filme foi realizado em 1998 pela famosa realizadora iraniana Samira Makhmalbaf.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

  • destaque A MaçãTítulo original: Sib(A Maçã / The Appel / La manzana).
  • Diretora: Samira Makhmalbaf (Irã-França, 1998, 86 min., a cores).
  • Roteiro: Samira Makhmalbaf e Mohsen Makhmalbaf.
  • Fotografia: Mohamad Ahmadi e Ebrahim Ghafori.
  • Música: Música popular iraniana. Produtora: Hubert Bals Fund (Irã-França).
  • Prémios: Festival Internacional de Locarno: Prémio Fipresci e Menção Especial do Júri.
  • Atores: Massoumed Naderi (Massoumed), Zahra Naderi (Zahra), Ghorban-Ali Naderi (o Pai), Azizeh Mohamadi (a Mãe) e Zahra Saghrisaz (a Assistente Social).
  • Nota: Grande parte do filme pode ser visto (com legendas em português) entrando aqui.
  • Argumento: O filme narra a história de duas irmãs gémeas que ficaram aprisionadas em casa por onze dos seus treze anos de vida. Vítimas da obediência extrema a um preceito do Alcorão que reza que “meninas são como flores que, expostas ao sol, murchariam”, foram libertadas após uma denúncia feita pelos vizinhos e publicada nos jornais. Samira Makhmalbaf, uma menina de 18 anos, decide filmar o processo de libertação e adaptação das irmãs à vida social. Este processo é marcado por muitos desafios e descobertas do mundo externo como andar nas ruas, ir à feira, conviver com outras crianças, tudo balizado por um novo prazer de viver. As cenas são fortes e comoventes, revelando a descoberta da liberdade e da vida. Vale a pena!

AS MENINAS SÃO MAIS DISCRIMINADAS:

O filme conta a história real de duas irmãs gémeas que viviam isoladas, até os 11 anos de idade, dentro de casa, e mesmo a porta tinha até uma grade com cadeados, da sociedade e do mundo externo, eram proibidas de sair à rua e neste período nunca tiveram contacto com outra pessoas a não ser os pais, não recebiam estímulos nos primeiros anos de vida, e por isso não apresentavam um desenvolvimento cerebral esperado, por falta de interação com o meio e com outras pessoas, algumas áreas foram comprometidas como a motricidade e a linguagem. O pai, um velho desempregado, superprotegia as filhas e ainda tinha que cuidar da esposa, que era deficiente visual. Na primeira cena do filme, vemos uma mão que tenta, com dificuldade, regar uma plantinha. Há um impedimento, a mão peleja, mas só uma parte da água cai no copo. Mais adiante, saberemos que o impedimento fora oriundo de problemas de coordenação motora. A partir de um abaixo-assinado organizado pelos vizinhos, o assunto passa a ser conhecido pelos jornais e pelas autoridades. Uma assistente social é designada para fazer com que os pais respeitem as definições da justiça: que às meninas lhes seja dada a liberdade. O que no começo parece pura idiossincrasia paterna vai aos poucos revelando-se como uma complicada teia de preconceitos, fanatismo e jogos de poder. Primeiro vemos a justificação filosófica para mantê-las presas. Depois, mais tarde, o verdadeiro motivo: o domínio da mulher que era cega, e que apoiou a decisão do marido, isolando as crianças do mundo, mas que aparece como a verdadeira força (do mal) oculta no filme, uma força sem cara (ela aparece sempre encapuchada), para defender o antigo modelo, em contraposição ao novo modelo, defendido pela assistente social. Desde a visita da assistente social as crianças descobrem o sentido da liberdade ao andar pelas vizinhanças e ter os primeiros contactos com outras crianças, é com a maçã, e mais tarde com o espelho, que a assistente social declara o seu cuidado.

Tal como venho de comentar, o primeiro plano do filme não poderia ser mais revelador de todo o contexto do filme. Uma flor precisa de ser regada, e uma mão do alto do plano tenta jogar água de uma caneca, mas há algum impedimento (fora de campo) que faz com que apenas um bocadinho de água consiga realmente chegar ao seu objetivo. De facto, A Maçã será a tentativa de fazer com que essa flor possa ser regada livremente, que a mão que rega a planta possa ter toda a liberdade. Um filme contra os entraves da liberdade? Também. O primeiro filme de Samira Makhmalbaf surpreende menos pelo formato com mistura de documentário-ficção, já comum nos filmes do seu pai, do que pela subtileza com que ela mostra as suas personagens, com o intrincado e um tanto insólito desenrolar dos acontecimentos.A história da qual o filme parte é-nos dita logo no começo do filme: um pai prende suas duas filhas em casa porque a mãe é cega. Mais tarde intervêm os vizinhos e acode uma assistente social para obrigar os pais a dar liberdade às suas filhas. O que no começo parece pura idiossincrasia paterna vai aos poucos revelando-se como uma complicada teia de preconceitos, fanatismo e jogos de poder. Primeiro vemos a justificação filosófica para mantê-las presas: diz o Livro que as meninas são como pétalas de flor que se desmancham em contacto com o Sol. Depois, mais tarde, o verdadeiro motivo: o domínio da mulher, cega, para defender o antigo modelo, em contraposição ao novo modelo, defendido pela assistente social. Poderia-se dizer que A Maçã é um filme feminista? Parece que não. O filme é, isso podemos dizer, um assunto de mulheres, dentro de uma sociedade machista. De facto, elas são tudo que move o filme, e os homens, o pai e o vendedor de sorvetes, estão na história apenas como atualizadores de um sistema.Mas há em A Maçã uma beleza bruta, desconhecida. Beleza documental, na que olhamos as meninas embrutecidas pelo tempo de clausura: elas não falam direito (quase uivam!), movimentam-se estranhamente, não sabem utilizar o dinheiro… Mas há algo que as humaniza em primeira instância, em que a função parece confirmar-se imediatamente. É o sorriso delas, o gosto de conseguir sair pela rua, de brincar selvagemente com as meninas mais ricas, de comer as maçãs resultantes de sua primeira compra…

Um dos maiores problemas criado nas duas meninas pela sua forçada reclusão é o desenvolvimento do cérebro, da linguagem e da motricidade. O cérebro de uma criança não nasce pronto. Ele se desenvolve desde a sua conceção e se modifica ao longo da vida. Isso acontece por causa da neuroplasticidade, que é a capacidade que os neurónios têm de fazer novas sinapses e conexões cerebrais. Os estímulos recebidos durante os primeiros anos de vida é que vão fazer com que novas e mais conexões se estabeleçam. Quanto mais estímulos, mais conexões e, consequentemente, maior possibilidade do cérebro criar condições para realizar determinadas habilidades.

Infelizmente, em países em que domina o fanatismo e fundamentalismo religioso, nomeadamente muçulmano, as meninas têm que suportar marginações tremendas e um trato totalmente imoral e injusto. Em muitos casos não são escolarizadas, e muitas vezes permanecem quase sequestradas nos seus lares. Tudo, por aplicar inflexivelmente e sem refletir princípios recolhidos no Alcorão. Conculcando a diário a dignidade de meninas e mulheres e não respeitando os seus direitos mínimos. Nem, claro está, a Declaração Universal dos Direitos das Crianças. A causa do abuso sobre as meninas protagonistas do filme é o fanatismo e as normas religiosas, onde o pai aplicou a lei muçulmana de forma cruel e estúpida, mantendo as suas filhas durante muitos anos afastadas de todo contacto com qualquer outro ser humano, mesmo de sua mãe e outros familiares, que não tinham qualquer aceso às meninas, e menos ainda os vizinhos. O pai estava preocupado pela honra das filhas e não queria que estivessem expostas às pecaminosas influências do mundo exterior, enquanto ele estivesse fora de casa. A sua esposa cega, também concordava com ele, de manter fechadas as filhas num quarto de três por quatro metros. Ao crescer entre grades e paredes de uma casa pobre de Teerão, sem banhar-se, sem aprender a caminhar corretamente e emitir grunhidos inarticulados no lugar de palavras, o estado com que as encontraram era deplorável, apestavam, não podiam andar e falavam com ruídos que só compreendiam elas. Os pais comentaram que queriam protegê-las do mundo exterior e afastadas do olho masculino. Aplicando muito rigidamente o mandato que lhe ensinara a tradição religiosa. O pai, para apoiar os seus comentários e defender a sua atuação, tirou da gaveta um vetusto livro intitulado Conselhos aos Pais, que fora o que inspirara a sua “política doméstica”. Entre outras cousas, no livro podia ler-se: “A mulher é uma flor que murcha ao sol e o olhar dos homens é esse sol”. Por desgraça, este terrível preceito é aplicado rigidamente em muitos lugares da Terra. Conheço os casos do Bangladesh, especialmente da sua capital Daca, onde a maioria das mulheres não saem à rua, permanecendo fechadas nos seus lares. O mesmo que se passa no bairro muçulmano de Calcutá, e segundo o filme de Samira também no Irão. É de supor que o modelo contra a mulher também é praticado em outros países com governos fanáticos, onde muitas mulheres, se saem à rua o fazem vestidas com o “burka”. E ainda mais grave é o caso das meninas de países centro-africanos que, à força, lhes praticam a ablação do seu clítoris, um imenso crime bastante estendido. No filme de Samira, entre outros, mostra-se como se conculcam os direitos das crianças relativos à discriminação por sexo e religião, e que nenhuma criança pode ser privada da sua liberdade de maneira arbitrária, impedindo a sua escolarização. Também o direito à vida e a desenvolver a sua personalidade. O poder reunir-se com seus iguais, não maltratar ou atuar com violência as crianças, favorecer o seu crescimento físico, mental, espiritual e social, direito à amizade, a brincar e a frequentar a escola, e deixar que as crianças se desenvolvam positivamente num ambiente adequado.

O QUE ACONTECEU COM AS MENINAS PROTAGONISTAS:

A Maçã (legendado)O caso das gémeas Naderi ficou conhecido no mundo inteiro através do premiado filme A Maçã de Samira Makhmalbaf. Uma das descrições está no site dos cineastas da própria família Makhmalbaf, não está datado, mas provavelmente teriam passado 6 anos depois do filme e as meninas estavam com 19 anos: Masoumeh e Zahra Naderi, as duas meninas protagonistas na vida real e no filme, tinham desenvolvido um atraso social devido a estarem presas em sua própria casa por 11 anos (dos 2 aos 13 anos de idade). Depois de seu primeiro sucesso, que foi o de protagonizar o filme, agora elas obtiveram mais um sucesso. Outra família as adotou e as portas se abriram para elas. Elas têm ido para a escola e, eventualmente, este ano Masoumeh e Zahra Naderi foram escolhidas como alunas ilustres da terceira série do ensino fundamental de sua escola com a média de 19/90 para Masoumeh e 20 para Zahra. Masoumeh quer ir para a universidade e estudar engenharia elétrica, Zahra tem a intenção de se tornar uma engenheira civil. Atualmente, as duas meninas já devem ter uns 28, mas as informações que se seguem também são da mesma época citada acima quando elas ainda tinham 19 anos: A irmã que se chama Zahra ainda vive com seu pai, ela gostaria muito de ser uma diretora de cinema como Samira Makhmalbaf, mas atualmente trabalha em uma oficina de costura perto de sua casa. Ela gosta muito de fazer tarefas domésticas, como cozinhar e limpar. A outra irmã que se chama Massoumeh, já está casada e tem sogros muito amáveis que a respeitam muito e ela também está feliz com seu marido. Após o lançamento de “A Maçã” (1998), o pai da diretora ,Mohsen Makhmalbaf doou uma parte do dinheiro arrecadado com o filme para o pai das meninas, Ghorban Ali Naderi, que receberam cuidados de ONGs e foram adotadas temporariamente por outra família. Mas depois de alguns anos, o pai pediu de novo pela guarda das filhas, mas após todo o processo de restabelecimento social a família vive muito melhor do que antes.

TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR:

Utilizando a técnica do Cinema-fórum, podemos analisar o filme da jovem diretora iraniana, do ponto de vista formal (linguagem fílmica, planos, movimentos de câmara, etc.) e de fundo (mensagem que tenta transmitir e atitudes que manifestam as diferentes personagens do mesmo). Entre as atitudes convém incidir nas que mostram o pai, a mãe, a assistente social e as duas meninas. Estas, quando estão em cativeiro, e depois quando ficam livres e conhecem “o mundo real”.

Elaborar uma monografia, consultando a internet, livros e revistas, sobre os países em que não se respeitam os direitos das crianças e em especial os das meninas. Incidindo naqueles lugares em que domina o fanatismo, o fundamentalismo e o machismo. Nomeadamente, por desgraça, nos de “cultura muçulmana”, onde os preceitos do Alcorão são interpretados ao pé da letra e sem refletir. Com o material recolhido podem organizar-se nos estabelecimentos de ensino amostras e exposições. Que podem enriquecer-se com textos, frases, aforismos, redações, poemas, canções, desenhos e fotografias da autoria dos estudantes.

Utilizando a técnica didática de Freinet da Biblioteca do Trabalho, em equipas e em grupos, seria interessante que os alunos elaborassem trabalhos ao redor do tema da situação das crianças meninas nos diferentes países de África, América e Ásia (Bangladesh, Irão, Afeganistão, Índia, Brasil, Bolívia, Paraguai, Iémene, Turquia, Somália, Senegal, etc.). Os trabalhos realizados podem depois ser policopiados.

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