Origem do nome Hespanha, historicidade do termo (I)

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Se se dizer, ao pessoal, que Portugal apresentou protesto diplomático em 1830, quando o estado peninsular que não é Portugal se definiu como Espanha, por se atribuir Castela (e suas dependências), um nome que pertencia a todos os peninsulares; a gente vai ficar surpresa.

Se um informar que o Supremo Tribunal de Justiça de esse mesmo outro estado peninsular,  até a reforma de 1874/76 se chamava Consejo de Castill(h)a, não vai entender muita cousa.

Se um apontar que Espanha não teve colónias americanas nunca, que em realidade quem as teve foi o reino de Castela, a surpresa ainda vai ser muito mais grande.

Logo que era o que se passava?

Pois o que se passa com todo termo que devém uma categoria histórica, que ela muda ao longo do tempo, e que ninguém que pretenda se exprimir com precisão, e mais se ele for cientista, pode projetar realidades do presente, ao passado, pois o resultado vai ser muito confuso, e vai projetar ideologemas subliminais.

O filósofo Michel Foucault, tratando isto com seus alunos, e a sua particular importância, acabou por escrever o seu livro, já ele um clássico, História da Loucura na Idade Clássica (Histoire de la Folie à l’Âge Classique), e nele amossa-nos perfeitamente, como uma ideia que semelha tão inteligível como é a da loucura, como ela ao virar uma categoria histórica, foi mudando no seu significado ao longo da história.

Hespanha também é uma categoria histórica, cujo significado mudou ao longo dos tempos, e seu significado tampouco foi a mesma cousa para os peninsulares, do que o era para Roma ou o para o Sacro Império Romano-Germânico.

Hespanha teve ao longo da história distintos significados, mudando o seu significado a cada altura, tal e como é próprio de qualquer nome quando ele acaba por ser uma categoria (social).

 

De onde viu isso de Hespanha?

Hespanha é um nome de origem fenícia, pois ainda que há algumas controversas sobre ele, o maior consenso, é que é de origem fenícia tal e como se aponta na wikipedia que diz que vem: Do fenício אי שפנים Î-šəpānîm, “ilha dos hiraxes”. Os colonizadores fenícios encontraram coelhos em abundância e confundiram-nos com os hiraxes (pequeno mamífero do norte da África), nomeando a Terra no dialeto canaanita. Desde aquela altura foi identificado o território numa interpretação popular como terra de coelhos.

Esse nome originariamente identificava a costa mediterrânica, o resto do território para aqueles navegantes estava inexplorado. Porém esse nome pronto foi apropriado pelos romanos, que  foram conscientes dele na sua chegada à Hespanha, no contexto das guerras púnicas; é dizer nas guerras com o império fenício de Cartago, e que ao adotá-lo à sua língua, transformaram-no em Hispânia.A medida que o território peninsular foi submetido pelos romanos, (a costa mediterrânica), a sua vastidão faz que o que era inicialmente uma província a tivessem que dividir, primeiro em duas províncias Hispania Citerior e Hispania Ulterior,

avanco-romano

Eis a temporização do avanço romano

Ao pouco de começar o período imperial romano, Hispânia passou a ser constituída por cinco províncias: Tarraconense, Cartaginense, Bética, Lusitânia e Gallaécia.

Avançado o império, e após a reforma de Diocleciano que reordena a administração imperial e às províncias, à Gallaécia incorpora-se pelo leste um novo convento, o Cluniacense, que era parte do que com esse nome pertencia à Tarraconense, e pelo sul, parte de outro convento da Lusitânia situado aquém do Douro, o Escalabitano.

A Lusitânia  também é reformada incluindo nela uma pequena fração do convento Cluniancense anteriormente da província Tarraconense, e uma fração significativa da Cartaginense. Pouco após essa divisão o cristianismo passa a ser a religião oficial do império, e a estrutura eclesial e moldurada sobre a estrutura política como uma luva. A titulo de exemplo olhem a província lusitânica e as dioceses dependentes da sua primaz Emérita (Mérida), em Portugal: Pace (Beja), Olissipona (Lisboa), Oxonoba (Silves), Elbora (Évora), Idigitania (Idanha a Velha), Conímbriga (Coimbra), Bisseon (Víseu). Em Castela: Caliabria (Segóvia), Salmántica (Salamanca), Ábula (Ávila), Cauria (Cória) e Numância (Não determinada, -terras a sul do Douro, Segóvia/Sória).

lusitaniaMapa da Lusitánia

E ao território da Hispânia, é incorporada uma sexta província norte-africana, a da Tingitânia. Essa será a Hispânia existente quando Roma ruiu.

 

Roma esvaiu-se

A queda do império romano foi um processo no que intervieram fatores muito diversos:

1- As mudanças climáticas que se produzem a partir do século II, e a grande pressão da fome sobre todo nas populações além das fronteiras do império.

2- O crescimento da desigualdade, com a libertação dos ricos e poderosos, incluída a igreja cristã -já oficial do império-, dos impostos, e a carga brutal deles sobre os homens livres, o que os levou a procurar protetores em troca da sua servidão.

Os anteriores pontos deram lugar a uma crescente pressão nas fronteiras, e crescentes contradições entre o custe de manter o império, com custes muito crescidos, e a (in)capacidade de gerar as receitas e os recursos de todo tipo necessários a esse fim.

Nessa crise, na Hispânia romana, imos ter consolidado o primeiro reino independente dentro do império romano. Esse reino que nasceu no ano de 411 em Braga, adota o nome de Gallaeciorum regnum, -reino dos galegos- tal é como foi denominado nos seus documentos.(A quem a historiografia académica de raiz castelhana, chama-lhe reino dos Suevos). E vai ser o seu desenvolvimento diferencial no quadro peninsular, o que vai estar na raiz profunda do nascimento individualizado do reino de Portugal, como exprime o professor Domingos Guimarães Marques na obra “Em Braga Foi Portugal Gerado”.

Um século depois, e já ruído totalmente o sistema romano, vai haver na Hispânia outro reino consolidado (507), este adota o nome da etnia que o senhoreia, os visigodos. Quando os concílios de Toledo, que se vão fazer seguindo o modelo dos concílios de Braga, vamos descobrir o que Hispânia significa na altura. Nesse momento, já não significa o que significava no império romano,  se não que se refere estritamente ao reino visigodo em parte do seu território de aquém dos Pirenéus, pois esse reino estendia-se por parte da Gália. E após a incorporação do reino dos galegos (585), nas atas dos concílios de Toledo, estão presentes os representantes civis e eclesiásticos da Hispânia, da Gallaécia, e da Narbonense ou Septimânia, sem se confundirem, e mantendo esses territórios, ainda estando sob uma única coroa, os seus sistemas de governo diferenciados.

E assim será no momento de desbordarem os seguidores de Maomé, sobre a península ibérica.

No ano 711 os exércitos muçulmanos, na sua guerra de extensão do islã, e devido às divisões nas elites visigóticas e a bagunça existente no reino, apoderam-se em muito pouco tempo da península ibérica, salvo do noroeste peninsular, onde o pagamento de tributo vai garantir certo grau de independência e continuidade. Essa Gallaécia, vai ser o único território na península no que todas as suas dioceses -desde Braga para o norte-, vão manter a continuidade da sua ocupação, sem sofrerem  as conturbações de esses tempos, no grau em que se deram no resto da península.

Nesse território do noroeste pronto vai nascer um novo reino que vai ter o nome de Galaécia, tanto na documentação do reino cristão, como na documentação dos outros reinos cristãos europeus por exemplo na documentação dos Francos e dos Saxões, como na dominação que figura na documentação muçulmana.

Nessa altura o significado de Hispânia, passa a ser de novo algo diferente; é o nome do território ocupado pelos muçulmanos, frente à Kalaikia (o nome muçulmano), do território sob dominação cristã.

 

Nascimento de Castela e Portugal, como nomes de espaços territoriais.

Afonso III (852-910), foi o primeiro grande rei, claramente expansionista e conquistador de territórios, tirando-os do controlo muçulmano, e que além disso enfrentou graves problemas internos, alguns dos quais questionavam a sua condição de rei.

No seu reinado, nos territórios que eram a marca do leste, nasce o Condado de Castela no ano de 867, num território –Alava e Biscaia- que atualmente é o País Vasco, e pronto aparece na documentação um tal Rui usufruindo o cargo de senhor  de Castela.

Sob este mesmo rei no ano 868, nasce o Condado Portucalense, na marca mais ao sul do reino, na cidade de Portucale, usufruindo o cargo o crunhês e impulsionador da sua criação, Vimara Peres primeiro conde de Portucale.

Afonso III por testamento, a sua morte dividiu o reino entre os seus filhos (910), o qual indica-nos que se estavam dando processos diferenciadores nos distintos territórios.

Deixa a Garcia, o filho mais velho, Leão, que abrange o leste do que era o seu reino, incluído o território de Castela. Garcia morre bem pouco mais tarde, no 914, com o que Ordonho na sua coroa passará a ter os dous reinos.

Para o segundo Ordonho (II) é a Galiza –o que nos fala de que era um território claramente individualizado do resto dos espaços da Kalaikia-, e que está limitado ao leste com Leão pelos chamados montes de Leão, e dele forma parte o condado Portucalense.

E para o filho mais novo Fruela, deixa as Astúrias, que incluíam grande parte do território atual de Cantábria, as chamadas Astúrias de Santilhana. Enquanto toda a parte ocidental da atual província espanhola das Astúrias, era do reino da Galiza formando parte da diocese de Mondonhedo, que vinha de ser criada.

A partir de esta divisão territorial individualizam-se os nomes dentro do reino, e só no âmbito exterior, como por exemplo no reino dos Francos ou na Hispânia (o espaço muçulmano), se seguirá chamando a todo esse espaço cristão, de Galécia/Kalaikia

 Castela como condado, não teve continuidade de pessoas exercendo tal título. Só no ano 931 com Fernam Gonçalves, ganha por primeira vez um certo poder autónomo.

Porém no ano 1028, na luta de fronteira entre os reinos cristãos, o Condado de Castela passa a estar submetido a coroa de Navarra e deixa pela primeira vez de depender do rei leonês, ao que mais tarde retornará.

O reino de Navarra como o de Aragão, e Marcas Catalãs, nasceram após a criação por Carlos Magno da Marca Hispânica. Isso fala-nos de que na corte culta de Aquisgrão, o sentido romano do nome hispânia era una realidade. Sobre o final do primeiro terço do século IX os senhores da marca ocidental, no território dos vascões, individualizaram um reino que se estendia a norte dos Pirenéus (baixa Navarra) e a sul, num reino, o de Navarra.

Para após a sua morte, o rei Fernando I (1065), o reparte o reino entre os filhos seguindo as individualizações dos territórios. A Sancho, deixou Castela, que por primeira vez aparece como reino ainda que por muito breve tempo e sem continuidade. A Afonso, Leão. E a Garcia, Galiza.

Garcia no seu breve reinado (1065-1071), vai-se enfrentar ao compostelanismo* ao apoiar sempre a Braga. Vai restaurar em Braga a sua condição de cabeça primaz, que fora delegada provisoriamente a Lugo, nos primórdios das invasões muçulmanas. Pensa Braga como o cerne dum reino mais submetido ao seu rei. Após a batalha do Pedroso (1070), suprime o Condado Portucalense, que já não voltará a ter mais condes,

mapa-2

Eis as fronteiras do Condado Portucalense no momento da sua dissolução, pois
quando mais tarde aparecer o reino de Portugal, as suas fronteiras também não vão coincidir com as do território do condado Portucalense, na sua raia norte.

 

Que é isso do Compostelanismo?

A criação do mito do apostolo São Tiago na  Hispânia, teve provavelmente origem na corte de Carlos Magno em Aquisgrão.  E foi escolhida Compostela, lugar na altura de peregrinagem Priscilianista (está lá sepultado Prisciliano? Muito provável, nas escavações feitas na catedral os restos achados eram priscilianistas).  Na medida em que Compostela (A compositam vilae, a vila bem feita -Joseph Piel 1989-) crescia e se consolidava, nasceu a sua projeção, que começa a ser importante ao se converter em sede do bispado, que é deslocado a essa localidade desde Íria no 1095.

O Compostelanismo é a vontade de converter Compostela na cabeça espiritual da península, e por tanto  fazer dela uma projeção que vai além da Galiza. O compostelanismo político realiza-se sendo determinante sempre nos poderes centrais peninsulares, pois ele aspira a determinar o que se faz na península, desde Compostela. O neo-compostelanismo pensa que a Galiza tinha um projeto de “hespanha” e que tinha uma vontade peninsular.

O compostelanismo é contra a Galiza, espaço constrangedor da sua vontade. O compostelanismo fez nascer Portugal como reação ao seu domínio. Para o compostelainimo o sucesso da Galiza, e agir em Castela como espaço da centralidade. Por isso para ele, um Portugal independente é dizer fora da órbita de Castela, deixa de existir. Um exemplo de neo-compostelanismo é a historiografia de Anselmo López Carrera e seus seguidores (isso não é incompatível com fazer achegas historiográficas de muito interesse)

Nada faz indicar que Garcia fosse um rei fraco ou incapaz, e tudo o contrário, o seu reino foi de toma de decisões e de ser homem de ação. Estou seguro que no seu sequestro e prisão, por parte do seu irmão Afonso (VI) rei de Leão, mediante uma cilada, provavelmente foi Compostela quem não suportava este rei, que urdiu o engano para o sucesso do sequestro.

O rei Afonso VII foi coroado por Gelmirez rei da Galiza e Toledo em 1111. No 1026 a morte da sua mãe Urraca é proclamado rei de Leão, e no 1027 em Burgos, de Castela. A partir do 1035 usa o título de imperador de Hispânia (sendo o primeiro rei que o faz). No 1139 Portugal se converte em reino.

Foi o conflito de Compostela com Braga o que deu lugar ao nascimento de Portugal em Braga  no 1139

Braga foi cabeça da Galiza romana, da Galiza sueva, da Galiza cristã. Após a independência de Portugal as ordens religiosas a norte do Minho, -com a importância que isso tem- seguem em boa medida a depender de Braga, que é o cerne da Galiza; é dizer, por 1500 anos foi a cabeça do território galego.

Só após a guerra terrorista de Castela contra a Galiza que não constituiu Portugal, guerra de 1476 a 1489 se impõe manu militare a dependência de todas as estruturas religiosas do território, de Valhadolid e por suposto com todos os cargos castelhanos, num aspeito mais do que o cronista Jerónimo Zurita chamou a Doma e Castração do Reino da Galiza.

Na sua morte ordena repartir o reino entre os filhos-. Deixa a Sancho (II), Castela (1157 a 1158). A Fernando (II) deixa Leão, e a parte da Galiza que não constituiu Portugal e que seguirá usufruindo o nome de reino da Galiza.

Castela além de ter por segunda vez rei, esta monarquia alcança a continuidade como tal.

quadro

E que é Hespanha na altura… Pois um outro nome para a península ibérica toda

continuará