Ópera e sentir popular: de Milão a Barcelona

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A reação do público do teatro do Liceu de Barcelona pedindo a liberdade do presidente Puigdemont, e a de outros presos políticos, após a representação da ópera André Chénier, levou-me a escrever este breve post. Não pretendo comparar nem valorizar situações senão simplesmente falar da capacidade de gerar emoções coletivas que tem o teatro musical.

Constuma-se dizer que a ópera é um género elitista, apesar de ser nos séculos XVII e XVIII a única forma musical culta aberta à presença do público, frente aos concertos privados de música de câmara ou mesmo sinfónica dos palácios aristocráticos. Talvez fosse na Itália onde esta conexão entre a ópera e o sentir popular se vivesse de maneira mais intensa. Uma data emblemática de que imos falar é 9 de março de 1842, a estreia do Nabucco de Giuseppe Verdi.

Verdi levava uma temporada de pausa na sua produção de óperas -denominada por ele próprio “anos de galeras”- provocada pola morte da sua esposa e dos seus dous filhos num breve período de tempo. Um dia entregam-lhe um libreto assinado por Temistocle Solera, um peculiar personagem que, além de escritor, foi compositor, diplomata, espião… e outras cousas. Sem ter vontade de lhe pôr música, o libreto abre-se acidentalmente numa página onde lê: “Va, pensiero, sull’ali dorate”, isto é “vai, pensamento, sobre asas douradas”, o começo do coro dos escravos hebreus quem, presos dos babilónios, louvam o passado do seu povo, agora cativo. O compositor foi-se deitar, mas não conseguiu tirar este texto da cabeça, e o dia seguinte começou com a composição do seu Nabucodonosor.

A estreia da obra realizou-se no Teatro alla Scala, num Milão ocupado polas tropas austríacas, o qual provocou que o público identificasse o oprimido povo hebreu com o italiano e o babilónio com o império invasor. O “Va, pensiero” tornou esta ópera num sucesso dificilmente descritível na altura, aliás, esta peça converteu-se num hino não oficial da Itália. Em pouco tempo, popularizaria-se o berro “Viva Verdi!” em que o nome do compositor ocultava as iniciais de quem seria o monarca da reunificação “Vittorio Emmanuele Re D’Italia”. Proponho esta versão do “Va, pensiero” legendada em português:

Prova da importância deste coro para o povo italiano é o que aconteceu em março de 2011 na ópera de Roma durante a representação deste título, em meio duma forte crise política, social e económica. Após o canto do coro, o diretor musical, Riccardo Muti, dirige-se ao público referindo a frase “o mia patria, si bella e perduta” para lembrar que, se a crise acaba com a cultura, a pátria será talvez bela mas definitivamente perdida. Logo, concede a repetição do “Va, pensiero”, mas pede ao público cantar com o coro, o qual cria um ambiente dificilmente repetível num teatro. Eis este emocionante momento:

* texto originalmente publicado em notas.gal
Máis de Eliseu Mera