oblomovismo

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Em 1859, Ivan Alexandrovitch Gontcharov, após uma década de escrita, publicou Oblomov, esse genial romance que figura entre os maiores clássicos da literatura e no que perfilou a legendária personagem que lhe dá nome.

A história gira arredor da figura de Iliá Ilitch Oblómov, novo e rico senhor que mal sai da casa na capital e passa os dias de roupão, fazendo planos e refletindo, com não pouca inteligência, mas sem ter ânimo para os executar. Incapaz de fazer o que quer que seja, dia após dia, sem variação, num diálogo permanente consigo, com o seu idoso, cómico mas pragmático e laborioso servente Zakhar e alguma visita, raramente sai do seu quarto e da sua cama, ou só para ir deitar-se na chaise longue.

Acompanhado de todos os rasgos e atributos do herói, economicamente bem abastado e intelectual e fisicamente dotado, a sua vida decorre – com os amigos, a namorada, a gestão das suas propriedades e terras em declive e a sociedade à espera – numa letargia sonhadora, romântica e projetista. O interessante é que a personagem vive isso tudo, conscientemente, como um drama, mas sem ser capaz, no último momento, de passar à ação.

O aristocrata ocioso na sua câmara ficou para a cultura russa como protótipo do homem irresoluto. Mais que um protagonista de romance é um mito literário levantado à categoria de símbolo nacional explicativo. Para a abulia, inércia, esmorecimento, para a dramática irresolução e falta de iniciativa que o caracteriza, até a morte, há mesmo um conjunto de expressões na cultura russa arredor do conceito: “oblomovismo”. zahar-oblomov-harakteristika-geroya_2

O romance suscitou debate já no lançamento, pois foi interpretado como uma tentativa de retratar a elite russa. Depois passou a designar como conceito a apatia e a trágica negligência com que viviam, os nobres latifundiários e a elite, e em conjunto como alegoria das classes dirigentes na Rússia czarista colapsada, na fase histórica que antecedeu a revolução de 1917.

Vem-me à cabeça o grande herói do romance russo (que tanto tem a ver na base e como contraste com o “Jacintismo” de A cidade e as Serras, quanto com o “Solovismo” do nosso Adriam Solóvio em Arredor de si), ao tratar de procurar um conceito e imagem ajeitada para explicar a estratégia atual das grandes instituições da Galiza, do Governo galego, da oposição, sindicatos, do mundo cultural e editorial galego a respeito do desenvolvimento da lei Paz Andrade (nomeadamente no ensino) dentro da mais ampla e múltipla estratégia económica, social e cultural para a integração da Galiza na lusofonia, agora e nos vindouros anos.

Somos críticos com o PP porque não está a fazer cousa alguma em relação à CPLP, porque não desenvolve, na administração e no ensino, a lei Paz Andrade e também não no relacionamento económico, político, cultural com Portugal e o resto de páises de lingua portuguesa; somos porque na Estremadura espanhola (e talvez num futuro na Andaluzia e até na Castela fronteiriça) há uma estratégia de achegamento a Portugal, refletida em investimentos, colaborações e programas educativos.

Mas, e a oposição? O PSOE na Galiza encaminha-se cara a residualidade, não sei se em votos, mas quando menos programaticamente, com um discurso ausente em todas as questões e reivindicações nacionais galegas. Já não digamos em termos de língua.

No nacionalismo galego, por mais que levemos décadas a falar, debater e escrever, continua a  haver uma desproporção, em termos práticos, políticos e estratégicos, entre o esforço discursivo em relação (negação) à Espanha, e a nulidade de esforço e discurso em ampliar a relação no espaço lusófono. O reintegracionismo e a questão da língua portuguesa, continuam afastados (quando não rejeitados) da centralidade estratégica, orgânica, política, ideológica, quanto do uso e da participação direita na construção identitária.

Quanto aos representantes da autodenominada “Nova política”, no comando de algumas das mais importantes cidades da Galiza (começando por Santiago, integrante da UCCLA) desconhece-se que queiram jogar um papel extra-municipal, um papel de capitais do país e porta-vozes nos espaços internacionais de língua portuguesa de que fazem parte. Não têm estratégias ao respeito, ou não sabem o que dizer num cenário em que são colocadas ao nível de outras capitais mundiais, como o Luanda, Rio, Lisboa, Maputo… e onde poderiam dar valor e utilidade à Língua.

Uma das frases habituais é “nunca nos fam caso em Portugal”. Mas isto não é objetivo, como exemplificam tantas e mais iniciativas, tantas pessoas em tantos âmbitos da vida económica, académica, musical, artística e cultural. Porém, a Sociedade civil galega, ou alguns particulares a título pessoal, não podem nem devem substituir funções que correspondem a outros órgãos institucionais.

O investimento em direção à lusofonia é tão escasso, e a petição de reembolso, de rendimento imediato é tão habitual, que pouco se pode avançar sem uma grande virada estratégica.

Enfim, fantasias, talvez o negócio está aí e não enxergamos caminho, mas sempre fica a possibilidade de vendermos Samovarschaises longues pelos Paços de Inverno.

Publicado em A Viagem dos argonautas, 19,04,2018

Máis de Ernesto V. Souza