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O não diretivismo facilitador da aprendizagem na aula, segundo Carl Rogers

Rogers 5

 

Depois de ter dedicado cinco capítulos de “As Aulas no Cinema” a outros tantos educadores importantes, deixei para Carl Rogers (1902-1987) o sexto da série. Este psicopedagogo americano iniciara estudos de agricultura, que abandonou para seguir a carreira eclesiástica. Desenganado da sua vocação, estuda Psicologia Clínica em Colúmbia, sendo aluno de Kilpatrick. Em 1940 é contratado como catedrático pela Universidade de Ohio, iniciando uma meteórica carreira que fará de Rogers uma das personalidades mais conhecidas da psicologia americana.

A sua obra, influenciada por Kierkegaard e Martin Buber, pode incluir-se dentro da tendência humanística de A. Maslow e outros psicólogos americanos. Defende que o ponto final do desenvolvimento da personalidade consiste numa congruência fundamental entre o campo fenoménico da experiência e a estrutura conceitual do “eu”. O nível desta identificação assinala-nos o grau de maturidade alcançado pelo sujeito. O neurótico, porém, encontra-se num estado de desacordo entre a imagem do seu próprio “eu” e a experiência real do mesmo. É incapaz de compreender-se a sim próprio, porque comprova que se abstém de realizar as coisas que deseja fazer; desta forma, introduz na sua pessoa um estado de desorganização, resultante da insegurança que experimenta nos seus desajustes entre mundo interno e atuação externa. Ante este estado de coisas, Rogers afirmará que a reorganização não pode obrar-se senão por quem vive a experiência, ou seja, pelo paciente (o “cliente”, na terminologia de Rogers), surgindo aqui a necessidade terapêutica, que em Rogers é considerada como “não diretiva”. Com tal expressão referimo-nos à ação do terapeuta e ao clima conseguinte que deve criar-se nas sessões clínicas, com a aplicação da psicoterapia rogeriana. Através da não diretividade, pretende-se lograr no cliente um clima propício de confiança, um conhecimento de si próprio, ao qual há de seguir a autoaceitação para possibilitar a entrega, com independência e maturidade, cara aos demais.

A não-diretividade confundiu-se com o “laissez-faire”, embora Rogers nos advertiu de tal falsidade, já que a “não direção” refere-se essencialmente à abstenção de juízos de valor, mas não à ausência de compreensão, apoio e incluso ajuizamentos que possam lograr a definição vital do cliente. No entanto, para evitar confusões, Rogers substituiu o conceito de “não diretividade” pelo de “centrado no cliente”, mais indicativo do processo e do seu arraigo na experiência vivida pelo sujeito. A retradução pedagógica da sua teorização implica configurar um sistema não diretivo de educação baseado nas características próprias e necessárias para os grupos de encontro: capacidade empática do educador, autenticidade, conceção positiva e liberal do homem, maturidade emocional e compreensão. A aprendizagem facilita-se quando o aluno participa de maneira responsável no processo, já que se o aluno escolhe a sua própria direção ajuda-se a descobrir os seus próprios recursos; desta forma, a aprendizagem autoiniciada, ao abranger a totalidade da pessoa (a sua afetividade e a sua inteligência), é a mais perdurável por ser a mais comprometida. Com isto logrou-se, ademais, a aprendizagem do processo de aprender, o que significa adquirir uma continua atitude de abertura, fronte às experiências, e incorporar a si próprio o processo de mudança e de enriquecimento. As propostas de Rogers informaram numerosos trabalhos no campo da orientação escolar.

Carl Ransom Rogers nasceu em Oak Park, perto de Chicago, em 1902. Teve uma infância isolada e uma educação fortemente marcada pela religião. Tornou-se pastor e encaminhou os estudos para a teologia, quando começou a se interessar por psicologia. Na nova carreira, o primeiro foco de trabalho foram crianças submetidas a abusos e maus-tratos. Por essa época começou, por observação, a desenvolver as suas teorias sobre personalidade e prática terapêutica. Aos 40 anos publicou o primeiro livro. Seguiram-se mais de cem publicações destinadas a divulgar suas ideias, que ganharam seguidores em todo o mundo. Rogers quis provocar uma rutura na psicologia, dando a condução do tratamento ao cliente, e não temeu acusar de autoritários a maioria dos métodos hegemónicos na área. O pilar da terapia rogeriana são os “grupos de encontro”, em que vários clientes interagem. Rogers foi um dos primeiros a gravar e filmar as sessões de terapia. Morreu de um ataque cardíaco em 1987 em San Diego, Califórnia.

No campo da educação, Carl Rogers pouco se preocupou em definir práticas. Chegou a afirmar que «os resultados do ensino ou não têm importância ou são perniciosos». Acreditava ser impossível comunicar diretamente a outra pessoa o conhecimento que realmente importa e que ele definiu como «a verdade que foi captada e assimilada pela experiência pessoal». Além disso, Rogers estava convencido de que as pessoas só aprendem aquilo de que necessitam ou o que querem aprender. A sua atenção recaiu sobre a relação aluno-professor, que deve ser impregnada de confiança e destituída de noções de hierarquia. Instituições como avaliação, recompensa e punição estão completamente excluídas, exceto na forma de auto-avaliação. Embora anticonvencional, a pedagogia rogeriana não significa abandonar os alunos a si mesmos, mas dar apoio para caminharem sozinhos.

Em 2007, a produtora brasileira Atta Mídia e Educação, em colaboração com a Paulus Editora, sob a direção de Ana G. Queluz, realizou um interessante documentário dedicado a Carl Rogers, que serve de apoio aos comentários meus do presente capítulo, o sexto da série dedicada a grandes educadores.

FICHA TÉCNICA DO FILME-DOCUMENTÁRIO:

  • Título original: Carl Rogers.
  • Produtora: Atta Mídia e Educação (Brasil, 2007, 35 min., colorido, documentário).
  • Editora: Paulus Editora. Coleção: Grandes Educadores.
  • Roteiro e Apresentação: Ana Gracinda Queluz Garcia. Doutora em Psicologia Escolar e de Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo (USP), é mestra em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC- SP), com a dissertação “A pré-escola centrada na criança: uma proposta curricular”. Ana Gracinda foi professora, coordenadora e diretora, atuando desde a Educação Infantil até o Ensino Superior. É autora de diversos livros, entre eles: A pré-escola centrada na criança: uma influência de Carl Rogers, São Paulo, Pioneira
  • Argumento: Formado em História e Psicologia, aplicou à Educação princípios da Psicologia Clínica, área em que atuou por mais de 30 anos. Na Educação, Rogers representa a corrente humanista. Valoriza técnicas de intervenção facilitadora e considera fundamentais atitudes como a de uma escuta sensível e congruência por parte dos educadores para que possam ajudar na evolução de um ser humano, que é essencialmente bom e ávido por conhecimento. As suas ideias, um importante contraponto às comportamentalistas de B. F. Skinner, tornaram-se mais conhecidas no Brasil nos anos 70, principalmente a partir de grupos de estudos orientados pela educadora Rachel L. Rosenberg. É nessa época que Rogers dirige a sua atenção de maneira prioritária à educação, propondo uma pedagogia que valoriza a experiência e é centrada no aluno. Acredita que o aluno aprende melhor, é mais criativo e capaz de solucionar problemas quando encontra um ambiente humano e de facilitação.
  • Conteúdos do documentário: Biografia de Carl Rogers. Liberdade em sala de aula. Escuta sensível. Pessoa inteira, pessoa inacabada. Facilitação. Aceitação. O papel do professor. Poder pessoal. Aprendizagem significativa. Congruência. O grupo. Limites. Conteúdos.

APLICAÇÃO DIDÁTICA ÀS AULAS DA TEORIA DE ROGERS:

Seguindo as opiniões de Alexandre Pedrassoli que comparto, alguns dos conceitos presentes na obra de Carl Rogers podem causar confusão, pois ele emprega palavras de uso comum, porém, com outro significado. Ele dá muita importância ao relacionamento professor-aluno na aula, básico para conseguir aprendizagens positivas e avançar no aprendizado. Em concreto, afirma ser básico produzirem-se as seguintes atitudes por parte dos docentes:

  1. Congruência. No seu livro De Pessoa para Pessoa, assim define congruência: «Em primeiro lugar, a minha hipótese é que o crescimento pessoal é facilitado quando o conselheiro é aquele que, na relação com o cliente, é autêntico, sem máscara ou fachada, e apresenta abertamente os sentimentos e atitudes que nele surgem naquele momento. Empregamos a palavra “congruência” para tentar descrever esta condição. Com ela queremos dizer que os sentimentos que o conselheiro está vivenciando são acessíveis à sua consciência, que é capaz de viver estes sentimentos, senti-los na relação e capaz de comunicá-los, se isso for adequado. Significa que entra num encontro pessoal direto com o cliente, encontrando-o de pessoa para pessoa. Significa que ele é aquele que não se nega. Ninguém atinge totalmente esta condição; contudo, quanto mais o terapeuta é capaz de ouvir e aceitar o que ocorre em seu íntimo, e quanto mais é capaz de, sem medo, ser a complexidade de seus sentimentos, maior é o grau de sua congruência». Onde diz “conselheiro” devemos entender “docente” e onde diz “cliente” há que ler aluno ou estudante/discente.
  2. Empatia. Uma das últimas definições de Rogers sobre a empatia está no livro A Pessoa como Centro. «A maneira de ser em relação a outra pessoa denominada empática tem várias facetas. Significa penetrar no mundo percetual do outro e sentir-se totalmente à vontade dentro dele. Requer sensibilidade constante para com as mudanças que se verificam nesta pessoa em relação aos significados que ela percebe, ao medo, à raiva, à ternura, à confusão ou ao que quer que ele/ela esteja vivenciando. Significa viver temporariamente sua vida, mover-se delicadamente dentro dela sem julgar, perceber os significados que ele/ela quase não percebe, tudo isto sem tentar revelar sentimentos dos quais a pessoa não tem consciência, pois isto poderia ser muito ameaçador. Implica em transmitir a maneira como você sente o mundo dele/dela à medida que examina sem viés e sem medo os aspetos que a pessoa teme. Significa frequentemente avaliar com ele/ela a precisão do que sentimos e nos guiarmos pelas respostas obtidas. Passamos a ser um companheiro confiante dessa pessoa em seu mundo interior. Mostrando os possíveis significados presentes no fluxo de suas vivências, ajudamos a pessoa a focalizar esta modalidade útil de ponto de referência, a vivenciar os significados de forma mais plena e a progredir nesta vivência. Estar com o outro desta maneira significa deixar de lado, neste momento, nossos próprios pontos de vista e valores, para entrar no mundo do outro sem preconceitos».
  3. Consideração Positiva Incondicional. Se tudo que uma pessoa, neste caso o docente ou o discente, exprime (verbalmente ou não verbalmente, direta ou indiretamente) sobre si própria, é igualmente digno de respeito ou de aceitação, isto é, se não desaprova nem deprecia nenhum elemento expresso dessa forma, experimenta-se em relação a esta pessoa uma atitude de consideração positiva incondicional.
  4. Aprendizagem significativa em Psicoterapia. Rogers, na sua obra Tornar-se Pessoa, diz: «Por aprendizagem significativa entendo uma aprendizagem que é mais do que uma acumulação de fatos. É uma aprendizagem que provoca uma modificação, quer seja no comportamento do indivíduo, na orientação futura que escolhe ou nas suas atitudes e personalidade. É uma aprendizagem penetrante, que não se limita a um aumento de conhecimentos, mas que penetra profundamente todas as parcelas da sua existência».
  5. IRogers Aulamplicações práticas na aula. De forma esquemática, a seguir resenho as implicações didáticas da teoria de Rogers:
  • Necessidade da aprendizagem ser significativa, o que acontece mais facilmente quando as situações são percebidas como problemáticas, portanto pode-se dizer que só se aprende aquilo que é necessário, não se pode ensinar diretamente a nenhuma pessoa.
  • Autenticidade do professor, isto é, a aprendizagem pode ser facilitada se ele for congruente. Isso implica que o professor tenha uma consciência plena das atitudes que assume, sentindo-se recetivo perante seus sentimentos reais, tornando-se uma pessoa real na relação com seus alunos.
  • Aceitação e compreensão: a aprendizagem significativa é possível se o professor for capaz de aceitar o aluno tal como ele é, compreendendo os sentimentos que este manifesta, pois a aprendizagem autêntica é baseada na aceitação incondicional do outro.
  • Tendência dos alunos para se afirmarem, isto é, os estudantes que estão em contato real com os problemas da vida, procuram aprender, desejam crescer e descobrir, querem criar, o que, pressupõe uma confiança básica na pessoa, no seu próprio crescimento.
  • A função do professor consistiria no desenvolvimento de uma relação pessoal com seus alunos e de o estabelecimento de um clima nas aulas que possibilitasse a realização natural dessas tendências; portanto o professor é um facilitador da aprendizagem significativa, fazendo parte do grupo e não estando colocado acima dele; este também é um dos pressupostos básicos da teoria de Rogers, ou seja, o aspeto interacional da situação de aprendizagem, visando às relações interpessoais e intergrupais.
  • O professor e o aluno são corresponsáveis pela aprendizagem, não havendo avaliação externa, a autoavaliação deve ser incentivada; implica em uma filosofia democrática.
  • Organização pedagógica flexível.
  • É através atos que se adquire aprendizagens mais significativas.-A aprendizagem mais socialmente útil, no mundo moderno, é a do próprio processo de aprendizagem, uma contínua abertura à experiência e à incorporação, dentro de si mesmo, do processo de mudança.

A grande crítica à teoria de Rogers é feita pela utopia que ela implica, sua teoria é idealista, da corrente também denominada de romântica, irrealizável para seus críticos. Porém, na obra rogeriana são notáveis os seguintes aspetos: o desejo de mudança, a intenção de realização de algo concreto e a preparação da opinião pública para as mudanças possíveis. Uma crítica que se costuma fazer à influência de Rogers na educação é que suas ideias incentivam uma liberdade sem limites, permitindo que os alunos façam o que querem, levando à indisciplina e ao individualismo. Outra objeção comum, desta vez no campo teórico, é que Rogers via os seres humanos com excessiva benevolência, sem levar em consideração possíveis impulsos inatos para a agressividade, a competição ou a autodestruição. Baseado em sua experiência em sala de aula, podemos perguntar a um docente: qual é sua opinião? É possível fundamentar a prática pedagógica na ideia de que todo aluno tem tendência natural ao aprendizado e a relações interpessoais construtivas?

TEMAS PARA REFLETIR E ELABORAR:

Depois de olhar o documentário, organizar um debate-papo ou tertúlia, sobre os diferentes aspetos que sobre a figura de Carl Rogers aparecem no mesmo. Refletir sobre o seu pensamento psico-educativo e comentar, dando alternativas concretas, sobre como se poderia pôr em prática hoje nas nossas escolas uma didática prática para desenvolver entre os estudantes um modelo didático que tenha em conta as suas propostas.

Elaborar uma monografia, procurando informações em livros e na internet, sobre Rogers e o seu pensamento psico-educativo, incluindo na mesma as experiências práticas de escolas que hoje funcionam em diferentes países que desenvolvem modelos didáticos que, em grande parte, tratam de pôr em prática as propostas do investigador americano, defensor da não diretividade. Com fotos, textos, cartazes, retalhos de imprensa e materiais elaborados, poderia organizar-se nas escolas uma magna exposição sobre a sua figura e o seu pensamento pedagógico, incluindo as suas obras mais importantes.

Tomando como base o livro de Rogers Liberdade para aprender, organizar um “Livroforum” para comenta-lo e debater sobre as palavras, ideias educativas e propostas práticas que o pedagogo e pensador americano faz no mesmo. Podemos também analisar e apoiar-nos na sua entrevista publicada na revista Veja.

PARA SABER MAIS:

Entre as obras de Rogers publicadas na nossa língua podemos destacar as três seguintes:

  • Liberdade para Aprender, Carl R. Rogers, 330 págs., Ed. Interlivros.
    Psicologia & Educação: Revendo Contribuições, Vera Maria Nigro de Souza Placco (org.), 180 págs., Ed. Educ/Fapesp.
    Tornar-se Pessoa, Carl R. Rogers, 514 págs., Ed. Martins Fontes.

Em 1977 Rogers foi entrevistado pela revista brasileira Veja. De grande interesse pode ler-se dita entrevista entrando aqui.

 

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