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No Dia Internacional da Tolerância. Três filmes de Costa Gavras sobre a intolerância política

Dia Internacional Tolerância Cartaz2Cada 16 de novembro celebra-se o Dia Internacional da Tolerância. Esta jornada foi instituída pela ONU em reconhecimento à Declaração de Paris, assinada no dia 12 deste mês, em 1995, tendo 185 Estados como signatários. Foi instituída pela Resolução 51/95 da UNESCO. A tolerância é um dever e também uma virtude. As correntes humanistas de pensamento e ação, incluindo o cristianismo, defendem a prática da tolerância, como dever e como virtude. É dever porque consiste em aceitar todas as pessoas tais quais são, mesmo que não concordemos com elas ou nos desagradem. É virtude, porque não se limita à aceitação contrariada ou fatalista de outrem. A tolerância foi, e continua a ser rejeitada, muitas vezes, sobretudo pelo dogmatismo, pela ambição e pela sobranceria. Os dogmáticos extremistas entendem que possuem a verdade absoluta e portanto não podem ser tolerantes com quem a não possui. Forças e confissões religiosas e seus adeptos, têm sido vítimas e promotoras desta intolerância. O cristianismo também figura na história da intolerância, como vítima e como algoz. Também a ambição exagerada de poder, de riqueza ou qualquer outra não convive bem com a tolerância. Pelo contrário, tende a destruir os obstáculos surgidos no seu percurso. A sobranceria também é incompatível com a tolerância. A pessoa sobranceira coloca-se na posição de superioridade em relação a outras; só as tolera por uma espécie de condescendência e não pelo respeito que lhes é devido. É recomendável que a cultura e a prática da tolerância se baseie no respeito por cada pessoa e por toda a realidade.

A tolerância não implica a renúncia a certezas e convicções próprias. Exige, antes, que elas se esclareçam e se corrijam e atualizem sempre que necessário. A força das certezas e convicções não deveria ser utilizada para qualquer tipo de imposição; deveria, antes, contribuir para que surja igual esclarecimento das posições diferentes e para que o diálogo seja mais fecundo. A tolerância não se opõe à militância nem sequer à apologética e ao proselitismo saudáveis. Torna, porém, indispensável que nunca sejam desrespeitados as convicções nem a inteligência de outrem. A dialética própria da tolerância traz consigo a aproximação interpessoal, o respeito pela igual dignidade humana e, não raro, a cooperação entre posições diferentes. No seio das famílias, grupos, aldeias, bairros e outras comunidades, também existem fortes razões para o exercício da tolerância e respeito mútuos. As diferenças de sensibilidade e outras, são frequentes e abundam as manifestações de dogmatismo. Isso apela à aceitação mútua e ao diálogo franco, baseado na consciência de que ninguém possui o exclusivo da verdade.

Dia Internacional Tolerância Cartaz4Muito se pode e deve fazer desde as aulas, fomentando entre crianças e jovens o apreço pelos demais, o respeito pelas suas ideias (sempre que não atentem contra a vida das pessoas, que é sagrada), sociais, políticas ou religiosas; os valores de solidariedade, amizade, colaboração mútua, ajuda desinteressada e compreensão. Isto pode e deve também fomentar-se desde a primeira escola que é a casa familiar, e desde a terceira escola, que são os meios de comunicação, com uma importante responsabilidade neste tema.

Para tratar um tema tão básico escolhi desta vez três filmes do grande diretor grego-francês Constantin Costa-Gavras, presidente da Cinemateca Francesa desde 2007 e realizador de importantíssimos filmes de carácter social e político desde 1965. Nos três aparece refletida de forma diáfana e modelar a intolerância e as suas terríveis consequências. Contada cinematograficamente de maneira magistral por este cineasta, largamente premiado em numerosos festivais, e realizador em 2012 do seu último filme intitulado O Capital, em que, de forma muito acertada, apresenta as nefastas consequências da economia e crise do capitalismo, que nesta altura estamos a sofrer, especialmente no mundo ocidental. Olhando estes filmes fica absolutamente claro o grave que é para os seres humanos o não encontrar-se imersos dentro de um clima de tolerância e respeito por suas vidas e suas ideias.

FICHAS TÉCNICAS DOS 3 FILMES:

  1. Título original: Z (Z, a orgia do poder).
  • Z Cartaz1Diretor: Constantin Costa-Gavras (França-Argélia, 1969, 127 min., a cores).
  • Roteiro: Jorge Semprún, segundo o livro de Vassilis Vassilikos.
  • Fotografia: Raoul Coutard. Música: Míkis Theodorákis.
  • Produtoras: Valoria Films e Reggane Films.
  • Prémios: Em 1969 recebeu os seguintes: NYFCC Award de EUA nas categorias de melhor filme e melhor diretor; no Festival francês de Cannes Prémio do Júri e ao melhor ator (Trintignant) e foi indicado à Palma de Ouro. Em 1970, pela sua parte, estes: Óscar nas categorias de melhor filme estrangeiro e melhor edição (para Françoise Bonnot), sendo indicado também para melhor filme, melhor diretor e melhor roteiro adaptado; Globo de Ouro na categoria de melhor filme estrangeiro e Prémio Edgar na categoria de melhor filme.
  • Atores: Yves Montand (Deputado), Irene Papas (Helene, esposa do deputado), Jean-Louis Trintignant (Juiz de instrução), Jacques Perrin (Fotojornalista), Charles Denner (Manuel, correligionário do deputado), Bernard Fresson (Matt, correligionário do deputado), Pierre Dux (General Missou da polícia), Julien Guiomar (Coronel da polícia), Jean Bouise (Deputado Georges Pirou), Georges Géret (Nick, testemunha), Magali Noël (Irmã de Nick), Marcel Bozzuffi (Vago), Renato Salvatori (Yago), Clotilde Joano (Shoula), François Périer (Procurador) e Jean Dasté (Ilya Coste).
  • Argumento: O filme inicia-se com a advertência nos créditos iniciais de Costa-Gavras e Jorge Semprún que qualquer semelhança com eventos e pessoas da vida real não é coincidência pois é intencional. Suspense político, trata de fatos reais ocorridos em 1963 na Grécia. Em cenário político tenso, professor de medicina e deputado grego, um dos líderes da oposição, organiza juntamente com seus correligionários Shoula, Matt e Manuel e o deputado George Pirou, uma reunião pela paz e contra a permissão de instalação de mísseis balísticos americanos em território grego. Com dificuldades, a reunião é realizada mas ao concluir sua fala, o deputado é atropelado e acaba morrendo dias depois. A polícia conclui que foi um acidente mas há indícios que levam o juiz de instrução a suspeitar da versão da polícia e aprofunda a investigação. Com ajuda indireta de um fotojornalista, e testemunhas como Nick, ele consegue revelar uma trama de membros do governo grego, como o general de polícia, o coronel da polícia, outros militares e Yago e Vago, os autores do crime. São todos indiciados mas as testemunhas morrem em circunstâncias estranhas e os envolvidos são condenados a penas leves. Pouco tempo depois os militares lançam um golpe militar. O novo regime persegue os aliados do deputado morto, o fotojornalista e o juiz de instrução. Proíbem comportamentos e assuntos como a matemática moderna, liberdade de expressão, um montão de livros e a letra z, que em grego antigo significa “ele está vivo”.
  1. Título original: État de siège (Estado de sítio).
  • Estado de sitio Capa DVD1Diretor: Constantin Costa-Gavras (França-Itália-Alemanha Ocidental, 1973, 125 min., a cores).
  • Roteiro: C. Costa-Gavras e Franco Solinas, segundo o livro deste último.
  • Fotografia: Pierre-William Glenn. Música: Míkis Theodorákis.
  • Prémios: Recebeu em 1973 o Louis Delluc francês e o do Círculo de Escritores de Nova Iorque ao melhor diretor, sendo nomeado aos Globos de Ouro ao melhor filme estrangeiro.
  • Nota: O filme pode ser visto entrando em: www.youtube.com/watch?v=WkHAzHKxKbw
  • Atores: Yves Montand (Philip Michael Santore), Renato Salvatori (Capitão Lopez), O.E.Hasse (Carlos Ducas), Jacques Weber (Hugo), Jean-Luc Bideau (Este), Maurice Teynac e Evangeline Peterson.
  • Argumento: A história baseia-se em factos reais: o sequestro no Uruguai do agente americano Dan Mitrione e do cônsul brasileiro Aloysio Gomide pelos Tupamaros, em 1970. O filme foi filmado no Chile, então governado por Salvador Allende. Em Montevidéu, Philip Michael Santore, um funcionário americano da entidade AID, é raptado por um grupo de guerrilha urbana autodenominado Tupamaros. Mais duas autoridades são raptadas no mesmo dia, o cônsul Campos, do Brasil, e um outro, funcionário da embaixada dos Estados Unidos, sendo que esse consegue escapar. Durante o interrogatório pelos captores encapuchados, Santore se diz um simples técnico mas é confrontado com evidências de que sua missão real é instruir policiais de vários países sul-americanos, ensinando métodos questionáveis tais como tortura, intimidação e assassinatos sem julgamento, o que levaria a formação de Esquadrões da Morte, acobertados pelas autoridades. Enquanto Santore é mantido cativo, os sequestradores negociam com o governo a troca dos reféns por prisioneiros políticos, causando uma grave crise institucional e a quase renúncia do presidente do país.
  1. Título original: Missing (Desaparecido, um grande mistério).
  • Desaparecido Cartaz2Diretor: Constantin Costa-Gavras (EUA, 1982, 122 min., a cores).
  • Roteiro: C. Costa-Gavras e Donald E. Stewart, segundo o romance de Thomas Hauser.
  • Fotografia: Ricardo Aronovich. Música: Vangelis. Produtora: Universal Pictures.
  • Prémios: Em 1983: Óscar ao melhor roteiro adaptado e 4 nomeações, incluindo ao melhor filme; Palma de Ouro no Festival de Cannes ao melhor filme e ator principal; BAFTA do Reino Unido à melhor edição e roteiro; Prémio ALFS do Círculo de Críticos de Londres, escolhido por ele como filme, diretor e roteiro do ano, e 5 nomeações aos Globos de Ouro, incluindo ao melhor filme.
  • Atores: Jack Lemmon (Ed Horman), Sissy Spacek (Beth Horman), Melanie Mayron (Terry Simon), John Shea (Charles Horman, ‘Charlie’), Charles Cioffi (capitão Ray Tower), David Clennon (Cônsul Phil Putnam), Richard Venture (embaixador dos Estados Unidos), Jerry Hardin (coronel Sean Patrick), Richard Bradford (Andrew Babcock), Joe Regalbuto (Frank Teruggi), Keith Szarabajka (David Holloway),
  • John Doolittle (David McGeary), Janice Rule (Kate Newman), Ward Costello (congressista), Hansford Rowe (senador) e Tina Romero (Maria).
  • Argumento:roteiro é baseado no livro The Execution of Charles Horman: An American Sacrifice, lançado em 1978 por Thomas Hauser, que conta a história verídica de Charles Horman que vivia no Chile na época do golpe de 1973 que depôs o presidente Salvador Allende. O filme narra a história de Charles Horman, um jovem escritor e jornalista estadunidense que vive com a esposa Beth em Santiago durante o governo da Unidade Popular. Charles vive à custa dos artigos de jornais como The New York Times e The Washington Post que traduz para uma publicação considerada subversiva e, assim como todos os membros da redação desta, é levado para interrogatório durante o golpe de estado liderado pelo então comandante das Forças Armadas chilenas, general Augusto Pinochet. Mas Charles não retorna para casa. Ed, o pai de Charles, desloca-se para o Chile e, junto com Beth, retoma os passos do filho antes de desaparecer. Ambos buscam o apoio de órgãos governamentais tanto estadunidenses quanto chilenos, mas não o recebem de forma adequada e, pelo contrário, o que deveria ser um ponto de apoio se torna um obstáculo. Assim sendo, Ed, até então alienado sobre a política externa, começa a perceber que existem fortes indícios de que o governo de sua nação contribuiu para o golpe e, consequentemente, para o desaparecimento de seu único filho. Em uma discussão com os membros da embaixada dos EUA no Chile, Ed se lamenta por não ser cidadão de um país cuja embaixada ofereceu asilo aos perseguidos políticos. Por fim, Ed e Beth descobrem que Charles foi assassinado no Estádio Nacional e enterrado numa parede, uma maneira comum da repressão chilena esconder os corpos dos torturados. Revoltado, Ed tenta inutilmente processar Henry Kissinger, o então Secretário de Estado de seu país.

MENSAGEM DA UNESCO A FAVOR DA TOLERÂNCIA:

Irina Bokova, diretora-geral da UNESCO, por ocasião do Dia Internacional da Tolerância, em 16 de novembro de 2012, lançou à Comunidade Mundial a seguinte mensagem, que muito nos gostaria fosse tomada a sério. Eis as suas lindas palavras:

Diferenças não devem ser motivo de separação, mas sim de fortalecimento. Essa é a mensagem central do Dia Internacional da Tolerância 2012. Em um mundo de rápidas mudanças, em sociedades que são cada vez mais diversificadas, somos lembrados todos os dias da necessidade da tolerância. Os laços que conectam as pessoas e as sociedades multiplicaram-se, assim como as oportunidades de desentendimentos e tensões. Com a maior proximidade surgem mais ameaças que são exploradas por aqueles que buscam aprofundar cisões. O local está a um clique do global na era digital, o que cria novas e imprevisíveis vulnerabilidades em todas as sociedades. Nesse contexto, o chamado à tolerância nunca foi tão forte e, ainda assim, a tolerância é frequentemente mal compreendida. Tolerância não é indiferença a outros. Nem mesmo implica a total aceitação de toda crença e comportamento. Tolerância não significa menor comprometimento com as próprias convicções ou fraqueza de propósitos. A tolerância não é condescendente; ela não comporta a perspetiva implícita de que uma posição é superior a outra. A tolerância é tampouco inata, ou uma qualidade que alguns recebem enquanto outros são dela destituídos. A tolerância é um ato de humanidade. Ela é guiada por direitos humanos universais e liberdades fundamentais. Significa reconhecer a dignidade de outros como a base de sua própria. A tolerância é uma habilidade a ser cultivada e ensinada. Nunca deve ser dada como certa, pois é um compromisso a ser aprendido e renovado todos os dias. Essa é a missão da UNESCO: fomentar a solidariedade entre as fronteiras, entre todos os povos, fortalecer a humanidade como uma única comunidade reunida em torno de valores comuns. Trabalhamos por meio da educação para ensinar tolerância e entendimento a crianças, além do significado de ser cidadão global, e a nova iniciativa Educação em Primeiro Lugar do secretariado-geral das Nações Unidas é importante nesse contexto. Protegemos o patrimônio cultural e a diversidade como fontes de pertencimento e pontes para o diálogo. Canalizamos o poder das ciências para compartilhar os benefícios do progresso com todas as sociedades. E promovemos a liberdade de expressão para permitir que todos se pronunciem e sejam ouvidos. Agimos de todas essas maneiras para ajudar as pessoas não somente a viver juntas, mas a prosperar juntas. A globalização não deveria somente ampliar conexões, mas também aprofundar nosso senso de humanidade, especialmente em uma época de crise econômica, em que o ódio é alimentado pela injustiça e amplificado pela ignorância. Devemos inventar novas maneiras de fortalecer os laços que nos unem. Devemos estender a mão a jovens mulheres e homens, que carregam o maior fardo da mudança. A tolerância é uma maneira de desarmar o medo, de abrir o mundo para melhores mudanças e lançar as bases para a paz duradoura. Essa é a mensagem da UNESCO hoje.

TOLERÂNCIA E INTOLERÂNCIA, DUAS FACES DE UMA MESMA MOEDA:

Em dezembro de 2008 a brasileira Ivone Gebara escreveu um interessante depoimento do que escolho aqueles treitos que considero mais importantes, pelo seu significado sobre o tema. Ivone, entre outras cousas, nos diz:

Cena de 'Estado de Sítio'
Cena de ‘Estado de Sítio’

Sabemos bem que no cotidiano de nossa vida a palavra tolerância e sua contrária, a intolerância, são palavras acompanhadas de uma carga emocional muitas vezes negativa. É como se ao afirmarmos a palavra tolerância já sentíssemos uma emoção negativa invadindo nosso próprio corpo. É como se um peso ou uma carga se impusesse a nós e modificasse até o nosso equilíbrio psíquico e o nosso humor. E, nessa dinâmica, pode ocorrer que busquemos aliados às nossas emoções e que passemos a ter emoções coletivas em relação a este ou aquele grupo de pessoas. Somos capazes de abandonar qualquer reflexão ou qualquer racionalidade e cometer crimes de intolerância. Tudo se passa como se a irritação provocada pelo outro ou pelos outros fosse capaz de excitar em nós zonas de violência de certa forma desconhecidas, a ponto de fugirmos ao controle do bom senso e ao respeito devido a uma vida em sociedade. Já não é mais a humanidade solidária que vive em nós, mas a violência irracional capaz de tirar a vida daqueles que se tornaram de certa forma objetos de nossa intolerância. Já não reconhecemos o próximo como nosso semelhante e passamos a odiá-lo a partir das diferenças que apontamos nele. Os jornais e os noticiários abundam em fatos ou em delitos de intolerância dos mais diferentes tipos.

Para tentar apaziguar a irrupção das diversas formas de violência em nós tentamos falar da necessidade da tolerância. A partir dessa situação seu sentido toma uma forma particular em nós. Assim, tolerar alguém ou um grupo requer um esforço emocional para além do habitual. Tolerar significa aqui ter que aguentar o outro diferente, o outro com suas crenças, sua linguagem, seus costumes, seu tom de voz, sua sexualidade, suas exigências que no fundo me ameaçam ou agridem. Tolero para não eliminar o outro, para não riscá-lo de minha existência. Tolero porque acredito que é necessária certa civilidade para a convivência humana e porque nossa fragilidade e limitação comum assim o exigem. Mas, espontaneamente o que vem à tona é a vontade de eliminar o outro ou ao menos de calar-lhe a voz ou submetê-lo à minha vontade ou ameaçá-lo com uma punição que julgo merecida ou simplesmente busco sair do círculo da convivência comum. Não tenho nenhuma atitude positiva em relação a ele. Não quero conhecê-lo, nem saber de sua história, nem de seus sofrimentos e nem de seus sonhos e buscas.

Cena de 'Z'
Cena de ‘Z’

Tolero para não eliminar os outros ou o outro que me molesta por sua maneira de existir ou simplesmente por sua existência em minha circunstância. Tolero porque o outro se apresenta talvez como aquele que eu não gostaria que estivesse em minha história e tenho que conviver com ele apesar dos pesares. Tolero porque intuo às vezes que o outro do qual me afasto é em parte minha sombra, meu rosto oculto, a expressão negada de meu próprio eu. A tolerância nesse sentido já nutre as raízes da intolerância. No processo de intolerância/tolerância o centro é sempre o eu individual e coletivo ou aquilo que julgamos talvez impropriamente como sendo o nosso eu. É o eu que tolera um outro eu ou o eu que é intolerante com outro eu e com tudo o que ele significa. Há uma relação íntima entre pessoas que se toleram e pessoas que são toleradas. No fundo um é o outro. Desta forma, a intolerância não é apenas um processo que se passa no interior da subjetividade humana, mas se manifesta em comportamentos públicos pessoais e grupais de uns para com os outros. Há uma irracionalidade, uma razão sem razão em todos os processos de tolerância e intolerância. Uma frase do Evangelho de Jesus (Mateus 7,3) é muito ilustrativa: “Por que vês a palha no olho de teu irmão e não vês a trave em teu próprio olho?”. Ou, em outros termos, por que somos capazes de apontar o limite do outro e de certa forma desculpar-nos de nosso próprio limite? Por que mantemos hierarquias de diferentes tipos entre nós e os outros?

Criamos um mar de discórdias entre nós e pouco a pouco vamos desacreditando de nossas possibilidades de respeito e solidariedade. Instauramos o inferno das guerras étnicas, das guerras entre os sexos, das guerras religiosas! Para muitos de nós a descrença na capacidade humana de desenvolver relações de justiça e igualdade está se tornando moeda corrente. “O homem lobo para o homem” tem se tornado uma conduta comum de vida. Fechamo-nos, defendemo-nos e nos atacamos mutuamente num acirramento de identidades étnicas, sexuais, religiosas cada uma tentando afirmar algo de nós, mas nenhuma suficiente para dar razão à nossa desumanidade. A tolerância e a intolerância são na realidade duas faces da mesma moeda. Mas, qual é a moeda? É a moeda da mentira, a moeda falsa, enferrujada por dentro e pintada de ouro por fora. É a moeda enganosa que cria ilusões sobre o poder humano e sua capacidade de dominar a terra e seus habitantes. É a moeda que se tornou mediação das relações humanas cada vez mais sem alma, isto é, sem a honestidade da verdade da interdependência que nos permite existir. Moeda que nada mais é do que uma ilusão passageira, ilusão altamente destrutiva de todas as vidas. A partir de nossos sonhos queremos restaurar a moeda das trocas diretas, a moeda capaz de ser farinha e pão, água e vinho, cuidado com a terra e todos os seus habitantes. A moeda da ecologia da terra e da ecologia humana capaz de apostar na força de nossa diversidade e no respeito a ela como único caminho para manter a vida viva. As palavras tolerância e intolerância poderiam ter assim gradativamente seu significado original restaurado. Poderiam ser convite cotidiano para que sejamos apoio para os outros, paciência e perdão. E quando o vírus da intolerância se manifestar de novo, sermos capazes de lembrar que palhas e traves existem em todos os olhos, mas que além delas existe a beleza do olhar ou existe simplesmente a misteriosa e frágil chama da vida em cada um de nós.

TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR:

Costa Gavras
Costa Gavras

Servindo-se da técnica do Cinema-fórum, analisar e debater sobre a forma (linguagem cinematográfica: planos, contraplanos, panorâmicas, movimentos de câmara, jogo com o tempo e o espaço) e o fundo dos três excelentes filmes de Costa-Gavras anteriormente resenhados.

Organizar nos estabelecimentos de ensino dos diferentes níveis educativos uma amostra dedicada à tolerância e à intolerância, expondo exemplos de ambas, com factos, personagens e países modelares em ambos os casos. Na mesma devem aparecer desenhos, fotos, frases, coplas, poemas, retalhos de imprensa, aforismos, textos e redações dos próprios estudantes. Com todo o material recolhido na internet e em livros podemos redigir uma monografia, que depois pode ser editada ou policopiada.

Juntos, estudantes e docentes, podemos organizar debates-papo e outras técnicas de dinâmica de grupos similares, para entre todos fazer propostas práticas para luitar a favor da tolerância religiosa, política ou social e contra as intolerâncias de todo o tipo, que por desgraça muito abundam no nosso planeta Terra, em infinidade de países, culturas e religiões. Podemos debater também entre o significado que têm as palavras respeitar e tolerar, com as suas similitudes e diferenças. Entre as propostas pode figurar assim mesmo um plano de atividades educativo-didáticas, de carácter artístico e lúdico, para organizar com os estudantes nos nossos estabelecimentos de ensino, na procura do espírito de tolerância tão necessário hoje entre todos os seres humanos do mundo.

 

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