Mnemosine

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às refugiadas de hoje e de ontem, de uma refugiada como elas

 

Mnemosine, mãe das nove musas, era a titânide da memória.

Mnemosine vem do grego mnếmē, memória e mnashtai, lembrar-se.

Lembremos Lesbos, Mória e Idomeni.

Mnemosine foi depois chamada Moneta, a avisadora, a que recorda.

Moneta, do latim monere, significa aconselhar, avisar, lembrar.

É bem certo que quem se lembra está a se dar um conselho,

que o ato de recordar é passar duas vezes pelo coração.

É bem certo que as lembranças podem nos condenar e também nos dar a vida.

E que quem avisa amigo é.

A poderosa Juno Moneta lembra no seu templo do Capitólio, em Roma, que Mânlio, patrício filho de patrícios, defendeu os plebeus pagando com seu ouro as dívidas dos despossuídos,

lembremos, para fazê-los livres.

No templo da Juno Moneta imprimiram-se as moedas da Roma imperial depois da invasão dos gauleses.

Oh, sim, os gauleses chegaram a invadir Roma e cercar o Capitólio.

Aconteceu no ano 390 antes da Nossa Era.

Mas os gauleses não puderam impedir que a moeda romana se consagrasse.

Mânlio foi assassinado pelos seus e sua memória apagada num peso ao pé da Rocha Tarpeia.

A Era das moedas tinha chegado e tomou por completo os dicionários escondendo o significado original.

Memória. Lembrança. Conselho. Aviso.

Titânia, fada do Shakespeare, ocultou-se na floresta duma noite de verão, no inverno da Nossa Era.

E quando Hieronymus Monetárius, o aventureiro alemão, visitou Compostela já a avarícia tinha gelado o coração dos bispos.

Lembremos Usseira, Nebra e Sofão. Síria, Palestina e Curdistão.

E por isso hoje apagamos a memória com moedas.

E os miúdos corpos das crianças, verdes sargaços de raízes talhadas, abeiram as praias cinzentas.

E não nos lembramos de Mnemosine.

 

Ilustração Marga Sanin Matias
Ilustração Marga Sanin Matias