Os coletivos humanos, das famílias às nações, precisam de suportes em que se encarnam, espaços onde sedimentar as memórias para saber donde vêm e aonde vão. Em Breve História do Reintegracionismo, Tiago Peres Gonçalves não só reconstrói com minúcia historiográfica a nossa árvore genealógica, senão que também nos dá o calor dum álbum familiar.
A caminho entre o trabalho académico e a divulgação, este percurso polo reintegracionismo – entendido como estratégia de restauração linguística – divide-se em dous blocos separados pola guerra de 1936. Abre-se o livro com a cita duma acusação de 1928 a Johan Carballeira por ter posto uma “bomba” no El Pueblo Gallego ao reabrir o debate sobre a ortografia do galego; e é que o fenómeno descrito pola ‘Lei de Berto’ vem de mui atrás, dos mesmos inícios do Ressurgimento. O primeiro bloco revê, com um detalhe inédito, estes primeiros debates que provocam surpresa pola antecipação de quase todos os argumentos que uma e outra parte esgrimem nos dia de hoje. Ainda, Tiago Peres amplia as habituais antologias de declarações de vultos do reintegracionismo posicionando-se a favor da unificação ortográfica, resgatando textos pouco conhecidos, como o “Cara a língoa franca galaico-portuguesa” (1926) de Rafael Dieste.
No segundo bloco aborda-se a crucial fase de normativização do galego e o nascimento do reintegracionismo strictu sensu, assim como a sua evolução de corrente académica a movimento social. Tiago Peres – que tem como outra das suas linhas de investigação o papel da direita galeguista na institucionalização da Autonomia – fornece interessantes dados sobre esse processo de blindagem do espaço do possível que poderíamos chamar, à maneira de Guillem Martínez, Cultura da Autonomia, e que tivo como principal agente o pinheirismo: a presidência na RAG de García-Sabell, o ‘Decreto Filgueira’, e o pau e a cenoura da perseguição linguística e as prebendas da ‘bolha literária’.
Quanto à transformação do reintegracionismo em movimento social, estamos perante um exemplar trabalho de memória dissidente que lamentavelmente não abunda: a maioria dos movimentos galegos permanecem na história oral e com dificuldades de transmissão (das quais o adanismo dos novos movimentos são um sintoma). A perspetiva do autor, aliás, difere da que monopoliza a autorrepresentação do reintegracionismo como um movimento urbano, tecnológico, neofalante e até liberal; com justiça, Tiago Peres dá uma visão mais plural, sublinhando o determinante papel do sempre incómodo independentismo e o ativismo de base.
PERES GONÇALVES, Tiago. Breve história do reintegracionismo, Através Editora, 2014.