Aproveitando a histórica data de 14 de abril, em que comemoramos o “Dia da República Espanhola”, dentro da série que estou a dedicar a grandes vultos da humanidade, iniciada com Sócrates, escolhi um grande mestre, que chegou a ser ministro da educação durante a Segunda República dos anos trinta no nosso país. Marcelino Domingo (1884-1939) completa o depoimento nº 43 da série de personalidades que os escolares de todos os níveis educativos devem conhecer.
Marcelino Domingo Sanjuán, que era seu nome completo, nasceu a 26 de abril de 1884 em Tortosa-Tarragona, e faleceu a 2 de março de 1939 em Toulouse. Cursou estudos de magistério e começou a colaborar na imprensa barcelonesa sendo muito jovem. Iniciou-se na sua destacada vida política como republicano federal, difundindo um republicanismo laico e radical nos territórios do delta do Ebro. Em 1909 foi eleito concelheiro no concelho de Tortosa, e em 1914 deputado por esta circunscrição, como republicano independente. Junto com Layret e Alumar fundou o Bloco Republicano Autonomista, que em 1917 deu lugar ao Partido Republicano Catalão, a que presidiu. Durante a greve deste mesmo ano, foi encarcerado pelos militares nas Atarazanas de Barcelona. A sua prisão, influiu notavelmente na campanha antimilitarista que tinha desenvolvido na seção Marrocos, sangria e roubo, do diário La Lucha (A Luita), provocando grandes protestos, já que não tinha sido respeitada a sua condição de parlamentar, e logo foi posto em liberdade, em novembro de 1917.
A sua incansável atividade política leva-o às Cortes por Barcelona, em 1918. Ativo conspirador contra a Ditadura de Primo de Rivera, sofreu prisão e persecuções. Viveu no exílio em Paris na companhia do socialista Indalécio Prieto. Em 1929, junto com Álvaro de Albornoz, José Díaz Fernández, Victória Kent, José Salmerón e outros eminentes republicanos, fundou o Partido Republicano Radical Socialista, em clara rutura com o já desacreditado partido radical de Alexandre Lerroux.
Já em Madrid, fez parte do governo provisório da 2ª República, como ministro da Instrução Pública, e artífice desde este posto, da criação de escolas e de impulsionar a instrução primária, para luitar contra o analfabetismo imperante na Espanha monárquica. Deixou este posto a Fernando de los Rios e passou a ser ministro da Agricultura no mesmo governo. Negou-se então a subir o preço do trigo, vinte e cinco mil toneladas na primavera de 1932, o que lhe valeu a inimizade dos insaciáveis latifundiários agrários. Em 1934 fundou, junto com Manuel Azaña, Esquerda Republicana, e voltou a ser Ministro da Instrução Pública em 1936, com o triunfo da chamada Frente Popular. Reestabeleceu então a coeducação suprimida durante o “biénio negro” e retomou o seu programa de construção de escolas. Ao ser eleito Azaña presidente da República, ocupou a presidência de Esquerda Republicana.
Foi membro da delegação espanhola que visitou León Blum para procurar ajuda do governo francês ao iniciar-se a guerra civil. Viajou então, pelo mundo para dar a conhecer a realidade espanhola e defender a legalidade republicana. No início de 1939, com a saúde muito deteriorada pelo esforço sobre-humano que supôs a atividade nos anos da guerra passou à França, onde faleceu dias depois angustiado no leito de morte pela sorte dos soldados republicanos na hostil vizinha nação.
Marcelino Domingo foi um dos grandes e últimos regeneracionistas espanhóis. Seguidor do lema “escola e despensa”, defendeu a europeização de Espanha, que “era o mesmo que dizer que o homem e a terra dessem seu máximo esforço e seu total rendimento. Costa assinalava todo um programa de governo, de bom governo, que começava no cantoneiro e tinha termo na fonte do Estado”. Pensou e sentiu Espanha, e sobre ela deixou páginas tão emotivas como luminosas nos seus livros ¿Qué España? (Madrid, 1925) e ¿A donde va España? (Madrid, 1930). Dedicou parte de seu tempo a escrever para o teatro (Juan sin tierra, El pan de cada día, Doña María de Castilla, etc.), romances (Un visionario, El burgo podrido e Santa Pecadora) e infinidade de artigos sobre o mais diverso e premente que lhe tocou viver, e deixou-nos o impagável testemunho da sua passagem pela política (A experiência do poder, A revolução de outubro, A escola na República, e alguns outros). Apesar das suas milhares de páginas, sentiu-se sempre um político que preferiu a política a toda a atividade humana. “Acredito que um país de tão escasso espírito civil como Espanha, e de tão desaforada incontinência como a do Estado Espanhol, os homens com a leve consciência da sua responsabilidade hão de interessar-se pela política e agir nela. É, talvez, o único meio de evitar que Espanha acabe de morrer”. Porém, entendeu sempre a política como política republicana e ao serviço de uma Espanha federal, e deixou-nos a mensagem para os republicanos atuais: “Sou republicano, sê-lo-ia no Reino Unido, onde o monarca apenas existe; sê-lo-ia na Itália, onde a monarquia realizou a unidade nacional. Como não o ser em Espanha? Em Espanha a forma de regime não só é essencial por doutrina, senão que o é por dignidade civil e por conveniência nacional. Sou federal. Em Espanha existem confundidas numa desarticulada e injustificada unidade do Estado, distintas nacionalidades, e hão de desvincular-se, pactuando por próprio e mútuo consentimento um novo estatuto, em que as nacionalidades tenham liberdade dentro da Federação, e os Municípios liberdade dentro do Estado, e o homem dentro da Federação, o Estado e os Municípios, plena e absoluta liberdade”. Sábias palavras e dignas de lembrar-se neste preciso momento. Ele sabia muito bem, como outros republicanos, que as autonomias dividem e desunem e somente o federalismo é capaz de unir.
FICHAS DOS DOCUMENTÁRIOS:
1. Marcelino Domingo.
2. As escolas na Segunda República.
Programa da UNED.
3. A República dos mestres.
A SUA ÉTICA REPUBLICANA:
As palavras que a seguir coloco, pronunciadas por Marcelino Domingo, amostram os seus altos valores éticos republicanos. “Sou republicano. O regime de governo é essencial para todo o homem de categoria moral. Só é acidental quando a categoria moral do homem desce. E é que uma República democrática e liberal pode instaurar-se numa hora de paixão popular, quando o coração a quente magnifica, pela paixão, a qualidade humana; porém, uma República democrática e liberal não se sustenta a frio pelo sentido do dever civil, pela colaboração disciplinada e ativa de todos, sem uma base de cultura geral que depure, defina e sustente a personalidade humana. Quando a paixão morre – e a capacidade de paixão é limitadíssima – só fica como alavanca moral o dever; e o dever não se sente nem se cumpre sem uma formação cultural: A instauração da democracia pode ser pela violência; a sua consolidação só é pela cultura. Onde a cultura falta, o sistema democrático perverte-se, esteriliza-se, desfigura-se e cai, não pela pressão exterior, mas por interna consunção. Não o derrubam; desaba. Federar não é separar mas solidarizar; não é desacordar, mas procurar um acordo que crie sobre as variedades evidentes uma unidade cordial e fecunda”.
Quando estudava no Instituto de Bacharelato de Tarragona, da mão do jovem Rovira i Virgili, entrou em contato com as primeiras manifestações republicanas e federalistas. Em 1903 conseguiu a sua titulação definitiva de Mestre, ano em que se desloca a Tortosa, onde exerceria a docência e iniciaria a sua atividade jornalística e política. Seguidor das ideias pimargalianas e dececionado do leurroxismo entraria na órbita, embora com certas prevenções, do republicanismo tortosino próximo à Solidaritat Catalana. Deste modo seria eleito concelheiro da Câmara Municipal de Tortosa em 1909 com uma mensagem baseada na supressão do imposto de consumos, na luita contra a corrupção política, na formação de uma organização republicana coesa e fundamentada numa mensagem ética com capacidade de influência na população e afastada tanto dos radicais de Lerroux como do nacionalismo conservador da Lliga Regionalista. Três anos depois, Domingo é a figura mais representativa do republicanismo em Tortosa e de oposição ao regime canovista.
A partir de 1918, com um amplo prestígio entre as classes populares, retomaria a sua atividade parlamentária e impulsionaria a Aliança de Esquerdas, ampla entente republicana a que se uniria o PSOE, cujos traços programáticos mais resenháveis seriam a reforma da propriedade da terra e a expropriação dos latifúndios, impulso da legislação sobre direitos sindicais e salariais, implantar medidas contra a carestia e a escassez de artigos de primeira necessidade, e constituição definitiva implantando um Estado Federal espanhol.
Os últimos três anos da sua vida caraterizam-se pela intensa dor que lhe produz a guerra fratricida a nível pessoal, e pelo afastamento dos centros neurálgicos do poder na vertente política. Num momento exclamaria que “ganhar Europa para a nossa causa é mais eficaz que ganhar Saragoça”. Durante esta etapa percorreu infinidade de países explicando a realidade espanhola e defendendo a legalidade republicana. Com profunda amargura faleceu na França nos inícios de 1939.
SEMENTAR ESPANHA DE ESCOLAS:
Quando em abril de 1931 Marcelino Domingo é nomeado Ministro da Instrução Pública do governo provisório da Segunda República, iniciam-se as importantes reformas republicanas: decretos de bilinguismo nas comunidades com línguas próprias, decreto da não obrigatoriedade do ensino da religião e decreto para criar 23 435 escolas. Atrás dos quais claramente está Marcelino Domingo, que chegou a pronunciar aquela linda frase: “Sementar Espanha de Escolas”, e se sentaram as bases do projeto educativo mais ambicioso de toda a história de Espanha: criação de mais de vinte e três mil escolas e 7000 vagas de mestres, que deviam ser a infraestrutura material e humana para uma escola pública laica, única, de inspiração pedagógica institucionista e em que se garantia o ensino na língua materna. Ele foi o responsável por impulsionar a instrução primária, para luitar contra o analfabetismo imperante na Espanha monárquica. Para Marcelino Domingo: “Espanha não será uma autêntica democracia enquanto a maioria dos seus filhos, por falta de escolas, se encontrarem condenados à perpétua ignorância”. O seu labor à frente da instrução pública contou, como não podia ser de outro modo, com a oposição encarniçada da direita monárquica e da igreja católica que, deste modo, viam perder os seus privilégios sociais e económicos. Por isso, Domingo foi um dos grandes e últimos regeneracionistas espanhóis. Seguidor do lema “Escola e Despensa”, defendeu a europeização de Espanha. Graças a ele foi lançado o Plano de Formação Profissional dos mestres mais extraordinário que tivemos. O denominado Plano Profissional de 1931. Ainda não superado até a data no nosso país.
TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR:
Vemos todos os documentários citados antes, e depois desenvolvemos um Cinema-fórum, para analisar a forma (linguagem fílmica) e o fundo (conteúdos e mensagem) dos mesmos, assim como os seus conteúdos.
Organizamos nos nossos estabelecimentos de ensino uma amostra-exposição monográfica dedicada a Marcelino Domingo, o seu pensamento, as suas ideias, a sua vida, a sua obra e a suas ações no campo do ensino. Na mesma, ademais de trabalhos variados dos escolares, incluiremos desenhos, fotos, murais, frases, textos, lendas, livros e monografias. Incluiremos também uma ampla secção dedicada à educação durante o período da Segunda República no nosso país.
Realizamos um debate-papo ou tertúlia, em que participem alunos e docentes, e hipotéticos pedagogos do lugar, que podemos convidar, para analisar os diferentes aspetos do excelente Plano Profissional de 1931 de formação dos nossos docentes, ainda não superado na atualidade.