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Manuel Paços Gomes : “Tudo começou no instituto de Ordes com um professorado mui combatente com a língua e com a escrita, que utilizava a normativa reintegracionista”

1 Manuel Paços GomesNeste ano de 2016 a Associaçom Cultural Obradoiro da História da comarca de Ordes cumpre vinte anos. A começos dos 90 houvo um professorado mui interessante no instituto de Ordes, formara-se a Associaçom Reintegracionista de Ordes… Como influiu aquele ambiente cultural no nascimento do Obradoiro da História?

MANUEL PAÇOS: Bem, tudo começou no instituto de Ordes com um professorado mui combatente com a língua e com a escrita, que utilizava a normativa reintegracionista. Arredor desse professorado foi-se criando um grupo de alunos e alunas que empregava na escrita o “galego-português”. Assim foi nascendo a ARO. Eu nessa época nom estava no instituto de Ordes, já rematara Magistério e começava a buscar trabalho mentres cursava algumha matéria de História. No ano 1989 figem um curso da AGAL em Ordes e a partir dele formei parte da ARO. Fôrom tempos em que as atividades que desenvolvemos tivêrom como eixo a defesa da cultura e a língua do nosso país… até sacamos a fins do ano 1991 o vozeiro comarcal O Mês… Quando a ARO esmoreceu, a maior parte da sua gente passou a integrar-se nas listas do BNG em Ordes. Eu aproveitei a experiência da ARO para seguir trabalhando no eido da cultura e da história, sem ataduras de ningum tipo… Quando começamos a realizar atividades precisamos “legalizar-nos” como associaçom e assím nasceu o Obradoiro da História em março do ano 1996.

 

Quando começas o ativismo na recuperaçom da memória histórica quase nom havia nada feito, apenas o livro de Manuel Astray Rivas Síndrome del 36. La IV Agrupación del Ejército Guerrillero de Galicia (Ediciós do Castro, 1992). Que foi o que te decidiu a centrar-te nesse campo? A tua família era dessas que mantivo umha memória “clandestina” da guerra e a resistência anti-franquista, ou na casa nom falavades disso?

Si, foi um dos primeiros livros que me chamou muito a atençom, pois falava do sucedido em Ordes, a repressom, os fuzilados, os guerrilheiros… dum jeito mui peculiar e personalista por parte de Astray… mas há que reconhecer que é um livro iniciático baseado mais na oralidade que em fontes documentais que naqueles anos era quase impossível consultar. A leitura das obras de Hartmut Heine e de Bernardo Máiz fôrom imprescindíveis para dar o primeiro passo na búsqueda de informaçom que muitos queriam silenciar… Fruto desse trabalho editárom-se dous cadernos: um sobre a Segunda República em Ordes e outro sobre o líder guerrilheiro Manuel Ponte.

Na casa, quando era pequeno, minha mae cantou-me unha cançom que falava dos falangistas e dos requetés (eu nom entendia nada, claro). Também falava da fame, da miséria, da Guarda Civil durante a ditadura… Meu pai falou-me do estraperlo, da guerra… ele foi o primeiro que me dixo que sua mae (minha avoa Generosa Rodríguez Pedreira) estava emparentada com a família do guerrilheiro Manuel Ponte, igual que os Pedreira da livraria de Compostela…. somos familiares de lonjano.

 

Quiçá polo shock traumático do franquismo, a auto-imagem que temos da comarca de Ordes é a de umha terra submissa e descomprometida. Como foi ir descobrendo que em Ordes durante a II República havia umha enorme participaçom social e política, e que depois foi um dos epicentros da guerrilha anti-franquista?

As terras de Ordes nunca fôrom submissas… desde a Segunda República à luita anti-franquista, sempre houvo gente luitando… Ainda que o alcalde se amoldava aos diferentes regímenes (monárquico, republicano, franquista…) na bisbarra de Ordes houvo umha efervescência política e cultural durante o governo da Fronte Popular nunca vista… Estavam formadas as sociedades agrárias, as delegaçons de todos os partidos políticos… Havia em cada concelho um dirigente da Fronte Popular que arrastava muitos luitadores. Claro está que quanta mais organizaçom e resistência no 36, maior repressom. E a repressom mandou os luitadores para o monte, que se organizárom baixo as siglas do Partido Comunista… Ir descobrindo documentalmente a tanta gente demócrata e luitadores anti-franquistas que davam a sua vida pola liberdade, aledava-me… mas posteriormente topava a realidade da ditadura franquista: malheiras, cadeia, fusilamentos, exílio, desterros, matanças de guerrilheiros… atas de defunçons por todas partes… e isso foi desolador…

 

2-Tarjeta de Manuel Maria elogiando o livro Despois da Guerra.
Nota de Manuel Maria elogiando o livro ‘Despois da Guerra’.

Investigar a história do franquismo é algo, ainda hoje, que nom toleram bem algumhas pessoas relacionadas com o poder; aí está, por exemplo, a perseguiçom que sofreu o historiador Dionísio Pereira. Ti, que nunca ocultaches nos teus trabalhos que na repressom nom só houvo vítimas senom também vitimários, tiveches muitos problemas por essa honestidade? Intentárom censurar-te algumha vez?

Dionísio é um grande investigador da memória e pujo as fontes documentais sobre a mesa, é dizer, referenciou bem os dados. Mas o seu caso serviu precissamente para iso, para demonstrar que algumha gente nom tolera a verdade e que investiguemos sobre o passado que eles agochárom. Quiçá a mim me avergonharia que um antecedente familiar meu fosse um assassino, mas cada um é responsável dos seus factos e eu nom teria que cargar com a responsabilidade dessa pessoa, mas tudo muda se a minha ideologia é coincidente com a desse familiar, entom eu sentiria-me aludido e seria como se investigasem sobre mim…

Em Ordes, polo ano 1997, já publicamos os nomes das vítimas e dos vitimários, todos conhecidos na vila. Eu nom tivem problemas, nem censurei nada… quiçá porque dixem a verdade e documentei corretamente os feitos, ao meu parecer.

 

Outro problema que costumades ter os historiadores da memória histórica é a dificuldade no trato com as famílias, que é sempre um assunto delicado. Tenhem-me contado, por exemplo, casos em que um familiar lonjano da pessoa cuja memória se está a recuperar, quer controlar o discurso sobre a mesma, patrimonializando a sua representaçom. Em outros casos, como a pressom ideológica do franquismo for implacável, as familias podem querer ré-habilitar a memória do seu parente perseguido polo franquismo dentro desses critérios, e apresentar essa pessoa como despolitizada, que “nom se metia em nada”, etc… e se quadra foi um dirigente da resistência! É como se o franquismo volvesse vencer impondo umha dupla desmemória. Como te manejas com estes problemas, que nom som só historiográficos, senom humanos?

Os investigadores que fazemos trabalho de campo sobre estes temas encontramos de tudo, mas a nossa experiência deve servir para analisar, processar e selecionar a informaçom que recebemos, também para dirigir as entrevistas quando suspeitamos situaçons como as que contas. Muitas das vezes somos nós quem lhes oferecemos informaçons a eles que, no meu caso, sempre fôrom mui respeituosos. É certo que nalgumhas ocasions os familiares argumentam que tal guerrilheiro estava no monte por culpa doutros, que o convencérom… Ou, por exemplo, quase nengúm familiar reconhece que eram de ideologia comunista, socialista, anarquista… Tampouco encontrei nengumha pessoa que negara os feitos, que o seu familiar guerrilheiro fijo sabotagens, roubou por necessidade ou que interviu nalgum enfrontamento com mortes… A desmemória é evidente, mas nós com documentos e eles com a história oral vamos reconstruindo o que durante o franquismo e a transiçom tentárom ocultar.

 

Às vezes as autoridades justificam o desleixo com que tratam a memória histórica alegando que “ao povo nom lhe interessa”. Porém, eu sei de muitos fans em Ordes dos trabalhos do Obradoiro da História, que colecionavam os trípticos que editavades. Sem irmos mais longe, o teu último livro, A República da Berxa, foi todo um best-seller comarcal. Parece que há muita fame de memória, nom há?

Si, si que lhe interessa se nom todas as nossas publicaçons nom se esgotariam… É certo que os vizinhos colecionavan as nossas publicaçons, de facto a mim paravam-me pola rua e preguntavam-me qual era a próxima, em quê andava investigando… Do livro da República da Berxa estamos orgulhosos pola sua acolhida… a ediçom de mil exemplares quase está esgotada. Há livrarias em Ordes e tendas em Messia em que se venderom sessenta exemplares… A gente associava a República da Berxa com a República da dignidade pola que sempre luitou o protagonista do livro, o alcalde republicano de Mesia António Gomes Carneiro. Estou seguro que há vizinhos que aguardam publicaçons sobre a memória histórica porque ainda fica muito por investigar.

 

Num dos vossos primeiros atos, sobre o guerrilheiro Manuel Ponte, entre o público dis-que houvo mais franquistas que gente afim. Igual a gente mais nova agora nom seja consciente disso, mas na altura tivestes que botar-lhe muito peito, nom?

 

Si, coido que si… figemos cousas que agora nom sei se repetiriamos… por exemplo quando anunciamos a apresentaçom do caderno sobre Manuel Ponte em Ordes no ano 1997, andivemos num automóvel com megafonia pola vila e passamos conscientemente várias vezes por diante do quartel da Guarda Civil dizendo que iamos falar da repressom protagonizada por eles… Àquele ato acudiu muita gente curiosa para saber quê diziamos sobre a República, o franquismo, a guerrilha… Era um dos primeiros atos onde se falava da guerrilha em Ordes… depois de tanto tempo… e os franquistas que estavam ali queriam saber quê diziamos deles… Também colocamos cartazes enormes com o retrato de Manuel Ponte pola vila… algums diziam “Volveu Ponte”, outros que se podiam arrincar o cartaz e levá-lo para casa de recordo…

3 Capa do livro A República da Berxa
Capa do livro A República da Bexa

O Obradoiro da História também tivo atividades e publicaçons no eido da literatura. Fala-nos um pouco dessa faceta vossa. Aliás, neste ano o homenageado no Dia das Letras Galegas foi Manuel Maria, amigo da associaçom e que elogiou o teu livro de relatos Despois da Guerra. Que recordo guardas dele?

Durante uns anos programamos as jornadas literárias, sempre acompanhadas com música e conta-contos… Por Ordes passarom Neira Vilas, Suso de Toro, Manuel Maria, Ferrín, Bernardino Graña, Xurxo Souto… e muita gente conhecida do mundo da cultura. Também editamos dous números de Segrel, a revista literária da comarca de Ordes. Manuel Maria estivo em Ordes nos inícios do ano dous mil, eu já o conhecia de antes, de quando se assentou na Corunha. Coido que era umha das pessoas mais cultas e comprometidas do nosso país além da sua criaçom literária. O livro Despois da Guerra chegou às suas maos e mandou umha pequena nota elogiando os relatos… era mui respeituoso e atento, sempre contestava com uns postais manuscritos…

 

Quais som os projectos de futuro? Creio que estás a travalhar num livro sobre as famílias da comarca desterradas a Espanha pola sua colaboraçom com a resistência?

Bem, há uns meses recuperamos a obra do único fotógrafo ambulante de Oroso, Victorino Verea e figemos umha exposiçom e um catálogo da sua obra que tivo muita repercussom. O próximo ato vai ser umha homenagem às Irmandades da Fala e a Luís Porteiro Garea, enterrado na nossa comarca, em Gafoi (Frades). Ademais do trabalho constante no Arquivo Histórico de Imagens de Oroso, no qual editamos umha revista anual, seguimos investigando sobre os desterrados e desterradas da bisbarra de Ordes… É a repressom em forma de desterro. Familias inteiras de guerrilheiros e enlaces som subidas à força num camiom e, ao dia seguinte, chegam a Soria ou a Burgos… É umha forma de repressom gubernamental e nom judicial, ordenada polas autoridades “civis” mas executada pola Guarda Civil… Há casos individuais como a mulher de Ponte, de Foucelhas, de Pena Camino… mas também famílias inteiras de guerrilheiros e enlaces. Houvo gente que morreu no desterro que ficará sepultada em terras estranhas para sempre.

 

Publicaçons da autoria de

MANUEL PAÇOS GOMES

 

Livros e cadernos:

Os camiños antigos do Concello de Oroso. Guia do Antigo Camiño Real ou “Inglés” (1996).

A resisténcia anti-franquista na comarca de Ordes. Manuel Ponte Pedreira (1997).

Achegamento á Segunda República en Ordes. Documentos (2001).

Ordes. Crónica fotográfica do século XX (2002).

Despois da Guerra (2003).

Concello de Oroso. Guía histórica en imaxes (2004).

San Martiño de Marzoa. Imaxes para o recordo (2007).

Concello de Oroso. Guía turística (2008).

A Guerra Silenciada. Mortes violentas na comarca de Ordes (2011).

A República da Berxa. Antonio Gómez Carneiro e o seu tempo (2014).

Victorino Verea Montero. Imaxes contra o esquecemento (2015).

Opúsculos biográficos:

Manuel García Gerpe (1999).

Nicolás del Río Castelo (2000).

Alfonso Senra Bernárdez (2000).

Manuel Lois García (2001).

Vicente Carnota Pérez (2003).

Antonio Francisco de Castro (2006).

 

 

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