Fernández Paz, um escritor sublime

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Com acerto, o meu filho David Paz Nóvoa, mestre no CEIP de Sestelo-Baiom, perante o recente e triste falecimento de Agustín Fernández Paz, vem de escrever: “Estou impactado pela morte de Agustín, um homem bom e generoso, uma grande perda para o nosso País”, palavras que também faço minhas. Junto das palavras exibe a dedicatória de um livro do escritor de Vilalva para os seus estudantes de 6.º de Primária, assinalando o seu profundo agradecimento pelo agasalho.

Sete anos atrás, em concreto o 6 de julho de 2009, publiquei num jornal de Ourense um artigo dedicado ao nosso excelente escritor sob o título de “Fernández Paz, um escritor sublime”, depoimento que tenho a bem reproduzir no nosso PGL, para ser lido por todos os meus amigos leitores do Portal, neste triste momento da sua perda física. A seguir vai o artigo que menciono.

Dedicatória do Agustín aos alunos do meu filho
Dedicatória do Agustín aos alunos do meu filho

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Que jornada mais formosa e emotiva vivim o sábado dia 20 de junho em Vilalva! A homenagem que ali tributámos mais de trezentos galegos ao escritor Agustín Fernández Paz foi altamente emotiva. E cheia de acendrado e nobre galeguismo. Continuam e hão de continuar para sempre em mim as formosas palavras que no idioma de minha mãe Rosa ali escuitei. E muito especialmente as do escritor vilalvês homenageado, cheias de doçura, de dignidade, de sentimento, de amor à Terra e de amor ao galego. O seu discurso foi tão emotivo que chegou ao coração de todos os presentes. Confesso que, de tão profundo e humano, emocionei-me e chorei de verdade. E voltei a chorar quando no final me fundim num abraço com Agustín. Tão emocionante foi, que a sala repleta de gente aplaudiu tal discurso durante mais de cinco minutos seguidos sem parar. É pena que não estivessem ali, por exemplo, o atual presidente da Junta e o conselheiro ribadaviense, para comprovarem, em vivo e em direto, como a língua materna está tão ligada ao coração dos galegos e aos seus sentimentos mais profundos. Estava, sim, o atual diretor-geral da Política Linguística, Anxo Lorenzo (deveria ser Lourenço). Nada o invejo, metido no atual labirinto ou sarilho idiomático da Galiza. Aproveitei também para saudar o meu amigo o vilalvês Ramón Villares Paz, atual presidente do Conselho da Cultura Galega.

Por décima quinta vez, a AELG, presidida pelo ourensano Cesáreo Sánchez, organizava a sua jornada anual “O escritor na sua terra”, na qual um literato galego —vivo— recebe, como nos contos tradicionais, três regalos: um penedo (em que se reproduzem algumas das suas palavras ou poemas), uma árvore que deve plantar (esta vez o escritor escolheu um vidoeiro) e um espaço público (que pode ser um parque ou um jardim). Já na edição do ano 2008 estivemos noutra primorosa jornada em Melide, onde homenageamos esse outro grande escritor e grande galego, bom e generoso, Vázquez Pintor (que voltei a saudar agora de novo, fundindo-me com ele num abraço).

Às dez horas recolheu-me em Ourense, no seu automóvel, o meu amigo e grande lexicógrafo Isaac Estraviz. Cruzámos esta nossa terra milenária, tão verde, tão formosa e agarimosa, por Cambeu, Vila Marim, Carvalhedo, Chantada, Taboada e Lugo. Desfrutamos das flores das gestas, dos tojos e das carqueijas das nossas terras chairegas. E lembramos aquele formoso roteiro da autêntica peregrinagem galega feita a Santo André de Teixido, a partir de Ourense. Por Outeiro Pedralho, Ben-Cho-Shei e Risco.

Em Vilalva estava uma manhã deliciosa, cheia de luz do sol. Ao lado do castelo havia uma feira medieval que continuou pela tarde. No bairro das Fontinhas, onde em 1947 nasceu o escritor, com a música de autênticas gaitas galegas, plantou-se o vidoeiro, descobriu-se o monólito de granito e pronunciaram-se as primeiras palavras. Saudamos os conhecidos, vindos de toda a Galiza, e pudemos ler que o Instituto ali situado leva o nome desse grande galego que foi Penha Novo.

No Centro Cultural e Recriativo da vila teve lugar o ato mais emocionante, que mais acima comentamos. O escritor recebeu a letra E da Associação de Escritores Galegos. O alcaide, Gerardo Criado, com acerto, comentou que Agustín transmite proximidade, sinceridade e transparência. Manolo Bragado, num largo discurso, glosou a figura do homenageado. Quando Fernández Paz falou de que o seu amor pela leitura e os livros o devia ao seu pai, que era carpinteiro, e aos contos da sua mãe, eu lembrei os meus pais, Juan e Rosa, pelo seu paralelismo exato com os de Agustín, e por isso me emocionei. Que importante é ter tido uns pais dignos, carinhosos e humanos! No jantar estivem com Suso de Toro e o escritor de Vares, recentemente premiado no certame Vicente Risco, Higínio Puentes.

Eu conhecim Fernández Paz em finais dos setenta, porque ambos os dous fomos pioneiros na renovação pedagógica da escola galega. Ele, nas Jornadas Pedagógicas de Mugardos e no grupo Avantar. Eu, nas Jornadas do Ensino de Galiza e Portugal. O que nele sempre admirei foi a sua bondade, a sua serenidade, a sua alegria e o não ser sectário. Ademais do nosso comum amor pela infância. A sua escrita é verdadeiramente sublime. Tem publicado para crianças e jovens mais de quarenta livros, todos maravilhosos. Por isso está considerado como um dos melhores literatos galegos no campo da literatura infantil e juvenil e traduzido a muitos idiomas europeus. Pelo seu livro O único que fica é o amor, de título tão significativo, levou em 2008 o Prémio Nacional. Acabou de publicar um outro livro formosíssimo, com o qual —e por ele dedicado— fomos presenteados todos os assistentes a homenagem. Titulado Lua do Senegal, é tão lindo e engaiolante que o comecei e até que não o terminei de ler, não pudem deixá-lo. Khoedi, a menina senegalesa emigrante e protagonista, conta umas histórias e uns contos populares do seu país e da África verdadeiramente primorosos, que engancham o leitor. Fernández Paz é, com certeza, um escritor galego sublime. Se escrevesse com a grafia reintegrada, seria, sem dúvida, um dos escritores mais lidos e de maior sucesso nos países lusófonos e, em especial, nesse grande país nosso que é o Brasil. E no resto da Lusofonia.