– Hello, eu tenho um monte de coisas, mas a Dora e o Botas querem achar alguma coisa que eles possam encher de água para carregar o peixinho vermelho. Eles podem encher isto de água?
-Não (risos) [Trata-se de uma bola]
– Eles podem encher isso de água?
– Não, não, aí não podem [Agora é um coador]
– Não, tem buracos.
– Eles podem encher isto de água?
– Sim, no balde.
– Eles podem encher o balde de água para carregar o peixinho vermelho. Bem pensado.
– Viva!
Esta interação decorre entre a minha filha de 3 anos e a mochila da Dora, a aventureira, uns desenhos animados que formam atualmente um cânone junto da Peppa Pig ou do Ruca (Caillou). A minha filha vê-os na sua versão brasileira ou portuguesa.
Um dos retornos que tem esta prática cultural é que afiança o seu léxico e aprende outro novo, aprimorando a sua expressividade. De facto, ela flutua entre a língua da Dora, português do Brasil, o Ruca, português de Portugal e a de seus pais e amigos e amigas, português da Galiza. Ela escuta uma mesma língua com diferentes melodias e sabores. Para ela, como para outras miúdas e miúdos com as mesma práticas culturais, a unidade da língua é natural. É a sociedade, posteriormente, a que as corrompe.
Se a produtora de Dora, a aventureira, me concedesse a possibilidade de fazer um pequeno guião para uma das aparições da mochila talvez fosse assim:
– Hello. Alguns galegos e galegas desejam que a língua da Galiza ganhe presença e prestígio social. Este mapa dá jeito para conseguir isso?
[Uma flecha marca um mapa da língua galega onde só aparece a Galiza]
– Não, assim não dá, é claro. Podem conseguir com isto?
[E a flecha marca agora as normas Ilg-Rag, as que vigoram institucionalmente na Galiza]
– Ha, há, com certeza que não. Era brincadeira.
Depois poderia aparecer a Dora para concluir:
– Para a língua galega, que também é a minha, ganhar prestígio e presença social na Galiza, apenas é preciso rasgar o guião, aquele que se construiu sobre as suas limitações e tu, tu e tu podes começar já agora, sem esperar por ninguém.
Nota: este artigo foi publicado originalmente no blogue A Viagem dos Argonautas