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Darcy Ribeiro, antropólogo da educação (documentário da série ‘Grandes Educadores’)

Dentro da série que estou dedicando a grandes educadores, depois de ter falado de Pestalozzi, Montessori, Vieira Pinto e Paulo Freire, é esta vez do depoimento de um grande educador do Brasil, infelizmente pouco conhecido fora de seu país. Darcy Ribeiro (1922-1997) foi um excelente antropólogo da educação, preocupando-se muito pela educação das classes populares e dos indígenas do grande país brasileiro. Educador que também é muito apropriado para celebrar o Dia Internacional da Democracia, que se celebra em muitos países do mundo coincidindo com a data de 15 de setembro de cada ano. Dia que foi lançado pela Assembleia Geral das Nações Unidas pela primeira vez no ano de 2007.

O objetivo da criação deste dia é promover a democratização e a observação dos direitos e liberdades do homem. Nesta data é feito um convite às nações e às organizações para que realizem iniciativas que promovam os valores universais da democracia junto das populações. Democracia é um valor universal baseado na vontade livremente expressa das pessoas para determinar seus próprios sistemas políticos, econômicos, sociais e culturais e sua plena participação em todos os aspetos de suas vidas. Embora as democracias tenham vários traços em comum, não existe um modelo único de democracia. Atividades realizadas pela Organização das Nações Unidas em apoio aos esforços dos governos para promover e consolidar a democracia são realizados em conformidade com a Carta das Nações Unidas, e somente a pedido expresso dos Estados-Membros envolvidos.

DARCY RIBEIRO no exílioDarcy Ribeiro nasceu em 26 de outubro de 1922 em Montes Claros (MG), no Vale do São Francisco, entrada do sertão nordestino. Já sabendo que sua doença era terminal, Darcy Ribeiro confessou no livro de memórias: “Termino esta minha vida já exausto de viver, mas querendo mais vida, mais amor, mais saber, mais travessuras”. Tudo muito coerente com quem sempre se declarou um “fazedor”. Filho de farmacêutico e professora, Darcy Ribeiro mudou-se para o Rio de Janeiro com o objetivo de estudar medicina. Até ingressou na faculdade, mas abandonou o curso depois de três anos. Transferiu-se para São Paulo, indo estudar ciências sociais na Escola de Sociologia e Política e ali graduando-se em 1946. Depois, em 1949, entrou para o Serviço de Proteção aos Índios (antecessor da Funai), onde trabalharia até 1951. Passou várias temporadas com os indígenas do Mato Grosso (então um só estado) e da Amazônia, publicando as anotações feitas durante essas viagens. Colaborou ainda para a fundação do Museu do Índio (que dirigiu) e a criação do parque indígena do Xingu.

Na época, Darcy Ribeiro escreveu diversas obras de etnografia e defesa da causa indigenista, contribuindo com estudos para a Unesco e a Organização Internacional do Trabalho. Em 1955, organizou o primeiro curso de pós-graduação em antropologia, na Universidade do Brasil (Rio de Janeiro), onde lecionou etnologia até 1956. No ano seguinte, passou a trabalhar no Ministério da Educação e Cultura. Lutou em defesa da escola pública e (junto com Anísio Teixeira) fundou a Universidade de Brasília (da qual seria reitor em 1962-63).

Em 1961, foi ministro da Educação no governo Jânio Quadros. Mais tarde, como chefe da Casa Civil no governo João Goulart, desempenhou papel relevante na elaboração das chamadas reformas de base. Com o golpe militar de 1964, Darcy Ribeiro teve os direitos políticos cassados e foi exilado. Viveu então em vários países da América Latina, defendendo a reforma universitária. Foi professor na Universidade Oriental do Uruguai e assessorou os presidentes Allende (Chile) e Velasco Alvarado (Peru). Naquele período, Darcy Ribeiro redigiu grande parte de sua obra de maior fôlego: os estudos antropológicos da Antropologia da Civilização, em seis volumes (o último, O Povo Brasileiro, ele publicaria em 1995).

Em 1976, retornou para o Brasil, dedicando-se à educação pública. Quatro anos depois, foi anistiado, iniciando uma bem-sucedida carreira política. Em 1982, elegeu-se vice-governador do Rio de Janeiro. Nesse cargo, trabalhou junto ao governador Leonel Brizola na criação dos Centros Integrados de Educação Pública (Ciep). Em 1990, foi eleito senador, posto em que teve destacada atuação. Em 1992, passou a integrar a Academia Brasileira de Letras. Além da obra antropológica, Darcy Ribeiro publicou os romances Maíra, O Mulo, Utopia Selvagem e Migo. No último ano de vida, Darcy Ribeiro dedicou-se a organizar a Fundação Darcy Ribeiro, com sede na antiga residência em Copacabana (no Rio de Janeiro). Vítima de câncer, Darcy Ribeiro morreu aos 74 anos, em Brasília a 17 de fevereiro de 1997.

FICHA TÉCNICA DO DOCUMENTÁRIO:

  • DARCY RIBEIRO Capa DVDTítulo original: Darcy Ribeiro.
  • Produtora: Atta Mídia e Educação (Brasil, 2011, 33 min., a cores).
  • Editora: Paulus Editora. Coleção: Grandes Educadores.
  • Nota: Pode ver-se entrando no Youtube.
  • Roteiro e Apresentação: Gisele Jacon de Araujo Moreira. Antropóloga, com pós-graduação no México (Escuela Nacional de Antropologia e Historia), foi assessora técnica de Darcy Ribeiro entre 1991 e 1997 no Senado Federal, tendo colaborado com o autor na elaboração dos livros A Fundação do Brasil (1992), O Povo Brasileiro (1995) e Diários Índios (1996), entre outros. Indicada por Darcy Ribeiro, foi a primeira secretária executiva da Fundação Darcy Ribeiro, onde hoje coordena projetos na área da antropologia.
  • Argumento: Antropólogo e educador, Darcy Ribeiro foi um dos intelectuais mais importantes do país. Distinguiu-se por elaborar uma teoria explicativa da formação do povo brasileiro e pela singular capacidade de conjugar ideias e ações. Criou os CIEPs no Rio de Janeiro (Centros Integrados de Educação Pública), instituições idealizadas no Brasil para a experiência de escolarização em tempo integral, voltadas para as crianças das classes populares, tentando atender suas necessidades e interesses, a Universidade Estadual do Norte Fluminense, a Universidade de Brasília e o Museu do Índio. Foi também senador da República, ministro da Educação e vice-governador. Como político, ousou apostar na transformação e na construção de uma sociedade mais justa. DVD realizado com o apoio da Fundação Darcy Ribeiro e apresentado pela antropóloga Gisele Jacon de Araujo Moreira, com pós-graduação no México, no que aborda a vida e obra de um dos intelectuais mais importantes do Brasil. A especialista fala das ideias de Darcy e de sua ousadia em apostar na transformação da sociedade, além de destacar suas contribuições para o ensino. “Ele via na escola a possibilidade de o Brasil construir um futuro para o seu próprio povo. Um país autônomo”, enfatiza.
  • Conteúdos do Documentário: Biografia e contexto. A formação de Darcy. Índios. Rondon e Anísio Teixeira. Realizações. CIEPs. Ginásios Públicos. Universidade de Brasília. UENF.

PROTETOR DAS CRIANÇAS, DOS ÍNDIOS E DOS OPRIMIDOS:

No meio da imagem, Darcy Ribeiro
No meio da imagem, Darcy Ribeiro

Por considerá-los muito acertados e interessantes tenho a bem reproduzir no presente depoimento vários treitos do artigo da educadora brasileira Mara Lúcia Martins, escrito em 2005 sobre o labor e as ideias educativas de Ribeiro.

Darcy Ribeiro, educador de vanguarda e com raízes na terra, tinha dito:

(…) Minhas características distintivas talvez sejam contraditórias. A minha vontade foi sempre tratar de compreender e o gosto de fazer, que me converteram em híbrido de intelectual e fazedor.

(…) Obras, escritos, cargos, fiz, tentei e exerci muitos. Nisto gastei minha vida. Uns poucos deles ficaram com a minha marca nos mundos que passei, enquanto passava: um sambódromo, um parque indígena, museus, muitas bibliotecas, demasiados ensaios, quatro romances, muitíssimas escolas, algumas universidades. Não é pouco, quisera mais. Muito mais.

(…)Sou um homem de fazimentos.

O nosso educador sempre estudou os homens, no sentido humano e também antropológico – sentido mais lato, que engloba origens, evolução, desenvolvimento físico, material e cultural, fisiologia, psicologia, características raciais, costumes sociais, crenças etc. -, criando para eles instrumentos úteis para que não precisassem de ninguém para protegê-los. Tinha como atenção primeira os índios e as crianças, no que envolve sua educação e raízes, fontes de inspiração para suas luitas e pesquisas. E foi assim também com o nosso Brasil, pois era preciso alguém para cuidar desse espaço de terra e politizá-lo para deixar de ser um país dos oprimidos. Darcy ajudou a formar uma América Latina forte e una, capaz de lutar por seus direitos e se impor perante aos países ricos. Era grande fã da Inconfidência Mineira, pois achava o movimento a grande preocupação dos brasileiros com eles mesmos.

DARCY RIBEIRO Frase sobre a educaçãoParece que Darcy tinha em sua formação a assinatura, em 1928, do manifesto antropofágico, que propunha basicamente a devoração da cultura e das técnicas importadas e sua reelaboração com autonomia, transformando o produto importado em exportável. O nome do manifesto recuperava a crença indígena: os índios antropófagos comiam o inimigo, supondo que assim estavam assimilando suas qualidades. E o quadro Abaporu (aba=homem e poru=que come), de Tarsila do Amaral, tinha tudo a ver com Darcy Ribeiro. Na época em que estudava Ciências Sociais em São Paulo, com especialização em Antropologia, abriu-se para ele horizontes e inquietações com relação à condição dos índios, principalmente os do Brasil ou os “povos da floresta”, como os costumava chamar. Sua experiência profissional, como etnólogo do Serviço de Proteção aos Índios, começou com o estudo de várias tribos indígenas (Mato Grosso, Amazonas, Brasil Central, Paraná e Santa Catarina), nos anos 1947 a 1956, e culminou com a fundação do Museu do Índio (1947), do Parque Indígena do Xingu, e com uma grande obra etnográfica, elaborando para a UNESCO um estudo do impacto da civilização sobre os grupos indígenas brasileiros no século XX e colaborando com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) na preparação de um manual sobre os povos aborígenes de todo o mundo. Darcy introduziu e organizou o primeiro curso de pós-graduação em antropologia e foi professor de várias universidades e institutos de antropologia. Em 1961, criou a Universidade de Brasília e foi o primeiro reitor da Instituição. Foi ministro da Educação do Governo Jânio Quadros (1961) e chefe da Casa Civil do Governo João Goulart, quando se responsabilizou pelas reformas estruturais. Com o golpe militar de 1964, teve os direitos políticos cassados e foi exilado. No exílio, percorreu vários países da América Latina. Esteve na Venezuela, Uruguai, Chile e Peru, onde ocupou vários cargos de confiança, como: assessor dos presidentes Salvador Allende (Chile) e Velasco Alvarado (Peru). Nesse período dedicou-se a produzir material de estudo sobre antropologia e publicou seu romance de maior sucesso Maíra (marco sobre o confronto entre “a integração ou interação” das raças branca e índia. O livro foi publicado pela primeira vez em 1976, teve 48 edições em oito línguas e ganhou, em 1996, uma edição comemorativa, com resenhas e críticas de Antônio Cândido, Alfredo Bosi, Moacir Werneck de Castro e Antonio Houaiss, entre outros.

Em 1980, foi anistiado com o indulto oferecido aos que sofreram com a ditadura militar e tiveram que sair do Brasil. Darcy já havia voltado ao país quatro anos antes para continuar sua luita contra os opressores e a favor de suas ideias. Ao retornar, ocupou cargos políticos ligados principalmente à educação. Seu pensamento maior era a extinguir o analfabetismo e com a ocupação do tempo das crianças na escola por um período mais longo, inspirada no modelo americano. Associou-se, em 1982, a Leonel Brizola e ao PDT, e foi eleito vice-governador do estado do Rio de Janeiro. Nessa época, realizou uma de suas maiores obras: foi o principal responsável pela criação de cerca de 500 Centros Integrados de Educação Pública (Cieps) – as Escolas Integrais – dos quais sentiu orgulho até o final da vida. Criou também a Biblioteca Pública Estadual, a Casa França-Brasil, a Casa Laura Alvin e o Sambódromo – batizado de Passarela Darcy Ribeiro – uma obra do arquiteto Oscar Niemeyer que mantêm 200 salas de aula embaixo das arquibancadas.

Escola com o nome de Darcy Ribeiro
Escola com o nome de Darcy Ribeiro

Com relação aos níveis de educação, tanto se dedicou às crianças – primeiras séries – quanto aos adultos, com projetos voltados ao ensino superior. Como parlamentar – foi eleito senador em 1990 – defendeu várias leis de utilidade pública, tais como: lei dos transplantes que, invertendo as regras vigentes, torna possível usar os órgãos dos mortos para salvar os vivos; uma lei contra o uso vicioso da cola de sapateiro que envenena e mata milhares de crianças, entre outras. Um dos pioneiros a ter cuidados quando a questão da ecologia, foi responsável pela revitalização da Floresta da Pedra Branca (RJ), o tombamento de 98 quilômetros de praias e encostas, além de mais de mil casas do Rio antigo. Darcy amava a natureza, acima de qualquer outra arte.

Recebeu vários títulos: Doutor Honoris Causa da Sorbonne, da Universidade de Copenhague, da Universidade da República do Uruguai e da Universidade Central da Venezuela, entre outros. Também escreveu vários livros e foi um dos precursores dos cursos a distância, que começaram a funcionar realmente em 1997. Preocupava-se com o que deixaria para a humanidade além de sua bibliografia. Queria formar nas pessoas sentimentos que seguissem suas ideias. Seu plano era formar uma fundação – a Fundação Darcy Ribeiro – sonho concretizado. Hoje, a Fundação Darcy Ribeiro (Fundar) destina-se a manter obra e memória de seu fundador e a divulgar e promover atividades ligadas à educação e à cultura no Brasil. A Fundar é uma instituição cultural, de pesquisa e desenvolvimento científico, autossustentável, com personalidade jurídica de direito privado e não tem fins lucrativos. Os Conselheiros exercem suas funções sem remuneração.

Darcy Ribeiro não foi só um educador, sua preocupação envolveu também temas sobre antropologia, cultura, meio ambiente e política. Tinha muitas ideias, concretizadas em vários projetos, para o bem do ser humano. Quando já estava muito doente, deitado na rede em sua casa de Saquarema, tomando a brisa do mar, costumava dizer: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”.

TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR:

Aula indígena
Aula indígena

Depois de ver o documentário, organizar um debate-papo ou tertúlia, sobre os diferentes aspetos que sobre a figura de Darcy Ribeiro aparecem no mesmo. Refletir sobre o seu pensamento educativo e comentar as suas opiniões sobre a educação popular, a educação de adultos, a dos indígenas e das classes populares, a universidade e o labor dos docentes na sociedade.

Elaborar uma monografia, procurando informações em livros e na internet, sobre Darcy Ribeiro, educador pouco conhecido fora do Brasil, as suas ideias pedagógicas e o seu pensamento educativo. Com desenhos, textos, cartazes e materiais elaborados, poderia organizar-se nas escolas uma exposição dedicada a ele.

Escolher uma, para lê-la entre todos, das obras básicas escritas por Darcy Ribeiro, publicadas na nossa língua, como: Os índios e a civilização, O povo brasileiro, As Américas e a civilização, Confissões, Gentidades, Noções de coisas, A Universidade necessária, O Brasil como problema, Ensaios insólitos, Diários índios, Crônicas brasileiras ou Tempos de turbilhão (relatos do golpe de 64). Podemos optar também por ler algum livro dedicado a estudar a sua pedagogia e pensamento. Entre eles temos Teoria da cultura de Darcy Ribeiro e a Filosofia intercultural, por Neusa Vaz e Silva, ou Darcy Ribeiro (Índios, Antropologia, Educação, Literatura, Política), por Mércio Pereira Gomes. Depois de lida a obra eleita, organizar um “Livro-fórum” para comentá-la e debater sobre as palavras, ideias educativas e propostas do educador brasileiro.

 

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