Catalunya, nó geoestratégico

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O anel de poder catalanista tem mostrado nestes últimos anos a sua grande determinação a prol da independência; com demonstrações de força muito visíveis, como a manifestação multitudinária da passada diada ou a recente aprovação da lei de consultas, no parlamento catalão, por uma maioria muito ampla de 106 votos à favor, por tão só 22 contra. Mas esse anel de poder catalão também tem mostrado os seus limites. E esses limites tão a ver muito, com onde acaba o poder da Generalitat e começa, por sua vez, o anel de poder espanhol.

As autoridades espanholas também têm encenado com clareza, e contundência, a sua vontade de exercer, sem nenhum tipo de hesitação, o poder que a sua lei lhes outorga. As leis, que nascem dentro dum determinado anel, são feitas em benefício das elites que controlam o mesmo. Mas o anel de poder espanhol e as suas leis acabam, também, onde começa o anel de poder Europeu, que à sua vez cria as leis necessárias para a prevalência e sobrevivência das elites da Europa central e do Norte. No entanto, o anel de poder europeu começa a enfraquecer onde, não por casualidade, surge o anel de poder global, controlado e dominado pelas elites atlânticas (anglo-saxónicas). Essas elites atlânticas impõem vassalagem aos exércitos europeus através do comando unificado da NATO, dirigido pelas autoridades norte-americanas, em estreita colaboração com o poder britânico. Por sua vez, o poder global impõe à Europa a política económica (em favor das finanças globais, com sede em Londres e Wall Street); assim como um tratado de livre comércio a assinar em breve neste mês de Outubro, onde na prática a Europa ficará definitivamente encaixada dentro do Império Ocidental.

Daí que a Catalunya tentasse, sem muito sucesso, contornar o anel de poder Espanhol, criando uma série de alianças, dentro da Europa e do Império Ocidental, que lhe permitissem de algum modo criar uma acomodação com a Espanha.

Mas nestes tempos de confronto planetário (e corrida pelos recursos), na luta pela supremacia hegemónica global, tanto a União Europeia como o Império Ocidental preferem consolidar o novo modelo de Estado mínimo (mas unido), governado na sombra pelo poder das finanças que, desde a criação do Banco Central Europeu (à imagem da FED Norte-americana, criada em 1913), consolidou definitivamente o poder bancário por cima do poder governamental. Isto fizo-se ao negar aos estados financiamento direto através do BCE e, obrigando-os a viverem dependentes do financiamento privado das entidades bancárias; que, estas sim, por um acaso, recebem financiamentos, quase de graça, através da política de juros, próximos a zero, que o mesmo banco central europeu lhes outorga…

Foi incentivado assim um negócio redondo paras as entidades bancarias, que podem comprar dívida soberana a juros muitos mais altos, à vez que os governos estatais têm de apertar cada vez mais as suas populações (e privatizar o património público, isto é, de todos os seus cidadãos) em beneficio dumas pequenas elites que escondem as suas cabeças baixo o eufemístico invento das palavras de ordem do “Deus Mercado” (cujos oráculos, nos diferentes parques bolsistas, e os seus sequazes das agências de qualificação internacional atuam, em realidade, como verdadeiros exércitos em guerra capazes de ruir por completo um país e entregar os seus despojos ao FMI e à temida Troika, que em realidade não são mais que agentes encarregados de assegurar a rendição do vencido Estado e a entrega à mãos do capital transnacional de toda a riqueza do país demolido). Assim aconteceu em Irlanda, Grécia, Portugal… e está agora a acontecer na Ucrânia das guerras intermináveis.

Perante esta conjuntura, nenhum aspirante a nação independente no Ocidente pode livrar-se da dependência e vassalagem ao “Deus mercado” e aos senhores que governam o “Anel de Poder Global”, representantes da Nova Ordem Neo-Feudal de que tanto temos falado nesta coluna. Daí a Escócia ser vencida pelo medo (o qual não deixa de pasmar o alto índice de votos em favor de a independência, neste encaixe de ameaça real de ruína nacional, e aspirações de gerir recursos próprios).

Catalunya está na mesma tessitura. A diferença é que dentro do Estado Espanhol, ao invés do Reino Unido, não existe reconhecimento nacional das supostas, e cada vez menos mencionadas “Nacionalidades Históricas”. Curiosamente o Reino Unido vai tentar dar maior autonomia às nações que o conformam (dada a promessa feita à população escocesa); sendo que no Estado Espanhol essa autonomia já está consolidada no famoso “café para todos”. Escócia, pelas declarações do já demitido Primeiro Ministro, deixa entrever que vão ter que aguardara a uma melhor conjuntura geoestratégica, num futuro. Dado as contingências a nível internacional o tal futuro aparenta longínquo, mas pacientemente terão de esperar, sem o perigo iminente de desaparecer, quanto menos no papel formal, a sua denominação de nação consolidada pela historia, não só recente.

Mas no caso catalão e basco, as urgências vão por essa via. Vendo o panorama de iminente regionalização que esta sofrer o Estado das Autonomias, com um poder espanhol central cada vez mas enfrentado e temeroso dos nacionalismos, os arrepios são compreensíveis. Daí que os setores nacionalistas, em Euskadi e Catalunya, cada vez estejam mais temerosos de perder a sua identidade e língua: políticas agressivas como a lei de educação do ministro Wert não fazem senão acender esses alarmes (e não parece muito viável a paciência da espera por uma conjuntura global mais favorável).

Mudar o quadro espanhol atual, por um de tipo federal (ainda por debater) em que puderam ser integradas e visionadas as nações históricas, como nações jurídicas de direto (que teria de certeza um efeito de apaziguamento do confronto entre “nacionalismos periféricos” e “nacionalismo central”), tampouco fica desenvolvido neste momento, que está fora da agenda atual . Mais parece um apelo partidário, de certos sectores, para ganhar algum voto ou bem dividir as forças nacionalistas (criando-se aí um espaço de influência, que agora estão a perder ou tem já perdido, na sociedade catalã e basca).

Além disso, olhando para realidade galega (onde do 25 de Julho, dia da pátria, passamos já, na atualidade, ao dia da Galiza, com a maior das “impostas naturalidades”), vemos que esta que caminha já para a sua queda iminente na regionalização e perda de toda reivindicação nacional. O único partido que publicamente assume esta reivindicação soberanista (como fazem os seus homólogos catalão e basco) está sofrer um processo de queda e tentativa de fazê-lo desaparecer do panorama político institucional. E olhando ainda para o exemplo, desde logo os ânimos dos nacionalismos catalão e basco só podem ser de grande inquietude no caso de perder agora esta oportunidade histórica de fugir dum estado unificador cultural, linguística e legislativamente.

Mas como podem catalães e bascos contornar o grave entrave de os poderes europeus e globais estarem dispostos a castigar quaisquer aventuras independentistas?

Catalunya tem ganho muito apoio internacional, também Euskadi, ao igual que Escócia, mas não o suficiente para evitar um possível ataque em caso de secessão. A consulta catalã (ou a futura basca) nasceria democraticamente muito falta de garantias nessas condições de constante alarme à população instigando o medo à ruína.

Daí Catalunya estar ante uma tessitura delicada: existe uma oportunidade real de independência, uma vez ganha a maioria social, mas também existem travões muito poderosos e paus nas rodas do carro, que trilha este caminho. Ate agora, e a pesar de tanta pressão, o bloco soberanista não tem exibido fissuras em destaque (como a propaganda de Madri tenta sublinhar). Sabem que manter essa unidade vai ser vital não só no tempo presente senão num futuro (para aprofundar e coerir essa maioria social recentemente ganha).

Utilizar com habilidade todas as energias que flutuam dentro do seu anel de poder – mídia afim catalã – mas sobre tudo a mobilidade continua dos setores base (agrupados na ANC), para contrabalançar o embate do espanholismo (na procura duma aliança de partidos que divida em dois a sociedade catalã) é um dos maiores desafios que o soberanismo tem no seu presente. Evitar declarações e ações de caráter belicista que possam demonizar o catalanismo, é outra prioridade. Seguir a ganhar alianças em todo o mundo, com a mesma serenidade, abertura de mente e diplomacia, com que os catalães o estiveram fazendo nestes últimos anos será também vital para manter coesa a base da independência.

Trabalhar na via pacifista e evitar que a frustração social fique em desespero e violência vai ser um labor muito paciente dos seus dirigentes senão querem ver o processo virado na sua contra. Todas as vias de ataque contra o soberanismo estão abertas, mesmo a utilização da corrupção gerada pelo sistema de controlo do mercantilismo (através das ligações com a muito bem denominada por Miguel Amorós de “partitocracia”) e qualquer campanha de desprestígio e fustigação ao catalanismo que se possa montar no “nacionalismo central espanhol”, sem dúvida, será feita.

Eis pois, algumas das difíceis questões a resolver pelo polo soberanista (que estão a espera na gaveta) no caminho da emancipação já não pode ser travado a não ser que Catalunya, queira seguir, com os anos, o modelo galego. Uma vez consolidado na Galiza o poder espanhol, a Galiza ruma para ser uma região espanhola onde os seus sinais de identidade já só podem ser sustidos num quadro global internacional se os países irmãos da lusofonia começarem a ter globalmente mais presença (por isso o isolacionismo linguístico, agora mais que nunca, se transforma em morte certa). Mas tanto catalães como bascos, não têm alternativa. Eles sabem bem disso, mas os galegos ainda não sabemos que único caminho que nos resta, dentro da Espanha, é rumar (na medida que legislação espanhola nos permita e na medida que nossa habilidade nos acredite para criar redes lusófonas ao mesmo tempo que servimos de ponte com os poderes de que em cada momento a Galiza se dote); estratégia nos pode permitir ainda manter viva a chama da identidade própria (dentro dum quadro amplo)… esse é nestes momentos nosso caminho certo.

Mas catalães e bascos, infelizmente, não tem ao seu alcance uma comunidade irmã de língua e cultura tão ampla, apesar de ter um poder com capacidade de criar um anel próprio, com que os galegos, a estas alturas, nem sonhamos…

Serão estes os desafios… e o presente e as suas contingências, preparará, ou não, um futuro distinto a Catalunya do que nos espera, em curto prazo, a galegos e galegas.