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Arturo de Nieves, neofalante e sociólogo

PGL – Arturo de Nieves Gutiérrez de Rubalcava é neofalante, sociólogo interessado em pesquisar assuntos sobre a língua, a identidade coletiva ou o comportamento eleitoral na Galiza contemporânea. Recentemente acaba de publicar, em colaboração com Carlos Taibo, o estudo Galego, português, galego-português?

Nascido na Corunha, neofalante e dum contexto familiar e social onde o galego não existia em modo algum, com a excepção de ser a língua empregue por algum professor nalgumas poucas matérias durante o ensino secundário. Como foi o passo?

Mais doado do que poderia parecer num contexto como esse. Sabemos do tópico que nos diz que a Crunha é uma cidade de senhoritos e é certo que essa cidade existe, mas também está aí, com muita força, a sua antítese, que é a da Crunha das Irmandades, do Bravu, da Cova Céltica… No meu ambiente familiar e social coexistiam as duas versões da Crunha. Mas, quando a espanholização é completa e a Galiza desaparece, um pode perguntar-se: e que ganhamos com isto? Bom, eu creio que as os ganhos são, para o conjunto da população, escassos e de má qualidade. Acho bem mais interessante o universo que podemos construir a partir de nós mesmos: da nossa história, da nossa tradição, dos nossos mitos… Ademais, fugindo dos academicismos, nós, o meu grupo de amigos, com dezoito anos –que é quando comecei a falar galego com regularidade–, éramos uns punks, uns grunges que bouravam nos instrumentos num local que era uma casa em ruínas. Chegávamos a ele a lume de biqueira para ver quem apandava com ligar as luzes, atividade que comportava um risco real de morte por eletrocussão.

Porém pertencíamos à mesminha classe média que se passeava relutante pola rua real, como se fossem aristocratas isabelinos, e descobrir que esta gentinha se escandalizava mais por nos ouvir falar galego do que por passear um tijolo a modo de cão, foi sociologicamente interessante. Logo, uma vez mudas de língua, abre-se um universo novo e apaixonante que, por abraiante que pareça, sempre estivera aí, oculto. Descobres que companheiros teus de toda a vida falavam um galego perfeito na casa, sendo gente que durante mais de um decénio, no liceu, na rua, não ouviras falar nunca em galego. Aí começas a ver que a cousa tinha mais profundidade do que inicialmente parecia: lês, falas, estudas… e já não podes recuar, pois tomas consciência duma descomunal injustiça social que tinhas diante dos focinhos, e ti nos viosbardos… Se albergares humanidade e tomas consciência disso, é difícil optar por não fazeres nada. Mas por não fugir da pergunta direi que, previamente a esse ponto de inflexão que foi começar a empregar a língua com regularidade, é certo que existia uma reflexão galeguista, partilhada por uma parte significativa do meu entorno e isto, com certeza, foi o que propiciou a mudança. Hoje penso que o galeguismo, na Galiza, é simplesmente um sinónimo de civilização.

Quando descobriste que o galego era mais do que te ensinava a escola? Lembras os teus debates internos e externos?

Lembro muito bem, sim; não há tanto disso. Lembro os debates quando andávamos na música, há mais de dez anos. Cantávamos em galego, eu fazia as letras, e uma pessoa perguntara se íamos escrever com “nh” e essas cousas. A minha reação fora taxativa: nós cantamos em galego, não em português… ou algum razoamento semelhante. Enfim, o sistema educativo era categórico nesta questão: galego e português eram línguas diferentes, assim que por que eu ou qualquer pessoa que passara por ele ia pensar o contrário? Considero que são necessários outros inputs para além da informação subministrada na escola. Podes achar na rua, nos livros, em conversas… Eu demorei até 2007, penso. Naquele ano eu estava a estudar sociologia na Escócia, onde, a propósito, dei com um plano de estudos muito bem adaptado para qualquer galego com interesse na matéria, pois ministravam conteúdos específicos sobre identidade coletiva, cultura nacional, nacionalismo, relação entre classe e nação… Aquele conhecimento era o que eu levava anos procurando, o motivo polo qual começara a cursar estudos em Sociologia, assim que fiquei pampo e aprendi muito. Ali fiz um trabalho de fim de grau sobre identidade nacional, comparando os casos galego e escocês. Para isto tive que ler sócio-linguística galega e descobri os textos do Celso Álvarez Cáccamo, que são um cúmulo de verdades. O seu é um trabalho brilhante, produto de muitos anos de reflexões e conhecimento acumulado; não conheço nenhuma crítica convincente ao esquema sociolinguístico que ele formula, polo qual o honesto foi aceitá-lo e mesmo ter a honra de trabalhar sobre ele. Isso é a ciência.

Acaba de sair do prelo “Galego, português, galego-português. Falam 56 figuras da cultura galega”, do Carlos Taibo e teu. Este livro compõe-se  de entrevistas feitas a pessoas da cultura galega. O tema é a condição da ortografia oficial e as relações entre a Galiza e o mundo lusófono. Qual é o objetivo deste livro?

Bom, acho que o livro pode ser útil para diferentes propósitos, mas eu destacaria um deles sobre os demais, que é o da normalização do debate. A pouco que entrares no reintegracionismo/lusismo, ou como se quiser chamar a prática de escrever o galego de acordo com a sua ortografia internacional, produz-se um processo de revelação semelhante ao acontecido quando assumes a tua condição de neofalante. De súpeto aparece um mundo novo que, porém, sempre estivera aí, ainda que desta volta a descoberta seja mais desagradável. Construíram-se verdadeiros ódios entre pessoas que andavam na mesma cousa, o galeguismo, por causa de quatro letras. À margem doutras considerações, acho que não há qualquer hipótese de construção social –nacional, cultural, simbólica…– enquanto não construirmos uma esfera pública civilizada. São necessárias toneladas de debate público, honesto e livre de paternalismos. Cumpre abandonar esquemas do tipo “primeiro acordamos entre nós –galeguistas– e depois batemos na sociedade”, pois acho que encerram uma profunda concepção elitista do social. Eu sinto-me parte da sociedade, odeio o sectarismo, e devemos comunicar as nossas posições com toda a gente à que lhe podamos fazer chegar as nossas propostas e, opino, debatermos entre nós com as portas bem abertas. O debate normativo, para mim, vem tendo lugar nos últimos decénios com um espírito contrário a esta ideia; periodicamente certifica-se a sua superação, personaliza-se, emprega-se a desqualificação pessoal, etc. Um horror. Por isso este livro procura colocar argumentos por cima da mesa, abrir as portas, romper categorias simplificadoras como “isolacionsitas”. Nele a gente fala, expõe argumentos de forma honesta e isso é uma condição sine qua non para normalizar qualquer debate, já não digamos para normalizar um país.

Qual foi o critério de escolha dos entrevistados/as? Todas as pessoas com as que contatasteis acederam à entrevista?

O primeiro critério foi o de participar disso que podemos chamar o “mundo cultural galego”. Gostávamos de recolher a opinião de escritoras, editores, ativistas, políticos, artistas, professores, catedráticas, atrizes, etc. Excluímos as pessoas cuja significação social ficasse especialmente ligada ao reintegracionismo/lusismo, pois o seu parecer é bem conhecido. Apresenta-se um leque bastante amplo das visões da língua existentes na Galiza. Como pessoa que emprega o Acordo Ortográfico da lusofonia para escrever o galego, é uma satisfação comprovar que não existe uma máquina apisoadora ideológica contra o reintegracionismo e que, se houve caça às bruxas, esta não se produziu porque as nossas posições se vejam como carentes de sentido por uma imensa maioria do mundo cultural deste país.

Penso que podemos adiantar a que, para mim, é a mais importante conclusão do livro: não existe nenhuma oposição monolítica entre isolacionismo e reintegracionismo. É um truque de prestidigitador para consumar a divisão do campo cultural galego, pois o que há é um continuum ortográfico no qual as exclusões deveriam fazer parte só de distopias literárias; onde colocar o limite da exclusão? No uso do –bel? Do –vel? Do “nh”? Do “ç”? Em qualquer caso será uma decisão com um alto grau de arbitrariedade e ilustrará uma clara vocação autoritária. A realidade diz que as exclusões persistem, que escrever com “ç, nh, lh, -ão…” dá muitos problemas de diversa índole –incluindo a que para mim é mais grave, que é perseguição destas posições através dos conteúdos do sistema educativo público– mas, reitero, do livro se conclui que isto não deriva duma hegemonia ideológica “isolacionista”. Haverá outros fatores mais prosaicos que expliquem essas práticas de exclusão, práticas que qualquer democrata deveria detestar.

Sobre a resposta que tivemos por parte das pessoas inquiridas… só dizer que houve uma ampla e variada casuística. Dentre aquelas que finalmente não participam, pois houve gente que nunca chegou a responder, gente que se declarou ignorante na matéria, gente que explicou não dispor do tempo preciso… Penso que enviamos 110 convites e, finalmente, obtivemos 56 respostas e creio que está bem assim, pois se tivessem respondido todas as pessoas inquiridas estaríamos a falar dum livro talvez demasiado longo e que dificilmente fosse contribuir com novos discursos sobre a língua.

Como foi a experiência?

A experiência foi sem dúvida muito boa. Ofereceu-me a oportunidade de trabalhar com o Carlos, a quem já admirava a nível inteletual e agora posso dizer que também a nível humano. Fazer um trabalho deste tipo entre duas pessoas amiúde se pode tornar difícil: disparidade de critérios, o peso dos egos… Mas neste caso nada disso apareceu, penso que ambos estivemos muito cómodos durante todo o processo. Prova disso é que já voltamos a colaborar neste ano, com uma palestra que organizamos na Faculdade de Sociologia da UdC, em que também participou o Celso e que, se tudo for bem, poderemos ver editada junto com algum conteúdo adicional dentro de não muito.

Que linha achas que deve seguir a estratégia reintegracionista para avançar em direção à hegemonia social? Que se está a fazer bem? Que é melhorável?

Penso que se está a fazer um grande esforço por socializar a mensagem da unidade da língua e isso é a nossa melhor garantia de sucesso. Ainda persiste essa visão dos reintegratas como pouco menos que terroristas, mas a gente não é parva e, quando escuta argumentos, a reação sempre é positiva ou, polo menos, na minha experiência sempre foi assim. Portanto socializar, comunicar, é objetivo número um e penso que isso se está a fazer bem; derrubar os tópicos com a palavra. Que é melhorável? Bom, sempre se pode aspirar a conseguir uma maior difusão.

Que visão tinhas da AGAL, que te motivou a te associar e que esperas da associação?

A visão que tinha da AGAL é a dum motor social a comunicar a ideia da unidade da língua. Vinha atrasando a decisão de me associar desde havia já alguns anos e pensei que já chegara o momento. O que espero da associação é que continue a trabalhar com a mesma força e entusiasmo que vem demonstrando nos últimos anos.

Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2020?

Gostaria que em 2020 pudéssemos dizer que a tendência de substituição linguística do galego polo espanhol se começou a inverter. Que há um maior uso do galego entre as camadas mais jovens da população, derivado do fato de o galego começar a ser uma língua socialmente bem valorada.

 

Conhecendo Arturo de Nieves

  • Um sítio web: O PGL.
  • Um invento: A imprensa.
  • Umha música: Três: O Réquiem em re menor, de Mozart (e Süssmayr, que também choiou nele), as Cantigas de Santa Maria, de Afonso X e o MellonCollieandtheInfiniteSadness, dos SmashingPumpkins. Bom, e muitas mais… sou melómano quase patológico.
  • Um livro: Contos da Coruña, do Xurxo Souto.
  • Um facto histórico: A Revolução francesa.
  • Um prato na mesa: Uma centola bem cheia, em boa companha e com alvarinho, é claro. E, agora que o penso, creio que não me prestaria nada se a tivesse que comer eu só, é um ritual total.
  • Um desporto: A escalada desportiva.
  • Um filme: Couraçado Potemkin.
  • Umha maravilha: O amor.
  • Além de galego/a: Escuteiro.

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