Perguntava Paula polo significado de Chaiám, nome da freguesia de Traço em que mora a sua irmá, e que é das mais conhecidas da comarca de Ordes por parte das picheleiras, por conta da sua magnífica praia fluvial à beira do Tambre e, quiçá, por percursos ancestrais em procura do amor. Di a cantiga escuitada polo Carlos Sixirei Paredes:
“Passei pola Ponte Alvar
c’um ramalhinho na mam
adiós rapazas de Fecha
que eu vou ver às de Chaiám”[1]
O galám seguia, mais ou menos, a rota da Per loca maritima, via romana que segundo alguns estudos cruzaria pola Ponte Alvar, ficando Chaiám bem perto dela, polo que nom seria nada estranho que um potentado de nome Flavianus decide-se construir por essas terras umha vila rural como a de Berreio, neste caso chamada villa Flaviani, que com o passo dos séculos e a evoluçom fonética do galego-português (que costuma transformar o fl- latino em ch-) deu nome a toda umha freguesia: a de Chaiám. O antropónimo latino Flavianus, está bem documentado por Schulze e Iiro Kajanto[2], e assim entom, nom vem Chaiám da fala dos cheyenes do castro de Guris, senom da dos vaqueiros de Roma. Este microtopónimo arqueológico Castro está ao Norte do lugar de Guris, e ao Norte do mesmo acha-se outro formoso microtopónimo, Pedra Negra, que deve ser um marco jurisdicional[3]. Houvo em Encrovas, até à barbárie de Fenosa, umha aldeia chamada Buris, que tem a mesma procedência que a de Chaiám; ambas as duas explicam-se por um genitivo de possessor. Seriam, em origem, vilas altomedievais chamadas Goirici ou Goderici, propriedades agropequárias de um tal *Goiricus ou *Godericus, que bem poderia ser o mesmo senhor da terra nos dous casos. Este antropónimo germánico compom-se possivelmente dos elementos gôticos guth ‘deus’ mais reiks ‘poderoso, senhor, que tem autoridade’. Um outro topónimo de Chaiám com origem numha possessom medieval de umha pessoa de nome germánico é o de Gundilhe, com a particularidade de que neste caso se trata dumha mulher. Piel acha em Guntilli o primeiro componente gunthi ‘luita, combate’, junto com um “elemento sufixal tipicamente feminino” que funciona ainda na “terminação –illi/ili que resultou, por assimilação ld-ll/l, do elemento de composição *(L)ildi ‘luta’”, mais umha mostra da obsessom bélica germánica, mas ao que Piel, como sufixo, dá um caráter hipocorístico[4].
Também é interessante dentro de Chaiám o nome do lugar de Barqueiros, que segundo Cabeza Quiles deveu referir-se em origem a umha família que exercia o formoso ofício da passagem de barcas fluviais que cruzavam o Tambre[5]; ainda que Almeida, examinando os Barqueiros lusos (há umha freguesia assim chamada em Barcelos e outra no Mesão Frio, para além de lugar nos concelhos de Arcos de Valdevez e Lamego), também adverte que em algum caso poderia tratar-se do étimo pré-céltico barc(c) ‘dpressom’, ‘elevaçom’[6], que poderia ser o que explica a Barcula de Ardemil[7]. Também há um lugar chamado o Barco, na Vilouchada, e outro de nome a Barca, em Berreio, que podem ter este mesmo sentido orográfico, de depressom em forma de embarcaçom, ainda que Almeida, par aos casos lusos, acha em alguns casos destes topónimos Barco (s), Barca (s) o nome comum “marca” na documentaçom medieval, de forma que algum deles pode referir-se a umha divisória ou marco entre terrenos ou territórios[8].
Continuando com os ofícios de Chaiám, é bem curioso que no século XIV a freguesia tivesse umha pequena economia dedicada à exploraçom do bosque, constando a existência de carvoeiros e lenhateiros, que o cancioneiro popular xavestrá ainda recolhe:
“Carvoeirinhos de Fecha
lenhateiros de Chaiám
guapos som os de Xavestre
que vos traem pola mam”[9]
Fam lembrar estes carvoeiros aos de aquele filme religioso sobre a peregrinaçom de Sam Francisco de Assis, Cotolay, em que o fraticello –tam caro aos galeguistas de pré-guerra- se encontrava com carvoeiros e lenhadores dos arredores de Compostela. Nom debe ficar muito em Chaiám da velha profissom dos seus vizinhos, nom sendo as camisas estilo lenhador de Seattle que voltam a estar na moda. E para nom deixar nada no tinteiro, eis a última cantiga sobre Chaiám recolhida polo Carlos Sixirei Paredes.
“Na minha vida tal vim
o que vim esta manhám,
umha galinha c’os pitos
na campana de Chaiám”[10]
A última notícia de Chaiám que chegou intramuros foi a de um irmanamento express que organizou na praia fluvial o Séchu Sende, entre independentistas compostelanos e umha excursom de reformado portugueses. Os paisanos mui contentes marcharam com aqueles rapazes que lhe compraram todas as rifas que levavam e que sabiam tantas cançons portuguesas. Estavam a celebrar o aniversário da proclamaçom da República Galega de 1931.
Notas:
[1] Carlos Sixirei Paredes, San Cristobo de Xabestre. Chequeo a unha comunidade rural, Sada, Ediciós do Castro, 1982, p. 311-312.
[2] Fernando Cabeza Quiles, Os nomes de lugar, Vigo, Xerais, p. 280.
[3] Microtopónimos situados na folha 94-II dos mapas do IGN.
[4] Joseph-Maria Piel, Estudos de lingüística histórica galego-portuguesa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1989, p. 134.
[5] Cabeza Quiles, Toponimia de Galicia, Vigo, Galaxia, 2008, p. 353.
[6] Almeida, 1999, p. 80; também p. 78.
[7] Para o caso, García Arias fala da base pré-romana *bar- (Xosé Lluis Garcia Arias, Pueblos asturianos: el porqué de sus nombres, Ovedo, Ayalga Ediciones, 1977, pp. 84-85); Sestay de topónimos pré-romanos que seriam metáforas navais para concavidades do terreno (Iván Sestay Martínez, Toponimia do Val do Fragoso. Vol. 2. Lavadores, Vigo, Universidade de Vigo, 2010, p. 129); e Marins Estêvez fala do adjetico “*BARKO- “ribeirinho”, de grã importância e alta presença românica: barca, embarcaçom,… Além disso, na toponímia explica Barco, Barcale, etc. É a raiz ie. *bhr(s)-/ bhar(s)- “ponte, altura”, cf. Lat. fastigium, festus. Em céltico procede do ie. *bharsko- com reduçom regular do grupo consonântico”. Higino Martins Estêvez, As tribos calaicas. Proto-história da Galiza à luz dos dados linguísticos, San Cugat del Vallès, Edições da Galiza, 2008, p. 57.
[8] Almeida, 1999, p. 78.
[9] Sixirei, op.cit., p. 310. Ainda há outra cantiga referida a Chaiám neste livro: “Na minha vida tal vim / o que vim esta manhám, / umha galinha c’os pitos / na campana de Chaiám” (p. 314). O folklore da galinha com os pitos costuma aparecer associado aos castros e aos mouros, mas também à etnoastronomia, representando as perseidas. Que mais mistério haverá tras esta cantiga?
[10] Sixirei, op. cit., p. 314.