António Lourenço Fontes, grande amante da Galiza

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Com grande acerto, o padroado da Fundação Curros Henriques de Cela Nova, por unanimidade, na sua última e recente juntança, decidiu conceder o prémio “Casa dos Poetas” do ano 2016, na sua edição n.º 32, ao transmontano da comarca do Barroso António Lourenço Fontes, mais conhecido como Padre Fontes. O ato de entrega deste prémio honorífico, que inclui uma medalha de prata comemorativa do galardão, obra do escultor ourensano Acisclo Manzano, e um poema com a assinatura do celanovense Baldo Ramos, há ter lugar na vila de S. Rosendo o domingo dia 4 de setembro.

Entre outros cargos e ocupações culturais, o Padre Fontes é na atualidade membro da junta reitora da galaico-portuguesa Fundação Meendinho, cujo presidente atual é Alexandre Banhos e secretária Manuela Ribeira, e, como vogais, ademais de Fontes, estão os portugueses Carlos Reis e Joaquim Pinto da Silva, e os galegos Isaac Estraviz, Margarida Martins, Ana M.ª Cabanas e o autor do presente depoimento.

PADRE FONTES Foto06O Padre Fontes foi desde sempre um grande amante da Galiza. Nasceu a 22 de fevereiro de 1940 na localidade de Cambezes do Rio, ao lado do rio Cávado do concelho de Montalegre, e teve onze irmãos. Desenvolveu e desenvolve uma ampla ação cívica, social, cultural, literária e humana, sendo um sacerdote exemplar e enormemente dinâmico e popular, apreciado e respeitado por todos, não só nos âmbitos das suas atuações como pároco, senão em todo o norte de Portugal e a nossa Galiza. Levando sempre à prática o verdadeiro senso do evangelho, como realmente tem que ser, e não algo teórico. O seu pai foi emigrante na América nos anos vinte. No ano 1950, com 10 anos, entrou no seminário de Vila Real, terminando os seus estudos de Teologia no mesmo em 1962. Da sua experiência neste centro chegou a dizer, não sem humor, que este tempo do seminário ocupou quase que toda a sua juventude e não pode contar-se com duas palavras, porque foi demasiado tempo, no que ficaram gravadas marcas profundas, como a visão das batinas pretas dos professores que por ali se mexiam. De eles, alguns poucos quase santos, embora outros, tal vez a maior parte, mais que “diabos”. Em 1980 terminou também a licenciatura de História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Em 1963 foi ordenado sacerdote, sendo o seu primeiro destino a paróquia de Tourém, onde exerceu durante oito anos, tendo que atender também as paróquias de Pitões das Júnias e a de Covelães. O seu meio de transporte naquela altura era um cavalo, pois não existiam por aquelas terras estradas adequadas. Em Tourém, como se desejasse seguir o modelo de Barbiana do italiano Lorenzo Milani, criou uma escola e iniciou cursos de agricultura e de artesanato (bordados e outros). Fundou também uma espécie de seção de “Cáritas”, recolhendo leite, farinha, aceite e manteiga, para elaborar comidas na casa paroquial para os mais necessitados, tarefa na que contou com a ajuda de uma das suas irmãs. Depois de três anos mudou o cavalo por uma moto, para deslocar-se às paróquias que tinha que atender. No ano 1971 mudou-se para a paróquia de Vilar de Perdizes, atendendo também as de Meixide e Soutelinho da Raia. Em Vilar de Perdizes levou a cabo um trabalho social exemplar durante mais de 38 anos. Criou o Centro Social Paroquial, sendo o seu presidente e dinamizador, fundou um jardim da infância, que agora é um centro de dia, porque infelizmente já não nascem crianças. No mesmo organizou cursos formativos variados para adultos, como os de artesanato da lã e do linho em 1986, de plantas aromáticas em 1988, de apicultura em 1985, e mesmo de serigrafia e artes decorativas. Em Vilar de Perdizes celebrava a missa todos os dias às oito e meia da manhã. Entre 2002 e 2005 esteve de pároco em Mourilhe, depois de cessar em Vilar como tal. Nesta localidade reconstruiu o paço de Outão do século XVIII, criando um hotel de turismo rural com o nome de “N.ª Sr.ª dos Remédios”, um centro cultural de promoção e divulgação das terras e cultura barrosã, onde se acolhe a turistas, visitantes, doentes, docentes, estudantes, artistas e jornalistas. Paralelamente, exerceu as funções de empregado e de chefe de pessoal nos Serviços Médicos Sociais de Montalegre, de 1973 a 1990, exercendo ademais as funções de secretário para assuntos culturais do gabinete de Presidência na Câmara Municipal de Montalegre, de 1990 a 2000, ano este no que se reformou.

GRANDE DEFENSOR DA CULTURA POPULAR

O Padre Fontes é sem dúvida alguma um dos principais defensores da cultura popular, especialmente da região transmontana do Barroso, onde se encontra no seu coração a localidade de Vilar de Perdizes. Durante anos foi o fundamental dinamizador dos Ranchos Folclóricos, de música e danças populares, de Vilar de Perdizes, Pitões, Meixide, Soutelinho e Cambezes do Rio. Com a sua associação colaborou desde o primeiro momento na organização dos “Encontros de Jogos Populares Galaico-Portugueses e Transmontanos”. Precisamente, a primeira edição teve lugar o 11 de novembro de 1983 em Vilar de Perdizes, a onde se deslocou de Ourense o Fato Cultural “Os Chãos” de Amoeiro e o grupo “A Bilharda” de jogos tradicionais, pertencente à Associação Sócio-Pedagógica Galaico-Portuguesa (ASPGP). Mais tarde o Padre Fontes levou o seu grupo a participar nas seguintes edições dos encontros, celebrados dous em Amoeiro em maio de 1984 e 1985, o de Vilardevós, onde o Padre Baltasar era muito amigo do Padre Fontes, e os de Vinhais e Vila Real. Não podemos esquecer que um dos organizadores destes encontros lúdicos era o seu grande amigo António Cabral de Vila Real, o maior especialista do mundo em jogos populares e tradicionais e autor de numerosos livros sobre o tema.

Em 1983 fundou em Vilar de Perdizes o Congresso de Medicina Popular, uma das atividades que lhe outorgou mais fama e reconhecimento em Portugal e na Galiza. Ele é o seu principal dinamizador e celebra-se cada ano, durante o primeiro fim de semana de setembro. Segundo comenta ele, este congresso nasceu num momento no que as tradições e a medicina popular antiga estavam a cair em desuso devido à oposição da que denomina “medicina química ou moderna”, e à necessidade de registar e dar a conhecer o uso da medicina caseira e tradicional, ainda muito valiosa. Em 1994, o bispo de Vila Real, D. Joaquim Gonçalves, cometeu o grande erro de proibir ao Padre Fontes presidir a organização deste congresso, decisão que por obediência acatou. O tema provocou uma grande campanha nos médios e muitas reportagens jornalísticas, que inclusive fizeram mais publicidade do evento, sem o pretender.

Outras muitas atividades destacadas de Lourenço Fontes são: a fundação e direção do jornal mensário Notícias de Barroso, desde 1980 até 2005, publicação que segue saindo à luz em formato digital; organização, em colaboração com a Câmara Municipal de Montalegre, da anual “Feira do Fumeiro” no mês de janeiro, e as “Noites das Bruxas” todas as sextas feiras do ano em que coincidem em dia 13. Foi ademais o organizador de numerosos congressos e simpósios, e entre eles o do “Milenário de S. Rosendo” em 1977, “Centenário de S. Bento” (1981), “Caminhos de Compostela” (1982), “Religiosidade Popular” (dous, em 1984 e 1985), Arquitectura Popular” (1984), os de “Medicina Popular” (32 edições desde 1983) e mais de vinte encontros de cantores ao desafio e de concertina durante o período do Natal.

Por se isto fosse pouco, é colaborador de diversos jornais, revistas e estações de rádio, e de forma permanente nas televisões RTP, TVG e TVE. Participando ademais em filmes e documentários como “Terra de Abril”, “Terra Fria”, “5 dias e 5 noites, não cortes o cabelo que meu pai me penteou”, “Os demónios” e documentários para a BBC, as TV holandesa e francesa, a Unesco, Odisseia, etc. Para dar cursos sobre etnografia aos mestres e mestras, nos anos oitenta, participou em várias edições da escola de verão “Jornadas do Ensino de Galiza e Portugal”, organizadas pela ASPGP. Pronunciou também numerosíssimas conferências e palestras, tanto em Portugal como no estrangeiro, em universidades, liceus, grupos e associações culturais, escolas, autarquias e centros municipais, participando ademais em muitos debates-papo radiofónicos e televisivos.

Graças à sua proposta, o concelho de Montalegre criou o “Ecomuseu do Barroso”, um núcleo cultural excelente, que merece a pena ser visitado, que se encontra muito perto do Castelo da localidade, e que tem uma sala completa dedicada ao Padre Fontes. Este museu foi criado para salvaguardar o património transmontano com os seus múltiplos temas e variedades de assuntos, naturais, artesanais, fotográficos e sócio-económicos, como um Museu do Território, no qual o importante são o povo e o património.

Não esqueço ainda que o Padre Fontes foi nomeado em 2010 como o “Arraiano Maior” pela Associação “Arraianos” de Cela Nova. Que no seu dia, o concelho de Montalegre e o povo de Vilar de Perdizes, lhe organizaram uma merecida homenagem e descobriram uma placa na sua honra. Nem que no passado mês de abril recebeu outra homenagem no “25.º Colóquio da Lusofonia”, celebrado no centro de usos múltiplos de Montalegre. Nem tampouco de que, em 2012, por iniciativa dos deputados eleitos pelo distrito de Vila Real, foi solicitado ao Presidente da República portuguesa que o Padre Fontes fosse distinguido com a “Ordem do Mérito”. Existe um documentário de 50 minutos em DVD sobre a sua vida durante setenta anos, desde que nasceu até o momento no que se filmou. Na sua biblioteca privada de Vilar de Perdizes destaca a presença de muitos e interessantes livros de autores galegos e publicados na Galiza, alguns com assinaturas de seus autores.

Para o final deixo a resenha das suas mais importantes obras e livros. Sem dúvida, a sua obra mais importante, da que existem várias edições, é Etnografia Transmontana, em dous volumes. Embora, também é autor e coautor de outras interessantes: Usos e costumes de Barroso, escrita em colaboração com Barroso da Fonte e Alberto Machado, em 1972, Milenário de S. Rosendo, em colaboração com João Sanches, Chegas de bois de raça barrosã, Contos da raia, Ponte da Mizarela, ponte do diabo, Crenças e mitos da raia seca ourensana, Roteiro dos castros de Montalegre, Roteiro dolménico de Montalegre e Os chás dos Congressos de Vilar de Perdizes.