Alerta máxima – Confronto global imposto

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Como bem temos falado em anteriores artigos, a elite financeira ocidental escolheu Donald Trump para confrontar o avanço económico chinês, um gigante asiácito impossível de travar em mercados abertos. Isto trouxe consigo um primeiro confronto e um segundo reacomodo entre a própria elite ocidental, resumido na aposta Macrom –ou– Trump. Agora essa divisão pode iniciar a sua dissolução ante o confronto global Ocidente / China-Rússia e o novo embate na América do Sul, longe das diferenças surgidas com Irão e seu desenvolvimento nuclear, mas demasiado perto do centro de comando imperial.

Desde o ponto do vista do grande analista mexicano Alfredo Jalife, este nova virada da Administração Trump em procura dum certo protecionismo significa o fim da Era da Globalizaçao e a queda do Modelo Social Tecnotrónico preconizado na altura pelo influente Zbigniew Brzezinski. Nós achamos, pela contra, que se trata de um pequeno refluxo dentro do fluxo globalizador, com o intuito de retomar o mesmo processo (de governação única mundial) uma vez que a China seja derrota, se isso pudesse acontecer nas atuais coordenadas. Concordamos com Jalife no facto de uma nova arquitectura em 3D –com três poderes em destaque: EEUU-Rússia-China– está já a se desenvolver mas ainda sem consolidar, apesar dos fatos ser relevantes como bem deixa ver o próprio Jalife no seu último livro. Poderão estes poderes encaixar? Tudo vai depender das necessidades de cada um e da possibilidade final de conciliar agendas, se depois dos primeiros inevitáveis embates as forças se mantiverem equilibradas.

O que sim fica já abandonado é o velho plano Rumsfeld-Cendrosky de remodelação do Oriente em favor da Irmandade Muçulmana (aliada de Ocidente), que tantos esforços levou construir a vários governos da Europa e Norteamérica. Aquele “Meio Oriente Alargado” que tão habilmente quebrou a Rússia com sua intervenção em Síria (obrigada pelas circunstancias, de contagio yijadista na sua área de referência muçulmana).

Estamos, pois, ante um embate típico de guerra fria entre o Poder Financeiro Privado Ocidental e o Poder Financeiro Estatal Chinês em aliança com a Rússia de Vladimir Putin. Os Estados Unidos parecem de novo trabalhar em um plano de quebra do Poder russo, como aquele que na altura organizou o presidente Ronald Reagan. Ante a impossibilidade anteriormente trabalhada de separar Rússia de China pela via diplomatica e da mudança de alianças (tal como no seu dia fizeram separando a China de Mao da União Soviética, que removeu o equilibro de forças globais em favor dos Estados Unidos), agora os Norte-americanos visam de novo atacar a economia russas além das sanções diretas, que não foram muito eficazes.

Incrementar o gasto militar dos russos parece de novo ser o guião, como o foi a meados dos 80 do século passado. Para isso, de novo o Presidente Donald Trump volta abrir a possibilidade dum Escudo Anti-Misseis, imitando o Presidene Reagan (que possa fazer insustentável para Rússia uma corrida maciça às armas, ao tempo que tal projeto pode ajudar a proteger à sua vez a potencia Ocidental do avançado programa russo de mísseis hipersónicos).

Dentro desta remodelação, os Estados Unidos têm-se voltado de novo sobre o continente americano, removendo com facilidade no Sul governos que em principio não lhe eram muito favoráveis. Bolívia e a Venezuela parecem ainda resistir-se-lhes. A crise social aberta neste ultimo país das Caraíbas, pátria de Bolivar, torna-se agora ponto fulcral do novo embate geopolítico.

Sendo a Venezuela um imenso jazigo rico em Petróleo, Ouro, Coltan e Gás natural, entre outros mineiros, a sua disputa resulta vital para as potencias que aspiram à hegemonia. Estando tão perto dos EEUU, a sua perda definitiva seria um golpe duro de dirigir para o Poder Privado Ocidental depois de que a China se tenha situado com sucesso em vários mercados da Ásia, África e mesmo na Europa. Começar a quebrar as dinámicas expansivas comerciais da China, no continente americano, aparenta ser uma prioridade para Washington, o qual pode ser conseguido mediante tratados bilaterais (que na pratica impeçam um comércio fluido com Beijing) tal como aconteceu recentemente com o México.

Dous modelos antepõem-se no nível global. Primeiro, está um modelo financeiro privado baseado no atrelo permanente das dívidas como forma de gerar riqueza e vassalagem desde as periferias ao centro do sistema, representando pelo centro financeiro de Londres e Wall Street e impulsionado politicamente desde os Estados Unidos e, em menor medida, desde a União Europeia. Este também está apoiado pelo poder militar da OTAN, em revisão profunda do seu futuro papel a jogar (quer na sua reorientação, quer na sua hipotética dissolução). Pelo outro lado está situado um modelo financeiro estatal, baseado no condicionamento preferente, a inversão e o predomínio comercial chinês (que deixa um pouco mais margem de manobra aos países súbditos que os habituais planos elaborados pelo FMI, em favor do Centro Bancário Ocidental). Este é apoiado pelo poder militar russo, em tentativa de concretizar (a longo prazo) um novo centro financeiro em Shangai.

A China desenvolve esta formulação que assalta o segundo tabuleiro hegemónico –o económico– enquanto aumenta a sua presença, de forma muito subtil, no terceiro tabuleiro –o cientifico, social e cultural– e deixa a Rússia virar poderosa no primeiro tabuleiro –o militar– ao tempo que aumenta seu orçamento em defesa de forma vertiginosa.

A corrida armamentista, que nunca é boa noticia para o mundo, permite ao grande complexo militar industrial norte-americano manter viva a sua enorme voracidade, que chega a consumir praticamente 70% do orçamento do país. De aí também a necessidade duma profunda remodelação e a insistência do Presidente Trump de fazer mais ativos os seus sócios, enquanto a assunção duma maior participação nos recursos da defensa. Isto é algo que pode chegar a ser uma arma de duplo gume, pois quanto maiores sejam as achegas destes colaboradores (hoje tão precisas), maior será o margem de manobra, comando e autoridade que Washington deverá ceder-lhes.

À sua vez, as novas tecnologias militares aplicadas pela Rússia e China fazem obsoleto o anterior modelo de policiamento total do planeta, que até faz umas décadas era vital para uma potência talasocrática como Washington e agora precisa uma nova posta a ponto (tirando o supérfluo, deixando o vital e introduzindo novas variantes como a tecnologia 5G, da qual a China é neste momento a grande aluna ou mestra avantajada, rumando o seu governo já para 6G, sem apenas o resto do mundo ter começado a utilizar a primeira). Isso condiciona os futuros diálogos no seio da OTAN que, junto ao recuo momentâneo dos Norte-americanos sobre o seu continente, fazem a Europa começar a desenhar um futuro plano de Exercito da União que resguarde e garanta melhor o seu papel no mundo, além das fronteiras que até agora são seguradas pelo poder do Tio Sam.

Este modelo Financeiro Privado Ocidental assenta suas raízes no velho poder bancário caorsino, francês e depois veneziano-Lombardo da Itália na Idade Média. Assentado na base dum poder por cima do Estado e numa visão da lei mercantil e depois comercial marítima, este modelo está ao serviço duma elite cujo referente filosófico aristotélico lhes fazia acreditar na existência necessária dum grupo por cima, destinando a comandar e outro, por baixo, predestinado a servir.

Pela sua parte, temos o poder Russo, herdeiro do legado Bizantino e mais perto do modelo político de Teodosio I, da última dinastia dos Paleólogos, mecenas das ciências, artes e letras e inimigos de Veneza (e de cuja queda, baixo o avanço otomano, se alimentaria o Renascimento, ao migrar seu grande capital cultural, cientifico; dado o económico e patrimonial, já tinha voado quando a invasao veneziana durante a IV cruzada, e o saqueio de Constantinopla, em abril de 1204). E finalmente o poder milenário chinês, que tem menos a ver com a Terceira Era Imperial, de expansão territorial, promovida pelos mongóis e seu líder Gengis Khan. Menos todavia com o fechamento dos anos dourados e construção da grande muralha ou a Cidade Proibida; e muito mais com a visão comercial mais aberta da Dinastia Song e as expansões marítimas, agora acrescentadas, com a nova pragmática, e ate o de agora imparável, rota comercial da seda.

Observamos que o Poder Privado Ocidental permanece na procura duma lei internacional, favorável a seu desenvolvimento financeiro, por cima dos Estados. Confrontado com um poder Estatal chinês, em plena estratégia mercantil global, na procura dum sistema multipolar, em favor da sua legislação estatal, adaptada a regulação internacional.

E finalmente, um poder Russo, trabalhando em favor do centro Euro-Asiático, resguardando alguma essência daquela III Roma que unificar-ia as outras duas; longe já do velho destino manifesto, introduzido pelas seitas milenaristas cristãs, mas mantendo a visão holística, muito presente em toda cosmogonia oriental do mundo (sendo Rússia grande ponte entre Oriente e Ocidente).

Ambos três poderes virados a um conceito de controlo social, por parte dum estado ou uma elite. E muito cientes do seu papel, no novo reparto do mundo. Em tentativa por enfraquecer o contrário, em este período colisão perigoso, enquanto as placas tectónicas, do velho edificio abalam e as da nova realidade geopolítica emergem, à espera de definitivo assentamento.

Em esta situação atual, a humanidade vota em falta um terceiro poder intermédio, no hemisfério sul, chefiado pela Índia, Brasil e Sul-África, mais virado ao humanismo, a velha visão Ghandista, sincretismo do cristianismo de Tolsoi e religiosidade indianista. Terceiro poder herdeiro do pensamento , que Europa abandonou, como o de Nicolau de Cusa, ou o legado, muito posterior, da “Ajuda Mútua” de Piotr Kropotkin, que Rússia truncou (com a revolução bolchevique, que impus o partido por cima dos soviets)… Essa achega da confraternização que fez refletir e mudar ao guerreiro Mandela. Aquela famosa diplomacia da paz, que o Brasil, sabiamente estava a inserir no mundo.

Mas desgraçadamente o Brasil, como a America do Sul, que poderiam comandar esta terceira via, ligando comercialmente os mercados sul-sul, pela corrente atlântico-índico, já traçadas pelos ousados marinheiros português do século XVI; esta ainda por amadurecer.

Se o século XIX, significou a libertação política do Sul da América, e o inicio do atrelo ao poder bancário britânico; o século XX, foi a tentativa falida de libertação económica dos EEUU, herdeiros do poder global anglo-saxão. Sendo que este século XXI assemelha para a América do Sul, a procura do melhor caminho para sua independência económica. Em essa prova – erro estamos, e muitos serão os atritos que, infelizmente, terão de atravessar nossos irmãos e irmãs sul-americanas, ate finalmente dar-se conta, que somente com a unidade, ponderam atingir finalmente o alvo anelado. Unidade dentro da diversidade e respeito por toda a sociedade. Unidade de partidos, organizações sociais e políticas, elites cientificas, económicas e culturais.

Por enquanto, a humanidade terá de preparar-se para trabalhar, em favor, dum acomodo global dos três poderes dominantes, que evite o fantasma da guerra nuclear, ou outra queda sistémica, como aquela 2007-2008, no pulmão ocidental de Wall Street e a City Londrina (que esteve a ponto de quebrar a economia global e foi a detonante do retrocesso atual dos EEUU e a Europa, entre ouras causas: como as guerras de Iraque e do Afeganistão.)

Pelo de agora, estamos observando, esse medir de forças em confrontos regionais. Em este momento com o olho posto em Venezuela, reflexo da mudança geopolítica, que a dia de hoje, permite acercar o conflito, perto das costas de qualquer potencia. Hoje nas Caraíbas, ontem em Coreia, amanha quem sabe?

Mas somente estas tendências, mudarão significativamente, quando mudemos também, entre todos e todas, a belicista consciência. Aquelas atitudes, profundamente ignorantes, que nos fazem ver, a nossos irmãos e irmãs, como inimigos. Tão marcantes, tóxicas, contaminantes e animadas, por grupos de interesse particular, desde todas redes sociais, e programação vária, que já não somos capazes de perceber, o dano que mutuamente nos estamos a deixar fazer, tão profundo, que lembra a Europa, prévia a guerra, dos anos 30, do século passado.

Tão ensimesmados em estas dinâmicas que já não somos capazes de refletir que aquela divisão profunda do século XX, entre direita e esquerda, está, com esta nova realidade tripolar desaparecendo…

Por enquanto os velhos poderes seguiram aproveitando-se, da nossa nova queda na velha polaridade guerreira – onde vemos nos outros, os defeitos que ocultamos em nós. Sendo tão ignorantes, que não podemos dar-nos conta que os grandes males que nos assolam, como a corrupção, trânsito de drogas, desastres meio ambientais, vício, involução moral e ética… são, na realidade, sistémicos. Mas, de momento, seguiremos sonhando mais corrupto, ineficaz, destrutor o outro, o que pensa diferente. Ele, o contrário político, mais hipócrita e menos ético. Enquanto damos fogo, na doente procura de descobrir todo o lado escuro do contrário, enquanto nos facemos cegos para as nossas próprias sombras, e também para escuridão daqueles a quem, no medo profundo, servimos mais que lealmente, estupidamente.

Aplaudindo mesmo a injustiça, imposição pela força, ocultamento e falsificação, se for daquele partido ao qual nos identificamos. Perdendo o sentido da mesura, enquanto, sinalizamos com o dedo, as mesmas faltas que vemos, ou saem a luz, em outros partidos, aos quais identificamos como o inimigo.

Isto, somente é possível, por causa do medo que as mudanças trazem e nós não entendemos. Esse mesmo medo que aproveitam as elites de sempre, aquelas que tem melhor e maior acesso a informação, para manipular-nos e enfrentar-nos. Pois sem o nosso confronto não poderiam seguir ordenando o mundo por cima enquanto elas, normalmente muito habilidosas, apostam pelos dous bandos. Para sempre saírem ganhando.

Se quisermos, realmente, contribuir para um acomodo global dos três poderes (e evitar com elo o confronto global, sempre pelo sector mais belicista, imposto), comecemos por acomodar-nos, nós, com o nosso vizinho de enfrente.