A casa de Flore

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“…aquellos Moscosos que se distinguieron entre los paladines portugueses en la ardiente África…”

Emilia Pardo Bazán, La madre naturaleza

Pazo de Moscoso, em Ardemil
Pazo de Moscoso, em Ardemil

Para aldeias ordenses fecundas na história, a de Moscoso, em Ardemil, origem dum dos apelidos galegos com maior tradiçom. Nom há, porém, unanimidade à hora de explicar este topónimo, para o que se dam, polo menos, três hipóteses principais: a primeira, que o nome seja um abundancial de mosca (musca), sinalando um lugar destacado pola presença destes insetos, tam molestos para o gado e que, como veremos noutra ocasiom, deu com toda certeza origem ao topónimo e apelido Mosqueira e similares; a segunda, que proceda de outra palabra mosca, neste caso derivada do latim vulgar *mossicare, ‘morder’, e aplicada a um corte orográfico que semelhe um mordisco no terreno, como podem ser os casos da praia das Moscas, na Ilha de Onça, ou o Mosqueiro do Berço, que sinala J. García; por último, a que parece mais provável, de lugar abundante em briom ou musgo, do latim muscus. Neste sentido, Moscoso deve ser o resto de um topónimo antigo do que só ficou o adjetivo, e que talvez fosse algo assim como ‘Monte Moscoso’ ou ‘Terreno Moscoso’; na documentaçom medieval recolhida no Tombo de Sobrado aparece um texto, sem data, onde se fala de umha “pena Muscosam”, dando força a esta hipótese.

Independentemente da sua origem, Moscoso vai ter umha presença impressionante ao longo da Idade Média e todo o Antigo Regime, por dar lugar a umha dessas casas ou linhagens da nobreza galega que se ensarilhárom em aventuras imperiais, primeiro cara ao Sul, e depois do outro lado do Atlántico. Na atual aldeia de Moscoso tinha esta casa, quando já exerciam de Condes de Altamira, umha torre à direita do rio Cabrom, mas foi derribada porque era a condiçom que o arcebispo de Santiago, Gómez Manrique, pugera a Lope Pérez de Moscoso quando solicitou autorizaçom para construir a torre de Morgade, sendo mais que provável que também utilizassem os materiais de umha para construir a outra.

Durante o século XV fôrom, junto com a casa de Montaos e a de Messia, umha das mais importantes do Reino, vivendo numha intriga constante, quase de telenovela, envoltos em numerosas guerras e estratégias matrimoniais entre elas, golpeadas pola Revoluçom Irmandinha que ameaçou os seus privilégios, e despossuidos pola “doma y castración” dos Reis Católicos… Quem tenha paciência para compreender esses enredos da nobreza, que bote um olho à Relación de algunas casas y linajes del Reyno de Galicia de Vasco de Aponte, quem já adverte que, no tempo de Ruy Sanches de Moscoso, “pocos eran los meses que no se viesen en enfrentamiento, porque juntamente tenían guerra con […] la casa de Suevos, y con la casa de Mesía y con la casa de Montaos […][1]. Além dessas tragicomédias dos nobres, também se podem encontrar alguns episódios divertidos no livro de Aponto, como quando “Bernald Yáñez de Moscoso et seu hirmao Álvaro Pérez de Montaos” fôrom explorar umha cova à procura dos tesouros dos mouros, qual modernos espoliadores de jazimentos arqueológicos.

Inventariar todos os personagens históricos que levárom o apelido Moscoso é umha tarefa enciclopédica mais própria dumha tese de doutoramento do que dum artigo destas características, mas há alguns que nom se podem esquecer. Como apelido, nom é que Moscoso (que em origem era ‘de Moscoso’, indicando que quem o levava era originário desta aldeia ou homónima) seja mui habitual hoje na Terra de Ordes, mas levárom-no muita gente excecional ao longo da história, entre os quais há que destacar, por riba dessa grei de caciques feudais dos Lope Sanches de Moscoso e companhia, que posteriormente aparecem ocupando vicerreinados das Índias, a Flore Tristán Moscoso (1803-1844), socialista utópica e feminista adiantada, -para além de avoa do pintor Paul Gauguin– que com agudeza denunciava que “o homem, o mais oprimido, pode oprimir outro ser, como é a mulher. Ela é a proletária do mesmíssimo proletário”. Injustamente desprezada por Karl Marx, adiantou-se a ele na tentativa de artelhar umha Internacional, encetando em 1843 o projeto de L’Unión Ouvrière, encontrando a morte a umha idade mui jovem enquanto trabalhava sem descanso nele[2]. Tristán Moscoso, aliás, foi artista, escritora, viageira e venceu à violência machista na sua expressom mais dura, quando o pai da sua filha intentou assassiná-la dum disparo de pistola.

Já por último, havida conta de transformaçom por méritos próprios de Ordes em capital galega das artes gráficas, nom podemos esquecer Víctor Moscoso (Oleiros, 1936), um dos pais da psicodélia durante a colossal onda de criatividade e reivindicaçom generalizada que foram os anos sessenta e o movimento hippie.

[1] Vasco de Aponte, Relación de algunas cosas y linajes del Reino de Galicia, no apêndice geral do tomo VI da Historia de Galicia de Benito Vicetto, Ferrol, 1872, pp. 404-485; a cita é da p. 437.

[2] Para um achegamento biográfico à figura de Flore Tristán Moscoso, podem ser úteis os ensaios que acompanham o livro: Flora Tristán, Peregrinaciones de una paria, Madrid, Ediciones Itsmo, 1986.

Leira da Torre dos Moscoso, em Ardemil
Leira da Torre dos Moscoso, em Ardemil

Publicado em Aldeias de Ordes,